Em boa parte das cidades brasileiras, o carnaval de rua é uma instituição que merece espaço e respeito. Mas o que se vê hoje no carnaval de rua é um aparente desprezo pelo gerenciamento de riscos, um assunto considerado chato por quem só pensa no lado divertido da festa, mas se esquece de que acidentes acontecem, e suas conseqüências tendem a ser mais trágicas onde o planejamento nessa direção inexiste ou foi relegado a segundo plano. 

O problema afeta muitos municípios. Mas, pela dimensão que passou a ter nos últimos anos – e por sua posição de principal destino turístico do país, recebendo quase 1 milhão de visitantes de outros estados e países neste período – o caso do Rio de Janeiro merece uma atenção especial.

Não se trata apenas do elevado número de blocos da programação oficial (456), o que já configura um gigantesco desafio logístico para não colapsar a mobilidade urbana (problema ainda não resolvido e que parece se agravar a cada ano), mas da falta de estrutura que permeia essas grandes aglomerações.

Durante o carnaval do Rio, quem precisa de socorro médico imediato, ou aciona os serviços de emergência dos bombeiros ou da polícia, fica na mão. É preocupante constatar que não há “rotas de fuga” claramente definidas. Não há “Plano B”. Resta abrir caminho no mar de gente. Dependendo da localização e do horário, é missão quase impossível.  Vale conferir as opiniões isentas de motoristas de ambulâncias, carros do Corpo de Bombeiros ou da polícia. Sem planejamento prévio, cabe a eles definir o que fazer e de que jeito. Quanto maior a multidão, mais difícil se torna a travessia. Sobra até para os foliões, que se ressentem também da falta de transporte na volta para casa.
                            
Tão ou mais preocupante do que a perda da mobilidade nessas proporções é a forma como se dá o licenciamento dos blocos. A maneira como esses 456 blocos foram autorizados a circular pela cidade gerou forte descontentamento no Corpo de Bombeiros. Normalmente, para grandes eventos que reúnem milhares de pessoas, cobra-se do responsável a ARP (Anotação de Responsabilidade Técnica), que contém várias exigências. Vale a pena listar algumas delas:
 
- a vistoria completa do caminhão (a segurança dos veículos, a correta calibragem do sistema de aceleração e frenagem, etc.);
- a competência do motorista (exposto a constante ruído e cercado por milhares de pessoas em estado de euforia);
- a checagem dos geradores (equipamentos que asseguram o suprimento de energia elétrica dos blocos maiores);
- a vistoria dos tanques extras com óleo diesel que alimentam o gerador (há protocolos específicos para o transporte de cargas de combustível);
- a checagem de toda a parte elétrica do caminhão (para evitar incidentes como o ocorrido no domingo de carnaval no Pará, quando um cantor morreu eletrocutado no trio elétrico em que se apresentava, aparentemente por algum problema na fiação do veículo). 
                           
Essas medidas de segurança, via de regra, são solenemente ignoradas nos casos dos blocos de carnaval do Rio. O fato de a Prefeitura considerá-los “manifestações populares e culturais” é o que basta para que se dê a “autorização prévia” do Poder Municipal, permitindo que os blocos ocupem logradouros públicos arrastando milhares de foliões.Não supreeende, portanto, que, segundo o Corpo de Bombeiros, até o início do carnaval, do total de 456 blocos, apenas 3 haviam obtido licença da corporação para desfilar e 29 tenhamapresentado a documentação necessária para garantir a licença.


A posição da Prefeitura do Rio é endossada pela presidente da Sebastiana – Associação Independente de Blocos – Rita Fernandes, que, em entrevista recente, criticou a legislação vigente, por considerá-la antiquada e imprópria para blocos carnavalescos . “A verdade é que é uma legislação que não se adequa. Nós não acreditamos que tenha que haver uma legislação para carnaval de rua. O que tem que ter é um apoio maior dos órgãos do poder público na infra-estrutura e segurança, inclusive do Corpo de Bombeiros, sem a necessidade de tantas exigências, porque os blocos são uma manifestação cultural, que valoriza a cidade no Brasil e fora dele”, diz ela.
 
Pode até ser justa a crítica de que as normas de segurança do Corpo de Bombeiros não se aplicam a blocos de carnaval. Mas de acordo com os especialistas em gerenciamento de risco ouvidos por nós, as autorizações prévias emitidas pela Prefeitura estão longe de garantir a segurança necessária de todos os que se divertem no carnaval ou sofrem seus efeitos diretos. Os riscos existem, são mensuráveis e deveriam ser alvo de maiores cuidados e atenção.   


O carnaval de 2015 já está acabando e não há mais tempo para tomar medidas nessa direção. Mas podemos olhar para frente e tentar fugir do que parece ser também uma tradição bem brasileira: esperar uma catástrofe anunciada acontecer, com vítimas fatais - a exemplo do que se passou na boate Kiss, no Rio Grande do Sul - para aí, sim, ver os órgãos públicos competentes fazer o papel que lhes cabe, tomando medidas preventivas que garantam a toda a população o direito a um lazer em segurança.