outros carnavais

sáb, 01/03/14
por Antônio Carlos Miguel |
categoria Todas

Compositor, jornalista, escritor, roteirista, apresentador de TV, produtor e curador musical, empresário da noite, cronista político… a lista de atividades nas quais o paulistano mais carioca do mundo Nelson Motta já se meteu é imensa. E não para por aí. Nos últimos anos, ainda cada vez mais presente na cultura brasileira, como provam os musicais sobre Tim Maia (baseado na biografia que escreveu sobre o Síndico) e Elis Regina. Nelson chegará aos 70 anos em outubro envolvido em novos roteiros, livros, músicas, as colunas “globais” que mantém às sextas tanto na TV quanto no  impresso – destas, quase sempre discordo ideologicamente. Por exemplo, por que ficar batendo em cachorros mortos como Fidel e Chávez/Maduro quando é tanto ou mais horroroso manter a Base de Guantánamo e o bloqueio a Cuba?

Não entramos nesse tema no encontro que tive com ele na última quinta-feira. Era reunião focada em assunto profissional, Nelsinho (obrigado!) me botando na cara do gol de projeto ainda em negociação. Mas delicioso fim de tarde, com o sol se escondendo atrás do Morro Dois Irmãos, com as habituais preliminares e saideiras de quem se conhece há quase quatro décadas. Ainda me lembro do primeiro contato, por volta de 1976, quando ele dirigiu um musical com Marília Pêra e a então banda de Lulu Santos. Chegamos a esse show Julio Barroso e eu, então,  iniciante fotógrafo e e coeditor da revista “Música do Planeta Terra”,  que o depois Gang 90 Julio fazia na época bancado pelo pai industrial. Logo, Julio se tornaria o genial doidão de plantão  no coletivo avant la lettre que Nelson Motta comandou a partir de fim dos anos 1970.

Mas saí da rota, já que disso também não falamos na tarde/noite de quinta. O lead perdido é esse: Nelson Motta celebra 70 anos em outubro com disco-tributo e documentário no qual revisita parte de sua obra musical.

Reprodução/Arquivo Nelson Motta (que é o rapaz de gravata, no centro do "bloco carnavalesco" de 1967)

Como contou nessa quinta, antes de trocar o carnaval por uma semana de folga em Portugal, até o momento, nove faixas e seus intérpretes já estão certos. O CD sairá pela Som Livre e as sessões nos estúdios vem sendo documentadas para um programa de TV que também irá ao ar perto da data redonda, com direção de Tatiana Issa (codiretora do filme sobre os Dzi Croquetes) e Guto Barra (codiretor do filme que virou série no Canal Brasil “Beyond Ipanema”, mapeando a música brasileira ao redor do mundo).

O disco oferece um recorte contemporâneo de sua eclética produção, nas mãos e bocas de Laila Garin & Ipanema Lab (“Noturno carioca”, parceria recente com Erasmo Carlos), Ed Motta & Daniel Jobim (“Coisas do Brasil”, da safra com Guilherme Arantes), Maria Gadú (“Você bem sabe”, que fez com Djavan), Lenine & Cristina Braga (“Certas coisas”, da parceria com Lulu Santos), Silva (“Marina no ar”, outra com Guilherme Arantes), Ana Cañas (“Perigosa”, que escreveu para as Frenéticas com Rita Lee e Roberto de Carvalho), Gaby Amarantos & João Brasil (“Dancin’ Days”, com Ruban), Max de Castro (“Areias escaldantes”, mais uma com Lulu) e a jovem fadista Cuca Roseta (“Apaixonada”, parceria com Ed Motta).

Um álbum vai ser pouco para cobrir cinco décadas de música. Entre os que ficaram de fora está o parceiro de seus primeiros sucessos, Dori Caymmi, com quem escreveu, entre outras, “Saveiros” e “O cantador”. Além de Dori e dos citados acima, a heterogênea lista de compositores com quem Nelson trabalhou vai da primeira parceira, Wanda Sá, a Guinga, passando por  Cláudio Zoli, Carlos Dafé,  Arrigo Barnabé, Eduardo Gudin, Max de Castro, Marcos Valle, Dé Palmeira, Lee Marcucci, Wander Taffo, Dom Charles, Guto Graça Mello, Reinaldo Arias, Roberto Menescal…

Nada mal para quem só despertou para a música na adolescência bossa-novista, como contou no livro “Noites tropicais (Solos, improvisos e memórias musicais)”: “Eu não gostava de música. Só as de carnaval, nas chanchadas da Atlântida. O rádio era para futebol e programas humorísticos. Com 13 anos, meus maiores interesses eram literários, esportivos e sexuais. A música, pelo menos a que se ouvia no rádio e nos discos, era insuportável para um adolescente de Copacabana no final dos anos 50”.

Como tantos jovens brasileiros de sua geração, Nelson foi convertido por João Gilberto e as canções de Tom & Vinicius e companhia. E logo se enturmou e mostrou serviço, tanto que em 1967, aos 23 anos, já estava confortavelmente instalado na foto que peguei para ilustrar essa crônica:  Nelson é o jovem de gravata, copo na mão direita, cigarro na esquerda, no meio de um time de sonhos da canção brasileira. Segundo a legenda no “Songbook Nelson Motta” (Lumiar Editora, 2004), ela foi feita durante uma reunião na casa de Vinicius de Moraes para o carnaval daquele ano, com o anfitrião e, entre outros, Edu Lobo, Tom Jobim, Torquato Neto, Caetano Veloso, Capinam, Paulinho da Viola, Zé Keti, Eumir Deoadato, Olivia e Francis Hime, Luiz Eça, Dori Caymmi, Chico Buarque, Luiz Bonfá, Braguinha….

Bom carnaval para todos!

raspa de 2013

ter, 31/12/13
por Antônio Carlos Miguel |
categoria Todas

Programara a minha “lista definitiva” para esse derradeiro dia de 2013 mas, esqueçamos a lista, a programação, o calendário. Mesmo porque, vivendo o aqui e agora, é mais um dia como qualquer outro – enquanto ao fundo, Donny Hathaway cantando “The Ghetto” é apenas uma velha canção que entrou aleatoriamente e me desviou da rota.

Arpoador, Rio, 27-12-2013 / Foto: Kati Pinto

Mas, se pensarmos num balanço do ano, mais do que a música, 2013 vale ser lembrado por alguns sinais que vieram das ruas. Gente pedindo mais do que pão e circo, brigando por seus direitos e conseguindo mudanças. Ainda tímidas e ignoradas por muitos, como o implante de cabelo de Renan confirma.

Sim, nesse Rio de 40 graus, ensolarado e úmido, a cidade invadida por gente do mundo todo, a impressão é de que o Gigante embarcou no seu período de pré-folia e quem sou eu para jogar água no chope. Ficam os votos de 2014 com mais avanços.

Reprodução/DVD Ana Cañas

Então, vai para o lixo a lista da música com os melhores e os piores (medalhões da MPB sujando suas biografias), mas, para não dizer que não falei de meu assunto preferencial, promovo uma raspa no material recebido em 2013 que restava sem registro. Vai que alguém se interesse pelo DVD “The Truth about love tour / Live from Melbourne” (Sony), com o pop aeróbico de Pink. Música é o que menos importa nesse show da cantora (e acrobata, não seria melhor dizer?) americana. Ou então o CD/DVD “Coração inevitável” (Som Livre), mais uma tentativa da eclética e algo desorientada Ana Cañas, agora sob a direção de Ney Matogrosso. Mudou a direção mas o show sofre do mesmo mal dos anteriores, alternando as previsíveis baladas pop da compositora paulistana com cansadas “La vie en rose” (Piaf), “Blues da piedade” (Cazuza e Frejat), “Stormy weather” (Arlen e Koehler), “Retrato em branco e preto” (Jobim e Chico). Nada que acrescente.

Melhor os novos de dois compositores e arranjadores cariocas. O também instrumentista João Nabuco escalou as cantoras Barbara Mendes e Joana Duah para as 13 canções de “Cine Samba vol. 2”(Biscoito Fino) e mantém sua MPB contemporânea.

Reprodução/CD Thiago Amud

Já o também cantor Thiago Amud  volta com mais pretensões em “De ponta a ponta tudo é praia-palma”  (Delira). A canção que dá título ao seu segundo disco é baseada na carta de Pero Vaz de Caminha e dá o mote para muito das outras: textos musicados, com arranjos e instrumental tangenciando o clássico (a partir de células expandidas de frevo, baião, toada…). Na lista de agradecimentos, Amud escreve, “pela genialidade, Guinga”, o que diz muito sobre sua música. Para o bem e para o mais ou menos, já que, quase sempre, a genialidade de Guinga se torna um beco sem saída para seus admiradores. Impressão que o segundo solo de Amud reafirma, tanto que um dos melhores momentos é quando ele troca de referências em “Outro acalanto”, para e a partir de Caymmi, em canção de tratamento bacana: apenas voz (Amud) e vibrafone (Arthur Dutra) e, ao fim, trovões (gravados pelo produtor JR Tostoi).

Ainda na pilha, três que vagam entre a MPB e o regional – “Viagem fora do tempo”, de Wimer e Trio Santo Degrau (ind.); “Giro solto”, do grupo Pé de Mulambo (ind.); e “De mim”, do cantor Gonzaga Leal (Muzak) –;  o pop que patina no pop do cantor e compositor “Nando Monteiro” (Bolacha); o simpático tributo “Sérgio samba Sampaio”, do cantor Chico Salles (Zeca PagoDiscos); o curioso EP “Respiramundo” (ind.) , com seis faixas de áudio e seis multimídias (com clipes e documentário) do cantor e compositor Mihay; e o óbvio “Meu coração brasileiro”, do pianista e compositor americano Jeff Kunkel (Delira).

Se o professor de música americano que fechou o parágrafo acima faz uma comportada homenagem aos sons do Brasil, em “Freeman blues” (Delira Blues), Cristiano Crochemore & Blues Groovers  fazem clichês do blues-rock. Daí que, mesmo abusando do formato disco de baixista, com seu instrumento sempre na frente, seja mais interessante “Clássicos” (Delira), de Dudu Lima Trio. Ou então, dois outros títulos bons na praia instrumental: “Raiz” (Delira), do guitarrista e guitarrista Pedro Araújo, e “Que nem o mundo (Oficinas da Música Universal” (Delira), no qual Itiberê Zwarg prossegue na trilha de Hermeto Pascoal. Como Guinga, Hermeto Pascoal é ótima trilha, que me permite retornar aos óbvios e sinceros desejos de um bom Ano Novo para todos.

PS: a foto que abre esse post foi feita por K no fim de tarde de sábado, mas, certamente, a imagem vai se repetir nesse 31 de dezembro de 2013. E em muitos fins de tarde, sempre.



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