folk matinal

sáb, 22/02/14
por Antônio Carlos Miguel |
categoria Todas

Já entramos na tarde de sábado, dá para ouvir ao longe o esquenta do bloco Simpatia É Quase Amor, mas as últimas horas foram de Beck a… Byrds.

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Com alguma simpatia e doses de reserva, acompanho a carreira de Beck desde “Odelay”, o incensado disco de 1996 que transformou o rapaz de 26 anos num dos caras do pop.  Beck David Campbell, que então já tinha três outros álbuns lançados, é em certo sentido como Prince (Rogers Nelson), multitalentoso e disperso. “Morning phase” (Fonograf/Capitol), que terá lançamento oficial nesta segunda-feira (24), reforça minha simpatia, tem muito do talento de Beck, agora focado num folk psicodélico. O novo disco caiu na rede em fins de janeiro e desde o dia 16 de fevereiro pode ser ouvido por streaming neste site. Completando duas décadas de carreira discográfica – “Mellow gold”, sua estreia, é de 1994 -, o folk sempre foi uma das referências de Beck, mesmo que numa relação de amor e ódio, ao lado do antagônico hip-hop. E, claro, do rock. Em 1989, quando trocou sua Los Angeles natal por Nova York, como contou em entrevista recente, ele tanto frequentava a cena alternativa (The Melvins, Nirvana, Jon Spencer) quanto a de veteranos do folk como Dave Van Ronk e Ramblin’ Jack Elliott.

Coincidentemente, os dois últimos, influentes figuras da cena folk dos anos 1950 e 60, estão presentes em muitos trechos do livro de Ben Sidran que me sequestrou, lido num iPad de primeira geração, ainda sem câmera e meio que largado. Van Ronk (descendente de irlandeses no Brooklyn, apesar do nome holandês) foi uma das referências de Bob Dylan e, agora, também dos irmãos Coen para o filme “Inside Llewyn Davis”), assim como  Ramblin’ Jack Elliott (nascido Elliot Adnopoz no Brooklyn), que muito antes de Robert Allen Zimmerman trocou de nome, pegou um violão e foi para as estradas também inspirado em Woody Guthrie - aquele cujo violão trazia a frase “Esta máquina mata fascistas” .

Mas como a capa já explicita, o folk de “Morning phase” é ensolarado, psicodélico, remete aos fins dos 1960, início dos 1970, da mesma forma que “Croz” (Blue Castle Records), o novo do velho David Crosby que também anda hospedado aqui em casa. No disco novo de Beck, o violão acústico  conduz as canções, com eventuais vinhetas orquestrais arranjadas por seu pai, David Richard Campbell, e além de Crosby (“Heart is a drum” parece sair de um disco de Crosby, Stills & Nash) há ecos de Simon & Garfunkel (na pastoral “Turn away”), Donovan (em “Don’t let it go”), The Band (em “Country down”).

Esta última, country até no nome, também remete ao mais obscuro The Flying Burrito Brothers, grupo country-rock no qual estava Gram Parsons antes de ser chamado para os Byrds, que àquela altura já tinham expulso Crosby…

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Crosby poderia ter morrido após o clássico dos clássicos do folk psicodélico “If I could only remember my name” que lançou em 1971. Talvez fosse cultuado hoje como alguns dos folkies que partiram cedo (do britânico nascido na Birmânia Nick Drake ao americano Gram Parsons). Não faltaram chances, ele afundou nas drogas de todos os tipos, fez um transplante de fígado em 1994, passou um ano preso por porte de armas (que ainda adora) e drogas (heroína, cocaína, álcool, das quais se livrou, voltando recentemente à maconha, como contou em entrevista para a “Rolling Stone”). “Croz”, após 20 anos sem um disco solo, prova que Crosby também sobreviveu artisticamente. Belas e suaves camadas de vocais, cordas (guitarra, bandolim, dobro…), teclas, percussão que gravou com um grupo de músicos liderados por James Raymond, multi-instrumentista, co-produtor e filho (que só reencontrou homem feito). Com pontuais participações, como as de Mark Knopfler (guitarra em “What’s broken”) e Wynton Marsalis (solo de trompete na viajante “Holding on to nothing”).

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Na quase recaída folk dessa semana, “Cedar & fire”, EP independente com cinco faixas já no iTunes do trio Noahs, também soa bem. Dois irmãos, Murilo (voz e violão) e Danilo Brito (baixo), que na adolescência viveram algum tempo no Canadá,  mais o produtor, vocalista e multi-instrumentista Bruno Bastos. Brasileiros mas cantando em inglês, com influências, como me conta Danilo em mensagem, do “indie folk de Of Monsters and Men, Mumford & Sons e The Lumineers”. Não acompanho a cena folk contemporânea e tais referências me soaram como David Crosby, The Band, Van Morrison (de “Astral weeks”). Ou seja, os Noahs são realmente interessantes.

Para fechar (enquanto troco os três discos digitais por uma versão vagabunda em CD de “Fifth dimension”, dos Byrds) já devorei as 502 páginas virtuais de “There was a fire”, no qual o compositor, cantor, arranjador Ben Sidran tenta explicar a força dos judeus na música dos EUA e é leitura apaixonante para quem se interessa por música. Entre os senões, a ausência de qualquer menção a Laura Nyro, a cantora e compositora de Nova York, também de família judia, que ao surgir no início dos anos 1960  encantou tanto a Stephen Sondheim quanto a Bob Dylan, então de universos opostos na música. Aliás, sobre Dylan, ao listar suas influências, Sidran bota entre eles o “judeu-alemão” Bertolt Brecht.  Mas o dramaturgo alemão era filho de protestante e católica, mesmo que detestado pelos nazistas por seu marxismo. Detalhe que em nada tira o interesse do livro de Sidran.

acasos

qui, 13/02/14
por Antônio Carlos Miguel |
categoria Discos, Show, Todas

A pilha de CD e DVDs não para de aumentar. Faço parte do dever de casa, conferindo cada novo título, mas o tempo anda escasso para compartilhar aqui nesse blogquasedelírio minhas impressões. Após as férias, o trabalho acumulado ainda sofreu o impacto de acidentes domésticos: queima tanto da bomba d’água (que no período de abastecimento fraco joga da cisterna externa para as caixas na casa) quanto do sistema de aquecimento solar de água. Não que nesse verão de recordes de temperatura a falta de água quente no chuveiro faça alguma diferença, mas a resistência queimada provocou um vazamento do boiler de 300 litros. Segundo o técnico, com quase cinco anos de uso, a tal resistência que eu nem fazia noção da existência tinha durado mais que o dobro de sua vida estimada. A ideia agora é avançar nesse setor e implantar tanto a geração de energia elétrica solar quanto a captação de água de chuva.

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Além de trabalhos previstos e imprevistos, há dois dias, quando certa normalidade voltou a reinar, uma canção de Ben Sidran a esmo no iTreco me levou a uma busca sobre o pianista, compositor, cantor que desembocou no seu quarto livro, lançado em 2012, “There was a fire: Jews, music and the American Dream” (algo como “Havia um fogo: Judeus, música e o Sonho Americano”). Desde então, em meio às atividades habituais, a leitura desse iluminador livro tem me acompanhado.

Em síntese, Sidran tenta explicar como e por que 2% da população dos EUA são responsáveis por 80% da produção musical do país. A estimativa algo hiper dimensionada é dele, mas tem muito de verdade. Antes do rock, por exemplo, entre os grandes compositores, Cole Porter era exceção, numa lista de gênios musicais judeus como Ira & George Gershwin, Irving Berlin, Richard Rodgers & Lorenz Hart (& Oscar Hammerstein II), Jerome Kern, Harold Arlen… Coincidentemente, nesse 13 de fevereiro, a Ascap (espécie de ECAD nos EUA) comemora seu centenário. A página de música do site NPR traz hoje uma boa reportagem sobre como surgiu e como funciona até hoje a American Society of Composers, Authors and Publishers. Reproduzo a abertura.

Há cem anos, o compositor italiano de ópera Giacomo Puccini almoçava com Victor Herbert, o principal compositor americano (mas nascido em Dublin) nesse gênero. Até que a banda no restaurante começou a tocar temas do então sucesso de Herbert, “Sweethearts”. Puccini ficou abismado, como lembra agora o compositor Paul Williams, atual presidente da Ascap: “Ele disse a Victor Herbert, ‘Por que você não está editando essa música? Você poderia ser pago por ela, na Europa nós recebemos’”.

Como se sabe, Herbert gostou da ideia, convidou outros colegas, incluindo John Philip Sousa, Irving Berlin, e fundou a Ascap em 13 de fevereiro de 1914. A luta foi árdua para convencer a restaurantes, salões de dança e demais usuários de música a pagaram pelo que até então era gratuito, mas o direito foi reconhecido. Até 1940, a Ascap monopolizava esse setor, até, após uma disputa com as rádios (que por oito meses não tocaram música alguma editada na sociedade), surgir a BMI. Sigla de Broadcast Music Incorporated, esta investiu na música country e no rhythm and blues. Como a reportagem da NPR conta, a Ascap tinha o Grande Cancioneiro Americano (Gershwin & Porter e cia) “mas quase perdeu o rock. Chuck Berry, Buddy Holly e (os ingleses) Beatles, todos assinaram com a BMI”.

Segundo Bruce Pollock, autor da história da Ascap, “A friend in the music business”, só em meados dos 1960 eles começaram a perceber que, como se diz, “o rock and roll chegou pra ficar!”. Atualmente, a Ascap tem cerca de 500 mil membros em todos os gêneros musicais e continua brigando pelos direitos desses autores, em campos nunca imaginados por Puccini e Herbert, como o da música por streaming na internet. Então, parabéns pelos 100 anos completados hoje.

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Enquanto, em sincronia, o que roda agora no tocador de DVD é “Parabéns” de e com Caetano Veloso.  É uma das cinco canções que não entraram no CD  “Abraçaço: Multishow ao vivo” (Universal), enquanto o DVD traz esta e mais duas de “Abraçaço”, “Gayana” e “Vinco”, e ainda “Odeio” (de “Cê”) e, como extra, “Um índio” (que renasceu na época da Aldeia Maracanã).

Mas, de volta a “There was a fire”, a presença de judeus também se deu no cinema, na literatura, na música clássica… Sidran conta que se afastara da religião após uma dramática experiência no seu bar mitzvah, só se reaproximando no de seu filho. Hoje, mesmo com dúvidas em relação à existência de um Deus, assume seu judaísmo e diz que seu povo vive nos EUA experiência similar a dos negros trazidos África. Assunto que ele abordara em seu primeiro livro: “Black talk: How the music of Black America created a radical alternative to the values of Western literary tradition” (“Conversa negra: Como a música da América Negra criou uma alternativa radical para os valores da tradição literária do Ocidente”).

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Sidran lembra que antes da grande leva de imigração da segunda metade do século XIX (expulsos pelos dos pogroms promovidos pelo Czar Nicolau, na Rússia, época na qual se passa “O violinista no telhado”), os primeiros judeus a desembarcarem na então New Amsterdan (a ilha de Manhattan), em 1654, foram os 23 homens, mulheres e crianças que fugiram de Pernambuco após os portugueses derrotarem os holandeses. Ou seja, judeus quase brasileiros dos tempos da Colônia.

Já passei pela introdução histórica abrangente e  por dois dos capítulos musicais (“Ragtime Jews” e “The New York Opera”), e durante a viagem pretendo compartilhar mais por aqui.

Minhas primeiras lembranças de Ben Sidran vem de sua participação em disco de fim dos anos 1960 na Steve Miller Band (na qual também estava Boz Scaggs). Só nos primeiros anos do século XXI –  época em que trocava arquivos musicais com amigos na internet – conheci a fundo sua obra solo, inédita no Brasil. Há uns quatro  anos, comprei pela Amazon o CD “Dylan different”, curioso e irregular passeio jazzy-rocky pelo repertório de Robert Allen Zimmerman. Por fim por enquanto, outra informação que conta muito sobre Sidran: uma de suas primeiras paixões musicais é o pianista e compositor Horace Silver, este um americano filho de cabo-verdianos, detalhe biográfico que também explica algo sobre o gingado desse gênio do hard-bop.

Após tantos passeios, retorno ao DVD de CV, que foi gravado em outubro de 2013 no Vivo Rio e é… fodaço. Assim como o show, que, amanhã (sexta) e sábado volta ao Circo Voador, onde estreou em 2012. Sim, a trilogia com a BandaCê se cumpriu. E dá mesma forma que a fase anterior, a orquestral-morelenbaum, já dava sinais de desgaste – mas, há dez anos, fui um dos poucos a gostar de “A foreign sound”, o híbrido mergulho em standards que ia de Irving Berlin a Kurt Cobain. Agora, na fase rock, o anunciado era fechar a tampa com “Abraçaço”. Estou curioso com o que poderá vir por aí, mas a saideira – que continua nos shows de lançamento do ao vivo que prosseguirão – é imperdível. Caetano no tórrido verão carioca.

Bem, o tempo e o espaço estão acabando, e para não dizer que não falei dos outros títulos, listo o que chegou nos últimos tempos.

“Eu maior” (Núcleo Contemporâneo), trilha de um documentário composta e executado por Benjamim Taubkin; “Manso balanço” (ind.), do percussionista, cantor e compositor Joca Perpignan, gravado em Israel, onde ele voltou a morar após temporada brasileira, na qual foi um dos integrantes do grupo Paraphernalia; “Êxodo” (ind.), de um grupo instrumental e autoral de Santa Catarina, Entrevero, com participações de Hermeto Pascoal e Filó Machado; “Mil coisas” (ind.), estreia da cantora e compositora carioca Clara Valente, que mostra boas ideias, bem cercada por Donatinho (teclados), Maurício Pacheco (guitarra, baixo, produção), Bernardo Bosísio (guitarra), Alberto Continentino (baixo), Carlos Malta (flauta); “Paisagem invisível” (ind.), outra cantora carioca estreante e interessante, Andreia Mota, apesar de irregular na sua mistura de clássicos (Wilson Baptista, Jobim, Milton, Nelson Ângelo)  e novos compositores; “De normal bastam os outros” (Nova Estação/Eldorado), mais uma tentativa de volta de Maria Alcina; “Reencontro” (Nova Estação/Eldorado), mais uma volta da eventual dupla Ângela Maria & Cauby Peixoto, que rendem bem na quarta idade; “Espelhos: Canções portuguesas” (Camões Instituto), grupo de fado contemporâneo, reunindo lusitanos e belgas;  “Nossa bandeira (Ao vivo)” (Pôr do Som), de Cesinha Pivetta, jovem cantor, compositor paulistano de samba; “As melhores marchinhas do carnaval 2014″ (Bolacha), com as finalistas do concurso da Fundição Progresso; “Pixinguinha: Carinhoso” (Universal/EMI), coletânea com Pixiguinha e demais intérpretes de sua obra; “Aquelas canções” (ind.), do pianista, compositor e cantor mineiro Márcio Hallack; “Yusuf” (Universal), coletânea de Cat Stevens, aproveitando a recente turnê pelo Brasil;   “Shangri la” (Universal), do jovem cantor e compositor Jake Bugg, mais um novo Dylan;  e “Sinatra Duets: Twentieth Anniversary” (Universal), que pode ter alguns momentos, mas, com tanta coisa vital de Frank Sinatra no catálogo da Capitol, agora incorporado, por que esses cansados duetos no canto de cisne de The Voice?

Por fim, três DVDs e um Blu-Ray ainda aguardam vez. “Orquestra Imperial Ao vivo” (Canal Brasil); “Voz talismã Ao vivo” (Canal Brasil), Margareth Menezes; “Clockwork angels tour” (Universal), do grupo canadense Rush; “Homenagem a Tom Jobim” (Universal), turnê do 24 Prêmio da Música Brasileira, com Adriana Calcanhotto, João Bosco, Roberta Sá, Zélia Duncan e Zé Renato.

PS: o nome correto da cantora do CD “Paisagem invisível” é Andreia Mota, como me alertou sua assessora (obrigado!).



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