canhoto

qui, 06/02/14
por Antônio Carlos Miguel |
categoria crítica, Debate, Todas

Nasci canhoto e, politicamente, de pais esquerdistas, numa época, anos 1950, em que essa divisão era muito mais nítida. Atualmente, como naquele best-seller recente, dá para listarmos uns 50 tons de esquerda e direita. Lula e Dilma aliados de Sarney, Collor e companhia são o quê? A pergunta é ilustrativa, nenhum interesse tenho em saber essa resposta.
Como relatei aqui influenciado pela habitual temporada de verão em Floripa, meus irmãos e eu sentimos o golpe de 64 na pele, ficando sem pai e mãe por algumas semanas. Mas, comparado ao que meu contemporâneo Marcelo Rubens Paiva passou, não tenho muito do que reclamar. Trocamos minha cidade natal pela maravilhosa e seguimos a vida. Tanto que acabamos de comemorar os 90 anos muito bem vividos e criativos de nosso pai. Enquanto Marcelo e a irmã comemoram no Jornal Nacional desta quinta-feira o início da verdade sobre o assassinato de seu pai, o deputado (cassado pelos milicos) Rubens Paiva, 43 anos atrás. Como se supunha, ele foi torturado até a morte (erraram na dose, como tantos outros casos, entre eles o emblemático do jornalista Vladimir Herzog), e não fugiu com a ajuda de terroristas, como sempre sustentou o Exército. Em novembro passado, em depoimento  à Comissão da Verdade do Rio, um coronel da reserva abriu o bico e a tese da fuga impossível que o Exército sustentava começa a desabar. Torço para que a parcela mais esclarecida, democrática, inteligente das Forças Armadas assuma o erro. Mas, pela não resposta dada ao JN (de que o Exército não comenta as revelações da Comissão da Verdade), as chances de isso acontecer são pequenas.

Mas chega de dor por aqui,  mais detalhes podem e devem ser conferidos na reportagem já suitada aqui pelo G1. Aproveito o tema pesado para deixar claro o por quê de minha discordância com a atual faceta direitista de Lobão, que, entre outras bobagens, sustenta que a ditadura foi “ditamole”.

Apesar de meu esquerdismo atávico e de meu interesse por política, nunca fui um militante. No início dos anos 1970, quando o pau comia na brasilândia, ainda acreditava no sonho que John Lennon já enterrara. No lugar de esquerda ou direita, pensava que cabelos compridos, expansão da mente, ioga, alimentação natural, paz e amor, contracultura, etc mudariam o mundo. Ao entrar na faculdade, no segundo semestre de 1973, convidado por colegas, participei de uma reunião política e fiquei abismado com o grau de divisão entre as diferentes correntes do movimento estudantil… Nunca tive paciência, talento ou habilidade para aquilo e, mesmo que apoiando muitas das causas, continuei às voltas com música, poesia, cinema e hedonismo (praias, montanhas, namoros, experiências sensoriais).

Na essência, o mundo pouco avançou desde então. Mas, esse 2014 que começa tórrido promete muito mais: Copa, eleição presidencial, manifestações de todas as espécies… No futebol, sem lógica, continuo torcendo pelo “direitista” Fluminense mais do que pela seleção brasileira. E até gostaria de assistir a um Maracanazo 2, mesmo que nuestros hermanos argentinos, graças a Messi, tenham mais chance do que os uruguaios de Luis Suarez (o craque do Liverpool) e Mujica (um político que continua dando bons exemplos).
Na disputa pelo Palácio do Planalto, candidato algum me convence e consigo entender quem defenda o voto nulo, em branco ou a abstenção (pagando aquela multa). Como sempre, sem emoção, deixarei a decisão para a última hora.

PS: sem trilha sonora no momento, mesmo que, como sempre, continue me aplicando diariamente de música.

 

selfie lembranças

qui, 23/01/14
por Antônio Carlos Miguel |
categoria Todas

Acontece nesta quinta-feira (23), no Rio, a partir das 19h, na Travessa do Leblon, o lançamento deste livro musical sobre grandes discos brasileiros lançados em 1973.

Divulgação

Pois é, a efeméride redonda pode já ter dançado, mas o conteúdo dos títulos homenageados, entrando nos seus 41 anos, continua fundamental. Entre outros, as estreias de Luiz Melodia, Walter Franco, Gonzaguinha, Fagner, Secos & Molhados; o álbum que marcou a volta de João Donato ao Brasil; e ainda “A música livre” de Hermeto Pascoal; e alguns dos melhores de João Gilberto (o seu álbum branco), Tom Zé (o do olho-ânus na capa), Chico, Bethânia… Então, todos lá. Estarei torcendo à distância, após ter contribuído com algumas histórias por trás de “Quem é quem”, o tal disco que fez Donato trocar os EUA, onde vivia desde 1959, pelo Brasil. Não penso que a música acabou, apenas mudou radicalmente a maneira como ela chega às pessoas, ano a ano continuam sendo gravados discos bacanas, mas, não sei bem o por quê, 1973 teve uma concentração acima da média de grande sons brasileiros.

Fotos: ACM

Postei no último domingo, 19, (Instagram/Facebook) a imagem de um fim de tarde numa praia no norte da Ilha de Santa Catarina e, numa mensagem inbox, João Suplicy me perguntou se eu estivera cobrindo o Festival Planeta Atlântida. Não, cheguei no início da noite de sábado, mas passei ao largo do evento. Aliás, passei em frente, e naquela hora, por volta das 20h, parecia vazio. Com aquela escalação, que meus primos dizem ser quase a de sempre ano a ano, é difícil: Ivete Sangalo, Lulu (e finalistas do The Voice Brasil), Armandinho (aquele reggaeúcho e não o do trio elétrico e d’A Cor do Som)…. Até teria algum interesse em conferir ao vivo os Brothers of Brazil, com o simpático cara de pau Supla, João e suas misturas de rock & bossa, mas após perder o show deles no Studio RJ, não iria me enfiar num festival como esse.

Nasci e vivi aqui até 1964, quando nossos pais Eglê e Salim foram enxotados de Floripa e levaram a família para o Rio. Durante o Golpe Militar, que completará 50 anos no dia 31 de março, os então quatro irmãos (o caçula nasceu carioca) passaram uma semana sem pai (ele preso por 45 dias no batalhão da PM) nem mãe (sete dias na Aeronáutica e mais 90 de prisão domiciliar). As razões? Perseguição política, ideológica, eles, dois intelectuais de esquerda, ligados à literatura, cinema, teatro, artes plásticas, desde os anos 1940 agitando a pasmaceira e o conservadorismo que então reinavam.

Cinco décadas depois, Floripa cresceu além da conta mas há quem a compare com o Rio dos anos 1940 e 50. Um carioca com autoridade de sobra, Nelson Pereira dos Santos, por exemplo, usou de cenas da natureza exuberante da ilha (mar, montanhas, lagoas, 43 praias e muitas outras no continente ali do lado) para ilustrar o “volume 2” de seu cansado filme sobre Tom Jobim. Mas, voltando ao fluxo memorialista, desde a saída traumática, praticamente só voltei à ilha natal de férias, quase todo o verão a família matava as saudades da terra e dos parentes e amigos. Na primeira dessas temporadas, no verão de 1966, alugamos uma casa de madeira, atrás de uma duna e de pitangueiras que tínhamos que atravessar para chegar à praia e às águas, então sem vestígio algum de poluição. Hoje, aquele ponto da praia está dominado por casas e prédios, enquanto as dunas e as pitangueiras deram lugar a ruas… A partir do início dos anos 1980, com os pais e alguns dos filhos de volta a Floripa, o nosso ponto de praia (e de tios e primos) avançou para o norte, numa área periodicamente invadida por argentinos, que, com algum preconceito e ignorância de minha parte, não aparentam conhecer seus conterrâneos que meus pais sempre adoraram, Borges, Cortázar, Sábato, Bioy Casares…

A temporada de verão caseira, familiar, num mundo meio fora do mundo, é hábito que mantive com K e nossos dois filhos, agora homens feitos, nessa praia fora do circuito da moda da atual hypada Floripa. Se descolados vão para Campeche e demais paradisíacas paradas do sul da ilha, como Armação, Pântano do Sul, Ribeirão da Ilha; surfistas, para Joaquina; gays, para a Mole; playboysada, celebridades, traficantes anônimos até serem flagrados, para Jurerê Internacional; a “nossa” é meio dominada por essas famílias argentinas, que não nos incomodam. São dias de sol, caminhadas por um trecho de reserva ambiental e, em anos recentes, eventuais passeios de carro até perto de praias ainda preservadas como Naufragados e Lagoinha do Leste, duas que têm acesso apenas de barco ou após caminhadas de quase uma hora por morros de mata virgem. Com pouco tempo para a música, ouço um curioso tributo à obra de Luli (agora Luhli) e Lucina, gravado pelo cantor Dhenni Santos, para fazer o texto de apresentação à mídia que me foi encomendado, e vejo que o penúltimo lote para avaliação do Prêmio da Música Brasileira já me aguarda no site reservado aos jurados.

Reprodução

A rotina desses dias, até hoje sem chuva, tão quentes quanto os que deixei no Rio, tem sido fazer companhia aos pais, ajudar na produção da festa de 90 anos do velho e na arrumação de documentos, manuscritos, recortes de jornais com suas colaborações ou entrevistas nos últimos 70 anos. Ontem, por exemplo, Eglê e eu encontramos um bloco com as anotações feitas por Salim na prisão, que, três décadas depois, serviram de base para “1º de Abril: Narrativas da Cadeia”, lançado pela José Olympio Editora em 1994, traduzido e lançado na França em 2007 como “Brésil avril 1964: La dictature s’installe” (L’Harmattan). Parte desse material será catalogado e incorporado aos quase dez mil livros que eles doaram no último novembro para a biblioteca de uma faculdade pública de Floripa. Boa rotina, com o passado e o presente misturados, que tento dividir por aqui, antes do mergulho de fim da tarde desta quinta-feira.

PS: a foto de praia aqui já é outra, perto do meio-dia.



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