Filtrado por André Trigueiro Remover filtro
  • Por um carnaval com menos riscos

    Em boa parte das cidades brasileiras, o carnaval de rua é uma instituição que merece espaço e respeito. Mas o que se vê hoje no carnaval de rua é um aparente desprezo pelo gerenciamento de riscos, um assunto considerado chato por quem só pensa no lado divertido da festa, mas se esquece de que acidentes acontecem, e suas conseqüências tendem a ser mais trágicas onde o planejamento nessa direção inexiste ou foi relegado a segundo plano. 

    O problema afeta muitos municípios. Mas, pela dimensão que passou a ter nos últimos anos – e por sua posição de principal destino turístico do país, recebendo quase 1 milhão de visitantes de outros estados e países neste período – o caso do Rio de Janeiro merece uma atenção especial.

    Não se trata apenas do elevado número de blocos da programação oficial (456), o que já configura um gigantesco desafio logístico para não colapsar a mobilidade urbana (problema ainda não resolvido e que parece se agravar a cada ano), mas da falta de estrutura que permeia essas grandes aglomerações.

    Durante o carnaval do Rio, quem precisa de socorro médico imediato, ou aciona os serviços de emergência dos bombeiros ou da polícia, fica na mão. É preocupante constatar que não há “rotas de fuga” claramente definidas. Não há “Plano B”. Resta abrir caminho no mar de gente. Dependendo da localização e do horário, é missão quase impossível.  Vale conferir as opiniões isentas de motoristas de ambulâncias, carros do Corpo de Bombeiros ou da polícia. Sem planejamento prévio, cabe a eles definir o que fazer e de que jeito. Quanto maior a multidão, mais difícil se torna a travessia. Sobra até para os foliões, que se ressentem também da falta de transporte na volta para casa.
                                
    Tão ou mais preocupante do que a perda da mobilidade nessas proporções é a forma como se dá o licenciamento dos blocos. A maneira como esses 456 blocos foram autorizados a circular pela cidade gerou forte descontentamento no Corpo de Bombeiros. Normalmente, para grandes eventos que reúnem milhares de pessoas, cobra-se do responsável a ARP (Anotação de Responsabilidade Técnica), que contém várias exigências. Vale a pena listar algumas delas:
     
    - a vistoria completa do caminhão (a segurança dos veículos, a correta calibragem do sistema de aceleração e frenagem, etc.);
    - a competência do motorista (exposto a constante ruído e cercado por milhares de pessoas em estado de euforia);
    - a checagem dos geradores (equipamentos que asseguram o suprimento de energia elétrica dos blocos maiores);
    - a vistoria dos tanques extras com óleo diesel que alimentam o gerador (há protocolos específicos para o transporte de cargas de combustível);
    - a checagem de toda a parte elétrica do caminhão (para evitar incidentes como o ocorrido no domingo de carnaval no Pará, quando um cantor morreu eletrocutado no trio elétrico em que se apresentava, aparentemente por algum problema na fiação do veículo). 
                               
    Essas medidas de segurança, via de regra, são solenemente ignoradas nos casos dos blocos de carnaval do Rio. O fato de a Prefeitura considerá-los “manifestações populares e culturais” é o que basta para que se dê a “autorização prévia” do Poder Municipal, permitindo que os blocos ocupem logradouros públicos arrastando milhares de foliões.Não supreeende, portanto, que, segundo o Corpo de Bombeiros, até o início do carnaval, do total de 456 blocos, apenas 3 haviam obtido licença da corporação para desfilar e 29 tenhamapresentado a documentação necessária para garantir a licença.


    A posição da Prefeitura do Rio é endossada pela presidente da Sebastiana – Associação Independente de Blocos – Rita Fernandes, que, em entrevista recente, criticou a legislação vigente, por considerá-la antiquada e imprópria para blocos carnavalescos . “A verdade é que é uma legislação que não se adequa. Nós não acreditamos que tenha que haver uma legislação para carnaval de rua. O que tem que ter é um apoio maior dos órgãos do poder público na infra-estrutura e segurança, inclusive do Corpo de Bombeiros, sem a necessidade de tantas exigências, porque os blocos são uma manifestação cultural, que valoriza a cidade no Brasil e fora dele”, diz ela.
     
    Pode até ser justa a crítica de que as normas de segurança do Corpo de Bombeiros não se aplicam a blocos de carnaval. Mas de acordo com os especialistas em gerenciamento de risco ouvidos por nós, as autorizações prévias emitidas pela Prefeitura estão longe de garantir a segurança necessária de todos os que se divertem no carnaval ou sofrem seus efeitos diretos. Os riscos existem, são mensuráveis e deveriam ser alvo de maiores cuidados e atenção.   


    O carnaval de 2015 já está acabando e não há mais tempo para tomar medidas nessa direção. Mas podemos olhar para frente e tentar fugir do que parece ser também uma tradição bem brasileira: esperar uma catástrofe anunciada acontecer, com vítimas fatais - a exemplo do que se passou na boate Kiss, no Rio Grande do Sul - para aí, sim, ver os órgãos públicos competentes fazer o papel que lhes cabe, tomando medidas preventivas que garantam a toda a população o direito a um lazer em segurança.

  • O que Dilma não disse, mas poderia falar sobre a crise hídrica

    "Minhas amigas e meus amigos,

    Como se sabe, o Brasil vem enfrentando uma das piores estiagens de sua história, especialmente na região Sudeste, a mais rica e populosa do país.

    Acompanhamos de perto a evolução dos acontecimentos nos estados e municípios castigados pela seca, sempre respeitando a autonomia federativa que confere a governadores e prefeitos, dependendo da localidade, a gestão dos recursos hídricos.

    De nossa parte, monitoramos a situação dos rios federais que atravessam mais de um estado, como é o caso do Paraíba do Sul, que corta os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

    Apesar de o país dispor de uma Lei Nacional de Recursos Hídricos, da Agência Nacional de Águas, dos Comitês de Bacias Hidrográficas e de outros instrumentos de gestão e governança, este governo entende que é preciso fazer mais. Nesse sentido, a atual crise hídrica representa uma excelente oportunidade para avançarmos ainda mais na direção de um modelo mais inteligente e eficiente de gerenciamento de recursos hídricos.

    Decidimos, portanto, tomar as seguintes providências:

    - Estou instituindo um Conselho de Notáveis com os mais prestigiados hidrologistas, cientistas e representantes das mais importantes instituições de pesquisa e universidades brasileiras (com pessoas de todos os estados) para que possam instruir o governo sobre como tornar o Brasil não apenas o país com o maior volume de água doce superficial de rio do mundo, mas também o mais eficiente no uso dessa água. Nosso compromisso é o de ampliar este debate com consultas públicas e trabalhar pela implementação das medidas sugeridas ainda este ano.

    - Instruí o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo, a convocar representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Agência Nacional de Águas (ANA) para que reapresentem as críticas formuladas por essas instituições contra o novo Código Florestal, no que se refere aos riscos que ele representaria às bacias hidrográficas. Em se confirmando que as alterações aprovadas pelo Congresso no texto original dessa lei carecem de estudos devidamente embasados sobre o seu impacto na resiliência dessas bacias, meu compromisso é o de mobilizar todos os esforços possíveis no sentido de reabrir o debate e, se for o caso, defender uma nova mudança na legislação.

    - Ordenei ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que apresente no prazo de uma semana propostas de novos estímulos fiscais a produtos e serviços que promovam a drástica redução do consumo de água e energia nos mais diversos setores da economia. É preciso elevar os parâmetros já existentes e apoiar quem já investe em inovação.

    - Determinei à ministra da Agricultura Kátia Abreu que realize um amplo levantamento das técnicas mais eficientes no uso de água pelo setor agrícola. Aproximadamente 70% das águas doces em nosso país são usadas nas lavouras, nem sempre com o devido cuidado ou orientação. O Brasil não pode continuar promovendo o uso perdulário de água nas irrigações com a utilização de pivô central, aspersores ou culturas de inundação, para citar apenas alguns exemplos de técnicas que já estão sendo abandonadas em muitos países. Há muito o que se avançar neste setor e pretendo ainda neste governo condicionar a concessão de crédito agrícola à eficiência no consumo de água no campo.

    - Encomendei ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, um estudo identificando quais os empreendimentos que mais consomem energia elétrica hoje no país. Nossa intenção é condicionar a liberação de recursos públicos, via Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou outros órgãos de fomento públicos, à apresentação de planos que confirmem a disposição desses setores em serem exemplos de eficiência e inovação.

    - Declaro que este governo apoiará ostensivamente a ampla disseminação da água de reúso em todo o território nacional. Instruí o diretor-presidente da ANA, Vicente Andreu, a realizar os esforços necessários para a tão esperada regulamentação técnica da água de reúso, definindo seus parâmetros e características para que não haja mais nenhuma hesitação do mercado em investir nessa direção. Queremos apoiar todas as atividades que utilizem água de reúso em suas rotinas.

    - É nosso desejo que todas as companhias públicas ou privadas de água e esgoto no país sejam mais eficientes. Não é possível que registremos em média 37% de perdas de água potável nas redes, desperdiçando preciosos recursos públicos. Para estimular a maior eficiência do setor, pretendemos condicionar a liberação de recursos federais à redução dessas perdas no sistema. Acertaremos caso a caso quais são as metas possíveis e aplicaremos as novas regras de financiamento.

    - Este governo deverá encaminhar ao Congresso, logo após a votação para a Presidência da Câmara e do Senado, um projeto de lei determinando a criação de linhas especiais de crédito para todas as construções que sejam comprovadamente eficientes no consumo de água e energia elétrica, e que possuam certificações reconhecidas internacionalmente.

    Encerro meu pronunciamento reconhecendo que esta terrível estiagem nos estimula a sermos ainda mais propositivos na Conferência do Clima, que terá lugar em dezembro em Paris. Infelizmente, ao que tudo indica, eventos extremos como esse poderão ser tornar cada vez mais frequentes em função das mudanças climáticas. Mas é meu dever, enquanto Chefe de Estado da maior potência "mega biodiversa" do planeta, preparar o país para qualquer um dos cenários previstos pelos cientistas. Sinto-me pronta para esta missão.

    Convoco todos os brasileiros a unirem forças em favor das nossas águas – o bem mais precioso e indispensável à vida, sem o qual nenhuma atividade humana é possível – que a natureza generosamente nos proporcionou e que mantêm o Brasil em condição ainda invejável perante o mundo neste século XXI.

    Boa noite."

    OBS: A Presidente Dilma não escreveu esse discurso. Mas neste momento em que a crise hídrica impacta uma população estimada de 46 milhões de brasileiros, qualquer manifestação propositiva da maior autoridade da República seria muito bem-vinda.  

  • E o "verde", como fica?

    Izabella TeixeiraNesta entrevista exclusiva, Izabella Teixeira revela em que momento foi chamada para permanecer no Ministério do Meio Ambiente, quais as prioridades acertadas com a presidente Dilma para os próximos quatro anos, suas expectativas em relação aos novos colegas de primeiro escalão – especialmente Kátia Abreu e Aldo Rebelo – e como vem recebendo as críticas dirigidas a ela pelo movimento ambientalista.

    Izabella Teixeira me disse que já havia se programado para dar aulas em 2015 na Universidade de Stanford (EUA) como professora visitante. Mas o projeto teve que ser adiado, segundo ela, por uma "convocação" da presidenta Dilma. No último dia 18 de dezembro, logo após a cerimônia de diplomação, Dilma avisou à Izabella que contava com ela à frente do Ministério do Meio Ambiente por mais quatro anos. Pedido feito, malas desfeitas.  

    Sobre os rumores dando conta de que o senador Jorge Vianna (PT-AC) seria o nome preferido de Dilma até que o irmão dele, o governador reeleito do Acre, Tião Vianna, apareceu na lista de políticos denunciados na Operação Lava-Jato, Izabella foi taxativa. "Em nenhum momento isso foi falado comigo. Ela me convidou para darmos sequência àquilo que iniciamos no primeiro mandato, com algumas novas atribuições, como o enfrentamento da crise hídrica e a aprovação do novo marco de acesso a recursos genéticos".

     Um dos raros quadros técnicos do primeiro escalão do governo, Izabella não representa nenhum partido político e aparece no seleto grupo de mulheres (apenas seis) que figuram na foto oficial do ministério de Dilma neste segundo mandato, dividindo espaço com 33 homens.

    E é justamente neste núcleo feminino da Esplanada que a presidenta reuniu duas protagonistas de uma antiga batalha política que vem sendo travada há anos. 

    Agora, Izabella Teixeira e Kátia Abreu pertencem ao mesmo time. A nova ministra da Agricultura – principal liderança do agronegócio no Brasil – foi uma das principais defensoras do novo Código Florestal (cujo texto final desagradou amplos segmentos do ambientalismo brasileiro). Kátia Abreu também vem apoiando a mudança constitucional que prevê a transferência do Poder Executivo para o Congresso Nacional (onde a bancada ruralista é forte) da responsabilidade por novas demarcações de terras indígenas e Unidades de Conservação. Esses não são os únicos pontos divergentes entre ela e Izabella Teixeira. Guerra à vista? Não necessariamente.    

     "Eu já conversei com a ministra Kátia Abreu. Estarei na cerimônia de posse dela. Nós nos falamos na cerimônia de posse da presidenta Dilma e combinamos de nos reunir para acertarmos uma agenda de trabalho comum. Kátia Abreu também considera prioridade a implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e me disse que deseja modernizar a legislação que rege a recuperação florestal."

    Outro colega de primeiro escalão com quem Izabella Teixeira conversou no dia da posse, foi Aldo Rebelo, da Ciência, Tecnologia e Inovação. Relator do Código Florestal – a quem dedicou aos "agricultores brasileiros" – Aldo foi criticado por ambientalistas e cientistas de apresentar um texto desprovido de embasamento científico e sem o aval de importantes instituições referenciais para o setor, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Agência Nacional de Águas (ANA).

    A impopularidade de Aldo Rebelo junto aos ambientalistas alcançou um ponto crítico em 2011 com a publicação de um texto, assinado por ele, intitulado “A trapaça ambiental”. Nele, afirmou que "o chamado movimento ambientalista internacional nada mais é, em sua essência geopolítica, que uma cabeça de ponte do imperialismo.” Ao comentar o agravamento do efeito estufa, foi taxativo: "Não há comprovação científica das projeções do aquecimento global, e muito menos de que ele estaria ocorrendo por ação do homem e não por causa de fenômenos da natureza", opinião que contraria frontalmente a posição histórica do Brasil nas negociações do clima.

    O ministro do PC do B acaba de assumir um ministério que vem subsidiando o governo brasileiro com informações estratégicas nas negociações climáticas patrocinadas pela ONU e que buscam a redução imediata das emissões de gases estufa. Negociações em que Izabella é liderança ativa. E agora? Para que lado vamos?

     "Aldo Rebelo manifestou interesse em conversar comigo sobre a agenda do clima e os assuntos da biodiversidade. É bom lembrar que foi a própria presidenta Dilma quem destacou o protagonismo do Brasil nas negociações climáticas e que esse é um tema prioritário deste mandato. É uma ação articulada de governo onde estamos todos envolvidos", ressaltou a ministra do Meio Ambiente.     

     Ao ser convidada por Dilma para permanecer no cargo, Izabella ouviu da presidenta a lista de prioridades na área ambiental. A posição brasileira na COP 21 – a Conferência do Clima que acontecerá em dezembro deste ano em Paris – é uma delas. A expectativa é a de que o encontro estabeleça novas metas e prazos para que todos os países – exceto aqueles mais pobres – reduzam suas emissões de gases estufa. O Brasil promoverá consultas públicas antes de fechar uma proposta.

     Outra prioridade é a implementação do Código Florestal, especialmente a conclusão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que hoje, segundo o governo, alcança 130 milhões de hectares dos 329 milhões de hectares possíveis. Para que os proprietários de terra sejam cobrados em relação ao cumprimento das regras de proteção ambiental, é preciso conhecer a real situação de cada propriedade. Quem também procurou Izabella (na mesma cerimônia de posse de Dilma) para unir forças na conclusão do CAR foi o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias.

     Aperfeiçoar o licenciamento ambiental é outra meta para os próximos quatro anos. O assunto incomoda aos ambientalistas, que temem a flexibilização dos atuais protocolos em favor dos interesses econômicos.

     Em relação a esse ponto, Izabella lembra que a maioria absoluta dos licenciamentos hoje é oferecida pelos Estados (no caso das obras do PAC, 82% dos licenciamentos são estaduais) e diz que o Ibama se modernizou e virou referência. Segundo ela, o órgão conta hoje com 400 funcionários concursados para cuidar dos licenciamentos federais em uma estrutura mais ágil e informatizada. "Precisamos avançar nessa agenda. Não é possível, por exemplo, encomendar um novo estudo de impacto ambiental a cada dragagem de porto. Pode-se licenciar em blocos, como já se faz nas unidades de exploração de petróleo, sem nenhum prejuízo ambiental". 

    Outra questão importante, segundo ela, é “acabar com o desmatamento ilegal em todos os biomas, e não apenas na Amazônia". Izabella garante que não faltarão recursos para isso, mesmo sabendo que 2015 será um ano de severas restrições orçamentárias para todo o governo. “Não sei de quanto será o corte, mas nunca faltou dinheiro para fiscalização e combate ao desmatamento. Quando assumi o Ministério, o orçamento era de 560 milhões de reais por ano . Hoje é de aproximadamente 1,1 bilhão”.

    Izabella lembra que conhece o atual dono do cofre – leia-se, Joaquim Levy, novo todo-poderoso do Ministério da Fazenda – desde que os dois participaram do governo Sérgio Cabral (ele na Secretaria de Fazenda, ela na Secretaria do Ambiente). Vem de lá uma afinidade em relação aos assuntos ambientais, muito por conta da militância da mulher de Levy, Denise, a ambientalista da família, que trabalha no BID e mora em Washington. 

    Sem ser política profissional – portanto, desamparada dos "apadrinhamentos" que aceleram processos e abrem caminhos nas redes de interesses que orbitam o Poder Central – Izabella Teixeira desenvolveu seus próprios métodos para tentar fugir do ostracismo em pleno exercício do cargo. "O importante é o diálogo, não se isolar e definir pautas comuns entre os ministérios", diz ela, reconhecendo que é preciso comunicar melhor o dia-a-dia do seu ministério junto à sociedade.       

    Para Izabella, as fortes críticas dirigidas ao primeiro mandato da presidenta Dilma na área ambiental – principalmente as que partem das próprias organizações ambientalistas – não levariam em consideração um numeroso pacote de realizações que ela enumera, sem disfarçar uma certa indignação. Um dos assuntos mais controversos, por exemplo, é a taxa de desmatamento da Amazônia.  "Registramos as quatro menores taxas de desmatamento da Amazônia. Realizamos mudanças importantes nos mecanismos de fiscalização e controle em parcerias com o Ministério da Ciência e Tecnologia e o INPE”.

     Sobre as críticas de que Dilma foi a chefe de Estado que menos criou Unidades de Conservação (UCs) desde os governos militares, Izabella defende as novas diretrizes adotadas pelo governo. “Criar Unidades de Conservação em áreas onde existam conflitos fundiários não adianta. É preciso regularizar a situação primeiro. A propósito, nos últimos quatro anos, nenhum governador da Amazônia criou novas UCs. E ninguém menciona isso. Implementamos planos de manejo em 60 dessas unidades, mais do que foi feito nos oito anos de governo Lula”.

    A maioria das medidas citadas na entrevista – não reproduziremos todas neste espaço – não teve visibilidade nem repercussão. O que não quer dizer que não sejam importantes. Na lista de Izabella não aparece, talvez por modéstia, a contribuição efetiva da delegação brasileira (chefiada por ela) para que o mundo alcançasse depois de 18 anos de negociações o Protocolo de Nagoya – o mais importante acordo ambiental internacional desde o Protocolo de Kioto – que versa sobre as regras de uso e proteção da biodiversidade. Também não mencionou a conquista do Prêmio Campeões da Terra, que lhe foi oferecido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), na categoria “liderança política”, pelos “esforços bem sucedidos em reverter o desmatamento da Amazônia”.

    Leal a Dilma, Izabella sabe que o governo não entende a sustentabilidade como “eixo matricial das políticas públicas”, conforme tem defendido há décadas o colega e amigo jornalista Washington Novaes. Sabe também que boa parte de seus colegas de primeiro escalão – a maioria absoluta, vá lá – ainda vive, pensa e age como se não experimentássemos uma crise ambiental sem precedentes na história da Humanidade. E aí, o que fazer?

     A ex-ministra Marina Silva pediu demissão alegando que perderia o pescoço, mas não o juízo.

    O ex-ministro Carlos Minc bateu boca em público com mais de um ministro que lhe deixou “verde” de raiva pelo atropelamento das mais básicas cartilhas ambientais.

    Izabella vai ficando. Que incomode bastante.

    *Foto: Martim Garcia/Divulgação/MMA

  • Brasil tem 16,4 milhões de voluntários. É pouco

    A mais recente pesquisa sobre voluntariado no Brasil revelou que apenas 3 em cada 10 brasileiros já realizaram alguma ação voluntária na vida. Entre os que jamais doaram parte do tempo ou energia em benefício de alguma obra ou projeto, o principal motivo alegado para isso é “falta de tempo” (40%), “nunca foram convidados” (29%), “nunca pensaram nessa possibilidade” (18%) e “não sabem onde obter informações a respeito” (12%).

    A pesquisa também mapeou o (des)interesse dos mais jovens pelo assunto. Oito em cada 10 jovens brasileiros (16 a 24 anos) jamais se envolveram com voluntariado. O que estaria por trás desse número? Falta de apoio dos pais, das escolas e universidades? Por que a cultura da solidariedade (e a mão de obra voluntária é a expressão mais contundente dessa capacidade de sermos solidários uns com os outros) encontra-se tão distante das novas gerações de brasileiros?

    Apenas para registro: é curioso observar que o “tempo” que falta para ser voluntário parece estar sobrando para longas imersões nas redes sociais com trocas frenéticas de textos e imagens, em sua maioria, absolutamente desimportantes, efêmeros, descartáveis. O fascínio crescente da juventude (e de muitos adultos também) por essas novas ferramentas tecnológicas que promovem espetáculos virtualizados de comunicação nos impede de estabelecer contato real com outras realidades que teriam muito a nos ensinar. E isso fica claro a partir do depoimento de quem exerce alguma atividade voluntária (sem necessariamente abrir mão das redes sociais, bem dito).

    Apenas 11% dos brasileiros realizam hoje alguma atividade voluntária. São 16,4 milhões de pessoas que se doam – sem remuneração – em prol de alguma obra ou projeto. Qual é a recompensa? “Sensação de bem estar” foi a primeira razão apontada pelos entrevistados. “Sentir-se útil” foi a segunda e “gratificação pessoal”, a terceira.

    Em outro momento da pesquisa evidencia-se o altruísmo dessas pessoas, e o desejo sincero delas em transformar o mundo num lugar melhor e mais justo. Quando indagadas a explicar por que são voluntárias, as principais respostas foram: “vontade de ser solidário” (55%) e “influência de pessoas e instituições” (18%).

    Encomendada pela Fundação Itaú Social ao Instituto Datafolha, a pesquisa ouviu 2.024 pessoas em 135 municípios e foi divulgada na última sexta-feira (5), Dia Internacional do Voluntariado. A própria Fundação reconhece os benefícios indiretos do fomento ao voluntariado no ambiente de negócios, ao apontar as ações sociais como uma “forma de aprimorar competências como o trabalho cooperativo e a liderança”.

    Invariavelmente, os voluntários enfrentam realidades adversas e lidam com poucos recursos para atender a muitas necessidades. Essas são as condições ideais para o desenvolvimento de habilidades específicas cada vez mais valorizadas pelas organizações.  

    É sabido também que muitos empresários já incorporaram às rotinas de recrutamento e seleção de novos estagiários ou funcionários uma investigação nos conteúdos das redes sociais dos candidatos que revele aspectos da vida pessoal que não aparecem nos currículos. Uma informação que costuma contar pontos é se o pretendente à vaga disponível já se engajou em alguma atividade voluntária.

    Não é possível imaginar um país justo, que consiga alcançar a condição de desenvolvido no sentido mais amplo do termo, sem a cultura do voluntariado. Nenhum governo em qualquer lugar do mundo consegue resolver sozinho todos os problemas. Por maior que seja a soma dos impostos, a sofisticação da máquina pública ou a eficiência dos servidores, a complexidade dos problemas exige mobilização da sociedade e a organização de frentes de trabalho voluntário.

    Por exemplo: dá para imaginar o que seria de boa parte dos alcoólatras espalhados pelo Brasil na escala dos milhões sem a preciosa ajuda do AA (alcoólicos anônimos)?    

    Em um país como o Brasil, onde o suicídio é considerado caso de saúde pública, qual seria a situação hoje se os voluntários do CVV (que realiza um serviço gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio) não atendessem voluntariamente a aproximadamente 1 milhão de ligações por ano (uma ligação a cada 40 segundos)?

    São tantas as causas urgentes do Brasil que fica difícil enumerar todas as instituições (religiosas, educacionais, ambientalistas, esportivas, de saúde, de inclusão social, de combate ao preconceito etc.) que fazem a diferença graças ao precioso auxílio dos voluntários.

    O principal beneficiado, como a própria pesquisa confirma (e os voluntários já sabem), são aqueles que se doam.

    E aí, se animou?

    Vamos fazer a nossa parte?

    Acesse https://www.voluntarios.com.br/ e https://portaldovoluntario.v2v.net/.

    Ouça o comentário sobre esse assunto na rádio CBN.

  • A defasagem ecológica das universidades

    No post anterior, denunciei o analfabetismo ambiental presente na formação da maioria dos jovens nas escolas e universidades do Brasil, e o evidente despreparo das novas gerações para enfrentar os gigantescos desafios diante da maior crise ambiental da História da Humanidade. Compartilhei preocupações pontuais e sugestões para que que fosse possível erradicar esse analfabetismo ambiental nas escolas.

    Hoje falaremos da situação nas universidades.

    É flagrante o desconhecimento de novos engenheiros, economistas, advogados, jornalistas, agrônomos, professores e outros profissionais recém-chegados ao mercado sobre o senso de urgência que todos deveríamos ter para corrigir o rumo, reinventar protocolos em favor de um modelo de civilização mais consciente e responsável. Além de eventuais ajustes nos conteúdos pedagógicos dos respectivos cursos, é preciso estimular a mudança de hábitos, comportamentos, estilos de vida e padrões de consumo – não seria exagero dizer "mudar quase tudo" – para que evitemos, no mínimo, os piores cenários que já se vislumbram pela frente.
     
    Se causamos (ou agravamos) o aquecimento global, a escassez de água doce e limpa, a desertificação do solo, a destruição da biodiversidade, o consumismo desvairado, a produção monumental de lixo, dentre outras tragédias em curso – conforme inúmeras evidências acachapantes para nossa espécie, a única dotada de razão – não é possível admitir que se faça mais do mesmo. Uma das áreas estratégicas para operar essa mudança em escala global é justamente as universidades.
     
    Manter as atuais grades curriculares (em boa parte dos casos remanescentes do século passado com quase ou nenhum ajuste nos conteúdos disponibilizados) significa perpetuar o atraso.
     
    Vejamos o que acontece, por exemplo, no ensino de economia, talvez a área do conhecimento mais refratária à esses ajustes, apesar do belo trabalho realizado pelos professores José Eli da Veiga e Ricardo Abramovay (Universidade de São Paulo), Ladislau Dowbor (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP), Sérgio Besserman Vianna (PUC-RJ), Carlos Eduardo Frickmann Young (Universidade Federal do Rio de Janeiro), entre outros poucos.
     
    Como é possível imaginar que na maioria das escolas de economia do Brasil, segundo tenho apurado com gente da área, os estudantes sejam privados do conhecimento de certos conceitos importantíssimos e referenciais para a compreensão do nosso tempo, como os relacionados abaixo?
     
     -  Desenvolvimento Sustentável: importantíssimo divisor de águas na História do pensamento econômico, que vem inspirando uma ampla revisão das chamadas "externalidades", em benefício das pessoas, do ambiente onde elas estão inseridas, e da resiliência do próprio negócio.
     
     -  Economia Verde: conceito que abrange de forma objetiva outras variáveis do "Desenvolvimento Sustentável" e vem norteando os debates internacionais da ONU sobre economia.
     
     - TEEB (do inglês "The Economics of Ecosystems and Biodiversity", metodologia desenvolvida com a ajuda da equipe do economista indiano Pavan Sukdev e adotada pelas Nações Unidas como modelo para estabelecer valores monetários aos chamados "serviços ambientais" prestados pelas florestas, manguezais, bacias hidrográficas etc.)
     
     - Economia de Baixo Carbono: conjunto de políticas e iniciativas que estimulam as fontes limpas e renováveis de energia em detrimento dos combustíveis fósseis. Empresta sentido ao questionamento dos subsídios que ainda irrigam generosamente a s indústrias do petróleo, do carvão e do gás.
     
    São alguns dentre tantos exemplos de inovação do pensamento econômico solenemente ignorado por boa parte das universidades brasileiras. Não é exclusividade das escolas de economia. Essa crítica construtiva alcança indistintamente todas as áreas do conhecimento, que se movem vagarosamente (quando se movem) na direção que importa, que é a da formação responsável de novos profissionais mais qualificados para compreender a dimensão da crise e enfrentá-la com propriedade.
     
    Somos cúmplices de um sistema falido que não enxerga – ou não quer enxergar – saídas, outras possibilidades, outras profissões e especializações. Se não abrimos espaço para o novo com a agilidade necessária – e o novo neste caso tem evidentemente um componente "subversivo", "ameaçador" para as velhas estruturas, inclusive dentro da Academia – como desconstruir o atual modelo em favor de outro, mais justo e sustentável?
     
    Se a ciência nos revela concretamente o risco crescente de um colapso em escala global, importa reconhecer em sala de aula os eixos de sustentação da vida e ajustar a nossa cultura á resiliência do planeta. Isso só será possível onde sejam lançadas as sementes de uma nova civilização. A universidade é uma sementeira por excelência. Reduzir a função do ensino superior à mero provedor de mão de obra para as demandas do mercado, tal qual uma olaria que despeja tijolos sob medida de acordo com as urgências imediatistas da construção, é mediocrizar o ensino superior.
     
    A universidade deve ser também o espaço da livre formulação de ideias, do pensamento crítico, do questionamento dos modelos e das convenções. Assim nascem os gênios, aliás, quanto maior a capacidade de surpreender e inovar, maior a genialidade.
     
    Para acelerar o passo na direção de uma nova universidade mais sensível aos limites do planeta e à formação de novos profissionais, é preciso redesenhar as rotinas acadêmicas. Sem afrontar a autonomia de cada Departamento, a UNB e a PUC-RJ inovaram.
     
    A Universidade de Brasília criou em 1995 o Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), um "espaço acadêmico cuja missão é promover a ética da sustentabilidade, por meio do diálogo entre saberes, da construção do conhecimento e da formação de competências".
     
    A PUC do RJ lançou em 1999 o Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima), que elegeu como missão tornar a instituição "referência nacional e internacional em meio ambiente, contribuindo através da ciência e da educação para o desenvolvimento sustentável, visando estabelecer a interação entre a universidade e o meio, e entre sociedade e natureza".
     
    Conheço as duas experiências. Sou professor da PUC-RJ há 10 anos onde acompanho sempre que possível as atividades do Nima, e já estive mais de uma vez participando de eventos do CDS da Universidade de Brasília. São iniciativas muito interessantes que merecem visibilidade.
     
    Uma ligeira visita aos sites desses núcleos universitários revela a contundência com que ambos os projetos promovem outra visão de mundo, outras ferramentas metodológicas para a compreensão da realidade que nos cerca e, assim, posicionar a universidade no nível onde ela precisa estar, especialmente em tempos de crise: a de farol que ilumina a civilização na busca de respostas efetivas para problemas complexos.

    A universidade não tem o poder de salvar o mundo. Mas sem ela, tudo fica mais difícil.

  • Uma nova educação para um novo planeta

    Participantes do projeto 'Dedo Verde' discutiram sobre natureza em uma aula de campo
    De que serve a educação quando ela nos prepara para um mundo que não existe mais?

    Que parte dos conteúdos pedagógicos oferecidos hoje nas escolas e universidades brasileiras consegue responder ao imenso desafio de formar cidadãos preparados para enfrentar a maior crise ambiental da história da humanidade?
     
    Não é exagero.
     
    A triste realidade é que o analfabetismo ambiental continua produzindo gigantescos estragos na formação de nossos jovens que, não raro, já adultos, vão buscar no mercado cursos complementares que tentam suprir essas lacunas nos currículos. Quem faz esses cursos por aí (alguns deles reconhecidamente sérios como os da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e do Rio, e da Fundação Dom Cabral) costuma reagir com perplexidade ao descobrir como certas informações consideradas básicas jamais haviam sido compartilhadas em sala de aula. E isso tem um custo pessoal e profissional enorme.
     
    Todas as profissões, sem exceção, demandam ajustes nas respectivas formações para que saibamos lidar com as "novidades" que surgem nos respectivos mercados. Isso já é sabido e faz parte de um mundo em constante processo de mudança. Mas, em se tratando das questões ambientais, as "novidades" – principalmente aqueles que demandam uma ampla revisão de conceitos, métodos e práticas configurando, na verdade, uma nova cultura – vêm acompanhadas de uma forte reação. Não se trata apenas de mudanças pontuais ou ajustes tecnológicos em um determinado ponto da cadeia. Estamos falando de mudanças estruturais que configuram um novo olhar sobre a realidade que nos cerca.
     
    Em resumo: é situar as limitações do planeta no seu radar. É reconhecer que o atual modelo de desenvolvimento (baseado no hiperconsumo e na carbonização acelerada da atmosfera) nos precipita na direção do abismo. É fazer tudo (ou quase tudo) diferente do que vinha fazendo. É qualificar o emprego do tempo e da energia em favor da mais ampla e urgente reengenharia de processos (múltiplos e variados) que o mundo jamais viu.  
     
    É uma tarefa hercúlea, porque, em alguma medida, depende do engajamento de todos, mas é inevitável fazê-lo.

    Na verdade, muito timidamente, já está sendo feita. Novas profissões – algumas delas nem nome certo têm ainda – surgem a reboque dessa demanda do mercado para reinventar rotinas onde o "business as usual" é visto como ameaça real e mensurável à sobrevivência do negócio. Inovação é a regra. Sustentabilidade é o objetivo.
     
    Com o encerramento do ano letivo, está chegando a hora de programar o que será mantido ou alterado nas grades curriculares das instituições de ensino em 2016, na margem de manobra possível levando em conta os limites impostos pelo Ministério da Educação. Abre-se no calendário escolar uma preciosa janela de oportunidade para aproximar o mundo real das salas de aula. 

    Hoje falarei das escolas.
     
    A educação para o consumo consciente é o conteúdo mais urgente – e invisível – nas instituições de ensino públicas e privadas do Brasil. Mesmo quando a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial e outros organismos multilaterais denunciam o consumismo (o hiperconsumo que normatiza o excesso, o desperdício e até a ostentação) como um dos grandes vilões ambientais da atualidade – pela retirada sistemática de recursos naturais não renováveis fundamentais à vida, agravamento do efeito estufa, geração monumental de lixo etc –, há meninos e meninas que passam pela escola sem associar o consumo perdulário à degradação do planeta onde vive. Serão adultos possivelmente infelizes, por acharem que só é possível alcançar a realização pessoal acumulando bens e posses, e certamente engrossarão as fileiras dos inadimplentes ("negativados") se não aprenderem a tempo a evitar as tentações do "crédito fácil" para realizar sonhos de consumo descartáveis e perecíveis.
     
    Em meio à avalanche de apelos publicitários dirigidos ao público infantil, com menos restrições do que se verifica na maioria dos países do Hemisfério Norte, os brasileirinhos poderiam se proteger melhor desse bombardeio onde o debate sobre "consumo consciente" for estimulado, inclusive com a participação dos pais ou responsáveis.
          
    Recomendamos como fonte para esse ponto específico da reforma na grade curricular a Rede de Aprendizagem e Mobilização de Professores e Alunos para o Consumo Consciente do Instituto Akatu (Edukatu) e o Instituto Alana.
     
    O exercício da "pegada ecológica" traz esse assunto para o cotidiano de nossas vidas, medindo os impactos causados pelos hábitos de consumo de cada aluno sobre a capacidade de suporte do planeta. Em resumo: ao responder a um questionário, o software, gratuito e disponível na internet – recomendamos o da organização Global Footprint Network, com perguntas traduzidas para o português – informa automaticamente qual seria o estado do planeta hoje se todos no mundo fossem iguais a você, e o que seria possível fazer para mudar essa situação. Vale a pena dedicar algum tempo para responder a perguntas simples, como "onde mora", "meio de transporte utilizado", “o que costuma comer", "quanto consome de energia elétrica?". O resultado enseja debates invariavelmente instigantes que nos predispõem a entender por que, nesta nave azul chamada "Terra", somos efetivamente "tripulantes" (ativos) e não “passageiros” (passivos). 
     
    Mais de um professor já me convidou para conhecer de perto a atividade desenvolvida em sua escola pública ou particular onde já se pratica a reciclagem dos resíduos. Fala-se sobre nossa responsabilidade em relação ao lixo (o que é positivo), mas ignora-se de onde ele vem e por quê. A reciclagem nunca será uma solução em si mesma, mas um paliativo, uma medida importante para reduzir o estoque de resíduos que não merecem ser chamados de "lixo" por terem ainda utilidade e serventia. Lição que precisa vir junto: quanto mais consumimos, mais lixo geramos. E isso tem um custo econômico, social e ambiental.
     
    O entendimento que de que a vida se resolve em ciclos interligados e interdependentes – poderíamos chamar a isso de "visão sistêmica" – poderia inspirar atividades ao ar livre onde o centro das atenções fosse uma horta comunitária. A "horta-escola" já foi instituída com sucesso em várias instituições onde as crianças mexem na terra, plantam sementes, cultivam as plantas, participam do preparo dos alimentos que vêm da horta e ainda reaproveitam o lixo orgânico no processo de adubação. Preciosos ensinamentos sobre os ciclos da natureza são eternizados em uma atividade lúdica e particularmente instrutiva nas cidades, onde boa parte das crianças nunca enxerga terra por perto e cultiva uma compreensível aversão por esse elemento básico da natureza, associando-o a algo "sujo". Analfabetismo ambiental dá nisso.
     
    Nesse contexto, é preciso escolher com muito cuidado o destino das visitas guiadas, aquelas excursões que permitem a realização de atividades extraclasse com alguma finalidade pedagógica. Esta é uma oportunidade única para tangibilizar a crise ambiental, aproximá-la sensorialmente dessa juventude, invariavelmente intoxicada pela virtualidade imposta em longas jornadas na internet. É uma aventura emocionante descobrir que essa crise tem cor, cheiro e impressiona a visão. Que tal uma visita a um aterro de lixo? Verificar "in loco" para onde vão os resíduos, como eles são processados, os odores de uma montanha de lixo com mais de 50 metros de altura. Como é importante reconhecer os impactos que esses resíduos causam à natureza e ao orçamento dos municípios!
     
    Por que não agendar uma visita a alguma estação de tratamento de água? Lá será possível comparar a água do manancial que entra na estação, invariavelmente poluída, com aquela que sai tratada (transparente, inodora, insípida e segura para o consumo humano). Conhecer os custos crescentes do tratamento, o arsenal de "armas químicas" utilizadas (cloro, algicida, sulfato de alumínio etc) para torná-la potável e a demanda cada vez maior por água limpa nas cidades onde o saneamento básico é, invariavelmente, sofrível.
     
    Os parâmetros curriculares do MEC estabelecem que a educação ambiental deve ser aplicada de forma transversal, alcançando todos os professores de todas as disciplinas. Isso só dá resultado onde há planejamento. O ponto de partida é o reconhecimento de como estamos defasados em conteúdos e métodos para alcançar esse objetivo da melhor maneira possível.
     
    Que tal fazer algo diferente em 2016?

    *Foto: Jovens participam de projeto dedicado ao meio ambiente em Boa Vista (Divulgação/Prefeitura)

Autores

  • André Trigueiro

    Pós-graduado em gestão ambiental pela COPPE/UFRJ e professor de jornalismo ambiental da PUC RJ. É jornalista da TV Globo e comentarista da Rádio CBN. Aqui, fala sobre os principais desafios e entraves do desenvolvimento sustentável e preservação.

Sobre a página

André Trigueiro fala sobre sustentabilidade e meio ambiente.