peladas cariocas
O título desse post permite duas acepcções imediatas, pelo menos para brasileiros.
Descarto uma e dou o devido crédito a quem me levou à segunda, também o anfitrião da noite dessa sexta, Vinicius Cantuária. Em relação à descartada, pelo fato de no delicioso e informal jantar de ontem nenhuma entre as cinco mulheres estar despida. E suponho que apenas uma delas seja nativa do Rio, Leilinha, casada desde sempre com o ipanemense Dadi Carvalho - este, um dos eternos meninos cariocas musos de “O leãozinho”, baixista, guitarrista, compositor, ex-Goofies/Novos Baianos/A Cor do Som/bandas de Marisa Monte (há duas décadas e também o quarto tribalista), Jorge Ben Jor (com quem, quatro décadas depois, nunca deixou de tocar, como fará na noite deste sábado em… minha Floripa), Caetano, Barão… Quanto às outras vestidas, eram as cantoras portuguesa Susana Travassos (que clicou o selfie duplo que uso como imagem de abertura) e americana Melody Gardot; e ainda a inglesa Claire, produtora de TV casada com o botafoguense mal iPhotografado abaixo, e minha paulistana Kati Pinto.
Após 20 anos tendo Nova York como base para sua carreira internacional, Cantuária faz uma parada estratégica no Rio com Claire e o lindo filhote de 1 anos e 4 meses, Antonio. Que ele chama de Tom, em lembrança de uma de suas paixões musicais. Por sinal, após eventual e esparsamente incluir canções de Jobim na sua grande discografia internacional (mais de uma dezena de títulos), o xará daquele que foi o letrista mais frequente do compositor de, entre tantos clássicos, “Ela é carioca” prepara para um selo japonês um disco só com canções de Tom. Voz, violão e percussão de 12 faixas estão prontas e, enquanto dá os ajustes finais e cumpre a agenda de shows fora do Brasil (onde ainda não foi redescoberto), escreve um livro com tintas memorialistas, “Peladas cariocas”. Peladeiro que é, Vinicius está revisitando os gramados (ou chão batido, areia de praia) por quais passou desde que trocou a Manaus natal pelo Rio, aos 9 anos, no início de 1960. Campos de pelada no Aterro do Flamengo, na Praia de Copacabana, o seleto clube de Armando Nogueira (outro botafoguense, assim como o já citado Dadi), os lendários Caxinguelê (nos fundos do Jardim Botânico), Politheama (de Chico Buarque) e até o Maracanã (naquelas partidas entre craques e artistas).
Mas, após longa digressão, voltemos ao cenário de ontem à noite. Chegando de um passeio de bicicleta com Dadi até o por do sol no Arpoador, após um pit stop no supermercado, Melody Gardot parece uma carioca. Vestido leve sobre o biquíni, pele no bronze perfeito depois de algumas semanas no litoral baiano e no Rio. Para uma americana de passagem, o seu português é mais do que razoável e em alguns momentos nos faz pensar que seja lusitano. Quando pergunto em que ano foi a primeira vez… “Eu sempre conheci o Brasil! Antes mesmo de visitar o país, há uns quatro anos, já ouvia e adorava a música brasileira”, diz a cantora, compositora e instrumentista, que completou seus 29 anos entre nós no simbólico dia de Iemanjá. O que talvez explique o fato de uma das canções de seu último disco solo, “The absence” (algo como “A ausência”, “A falta”) ter o nome “Iemanja”.
“The absence”, lançado mundialmente pela Universal em 2012, pode não ter repetido o impacto de “My one and only thrill” (de 2009), mas foi um simpático passeio por influências lusitanas e latino-americanas, após temporadas que passou entre Lisboa, Buenos Aires e o Rio. Como na atual – que se encerra neste domingo, quando a cantora embarcará de volta ao EUA -, Melody circula sem estrelismo, mergulhando na vida cotidiana, encontrando músicos, fazendo amigos. E na noite dessa sexta, ela não só foi a cozinheira como fez questão de lavar a louça de todos. Saladas de folhas, pera com parmesão, pimentas recheadas de queijo, acompanhando o rosbife de Cantuária – que apenas provei, e aprovei, já que voltei a abolir carne vermelha de meu consumo, influenciado pela mudança de hábito de K e Y.
Mesmo com o jornalista em mim, nada anotei ou gravei. Só agora, tentando ser um Truman Capote com algum delay (que, como aprendi no filme com Philip Seymour Hoffman, nunca fazia anotações, mas assim que chegava à máquina de escrever mais próxima registrava o que conversou e viveu), compartilho algo da delicious night.
Melody já tem canções para um novo disco em andamento, que será completado com os músicos com que trabalha em Los Angeles, mas ainda não sabe quando será lançado (“Isso é com a Universal, que cuida dos negócios, eu fico com a criação”), nem quem fará produção e arranjos. Em “My one and only thrill” (totalmente autoral, com exceção de “Over the rainbow”) foram, respectivamente, Larry Klein e Vince Mendoza. Baixista de jazz com Freddie Hubbard, Klein também foi produtor (e marido) de Joni Mitchell, Herbie Hancock, Walter “Steely Dan” Becker e da brasileira Luciana Souza (com que se casou em 2006). Mendoza, também compositor, tem no seu currículo trabalhos com Gary Burton, Björk, Elvis Costello, Pat Metheny, Joni Mitchell…
O disco que revelou ao mundo melodias, letras e voz de Melody me remeteu a “Lady in Satin”, mas ela diz nunca ter ouvido o derradeiro LP em vida de Billie Holiday. Não que, como tantas novas cantoras de jazz e pop, ela tenha timbre parecido ou tente imitá-la, mais pelos arranjos de cordas e pelas composições que remetem a standards, até nos títulos: a de abertura, “Baby I’m fool” (que chegou a tocar em novela global), por exemplo, soou-me como uma referência a “I’m a fool to want you”, que também abria o de Billie, e é uma das raras composições de Frank Sinatra (em parceria com J. Wolf e J. Herron).
Já em “The absence”, a produção foi de Heitor Pereira (guitarrista brasileiro radicado nos EUA e que assinava Heitor TP quando trocou o grupo de Ivan Lins pelo Simply Red do britânico Mick Hucknall) e entre os músicos estão Yamandu Costa e Hamilton de Holanda.
Como disse na abertura, é simpático na sua fusão pop-jazz-luso-brasileira-argentina, mas, como também comentei ontem com a autora, sem a força de “My one and only thrill” (título que bate-bola com outro standard, “My one and only love”). Não sei se por educação, Melody concorda com a minha opinião.
Também educadamente, a estrela sem estrelismo pediu a K para não ser fotografada. Mas, no fim da noite, pedi a Susana Travassos carona em seu selfie duplo. A jovem fadista é outra dedicada brasilianista. Estreou em 2008 com “Oi Elis” e há cinco anos desembarcou no Brasil para shows com Zeca Baleiro. Desde então fez muito mais, transitando por São Paulo – incluindo o disco “Tejo Tietê”, em dupla com o compositor e violonista paulistano Chico Saraiva -, Belo Horizonte e até Vitória da Conquista – na atual temporada, que começou em fins de dezembro, ela e Saraiva passaram dias na casa do compositor Elomar no sertão baiano.
Muito mais conversamos, histórias que continuam, mas é tarde e eu me alonguei demais.
PS: para quem me acompanhou até aqui, The Goofies foi o primeiro grupo de Dadi, aos 13 anos, influenciado por Beatles, Stones, Kinks…