Pela lente da gente

Por Aline Midlej

Aline Midlej é apresentadora do Jornal das Dez, na GloboNews


Quais são os dois lados?

Na sessão que encerrou a semana na CPI da Covid, o senador Eduardo Girão sugeriu um debate com especialistas pró e contra tratamento precoce. Natália Pasternak, a convidada que era ouvida, respondeu: "A ciência não tem dois lados. E isso não é por desrespeitar opiniões alheias, mas pelo modo como a ciência trabalha, que é um processo empírico de investigação", afirmou.

Parafraseando a microbiologista - uma voz presente nas ondas de lucidez que nos mantêm com alguma flutuação nessa tempestade de desinformação - , digo que o respeito à vida também não tem dois lados.

Ainda temos muitas perguntas sobre esse vírus, novas questões surgem com as variantes pelo mundo, mas algumas respostas já são capazes de reduzir mortes: o uso de máscaras. Um ato de amor consigo, com o outro, com um futuro ainda possível para os sobreviventes até aqui.

Já perdemos 480 mil vidas e ainda precisamos reafirmar isso. No mesmo país onde o Congresso Nacional se debruça sobre as evidentes omissões na gestão dessa emergência sem precedentes, enquanto as mesmas continuam ocorrendo.

Kathlen Romeu — Foto: Reprodução/Redes sociais

Também já se comprovou que política de combate às drogas no Rio de Janeiro não nos deixa mais seguros, pelo contrário. Somos atravessados por um medo envergonhado. Penso como seria se tivesse sido comigo.

Grávida, caminhando ao lado de minha avó, na comunidade onde cresci, sendo atingida por uma bala de fuzil no tórax. Isso eu só imagino, porque, no bairro onde eu moro, uma violência como essa colocaria autoridades em xeque.

Jaqueline de Oliveira Lopes, mãe de Katlhen, fez um novo desabafo na saída da delegacia nesta sexta-feira, onde prestou depoimento:

"Avisa ao major Blaz [porta-voz da PM-RJ] que esta historinha que é contada há anos na televisão que foi troca de tiros, que a polícia foi recebida a tiros. Quem foi recebida a tiros foi a minha filha... Eu preciso gritar por justiça por Kathlen de Oliveira Romeu. Não foi em vão. Ela foi a última. Ela foi a última. Gravem esse nome, não foi em vão”.

Não foi em vão. Mas será a última?

Qualquer mulher que respeita a vida, neste país, não conseguiu dormir ao se colocar no lugar de Katlhen. A comoção foi imensa, a polícia está sob pressão e 12 PMs que participaram da ação foram afastados das ruas enquanto a investigação avança. Mesmo assim sobra desrespeito. A própria família da Kathlen foi atacada nas redes sociais, pelo preconceito e a ignorância.

A bala nunca é perdida nestes casos e, em quaisquer outros, o Estado tem a obrigação de nos manter em segurança. Não há debate, não há lados quando se fala da morte de uma pessoa inocente.

"Eu peço que respeitem a memória da Kath. Não despejem ódio porque ninguém merece isso. Vocês não têm ideia do que a gente está passando. E o que a gente vai passar vai ser muito pior daqui para frente. Respeitem a dor da família. Principalmente da mãe da Kath, que foi obrigada a ler comentários de pessoas falando besteira", disse Marcelo Ramos, namorado e pai do filho que ela carregava no ventre.

Respeite a vida. Use máscara. E tente sentir a dor da família de Kathlen.

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