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Olá, o endereço do Blog do Antonio Carlos Miguel mudou. As novas postagens estarão em https://g1.globo.com/musica/blog/antonio-carlos-miguel/
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Com blocos e escolas campeãs a postos para este sábado de pós carnaval, os estragos do último furacão momesco continuam expostos no Rio graças à (parcial) greve dos garis. Expostos e boiando em alguns pontos, graças às águas de março que começam após um dos verões cariocas mais secos em décadas. Imagino que o prefeito não repita o erro do governador, que, três anos atrás, tentou jogar a população contra os bombeiros. São os garis que garantem a excelência da Comlurb, caso raro de empresa pública eficiente e admirada, e eles merecem salários melhores, sim.
Esbarrei no interrobang que ilustra este post em série de (ótimos) artiguetes encomendados pela revista “Intelligent Life” a escritores sobre sinais de pontuação: vírgula, exclamação, interrogação, ponto e vírgula, reticências (que uso agora para seguir)… Como se percebe, o interrobang é uma junção dos sinais de exclamação e interrogação e, como nos conta o texto de Rosie Blau, teria sido criado no início do século XX para tentar expressar a mistura de surpresa e dúvida mas não emplacou.
Mas uso do interrobang para me surpreender questionar com aqueles que chamam os garis de porcalhões. Esses somos nós cariocas, espalhando lixo pela cidade sem consciência.
Enquanto isso, ao fundo, “Choro nº 5, Alma brasileira”, de Villa-Lobos, nas mãos (e pulmões, pés) do Projeto B, que entrou a esmo no iTreco e me leva a selecionar para reouvir na íntegra o precioso “A viagem de Villa-Lobos”, disco lançado há cerca de cinco anos pelo grupo instrumental paulistano.
Aproveitei mais um efêmero reinado de Momo para navegar musicalmente sem rota definida, trilha sonora entrando a esmo a partir dos diversos playlists espalhados por diferentes iTrecos, entre computador, celular, tocador digital… De novo, apenas algo que baixei por curiosidade, “The soul of all natural things”, um folk-new age de uma senhora de 70 anos, Linda Perhacs, californiana que vive como dentista e volta à música 44 anos depois de lançar “Parallelograms”, disco de folk-psicodélico ignorado na época e que foi descoberto por gente como Devendra Banhart, Sufjam Stevens e a dupla francesa do Daft Punk. Após as recentes muitas doses algo folk de Beck e David Crosby tentei embarcar “na alma de todas as coisas naturais” mas tudo soou velha new age demais.
Mas, nesse Dia Internacional da Mulher, um disco de outra mulher de 70 anos também ligada ao folk, a canadense Joni Mitchell, entrou a esmo e caiu bem, “Shine”. É de 2007 e na época não me empolgou. Com esse atraso de sete anos percebo que mais por minha falta de sensibilidade, já que as canções são bacanas, brilham mesmo. Então, que mulheres, homens e demais seres, porcalhões ou não.
PS: antes que puxem o meu pé, e usando de recurso que vai acabar, sim, Roberta Joan Anderson foi muito além do folk, incluindo trabalhos com Charles Mingus. Na única vez que passou pelo Brasil, Joni Mitchell foi levada a um show de Rita Lee no Rio, em meados nos anos 1970, fase Tutti-Frutti, e não gostou. Soou rock demais para ela, já flertando com o jazz; enquanto Rita só se reinventaria musicalmente na dupla com Roberto de Carvalho.
Compositor, jornalista, escritor, roteirista, apresentador de TV, produtor e curador musical, empresário da noite, cronista político… a lista de atividades nas quais o paulistano mais carioca do mundo Nelson Motta já se meteu é imensa. E não para por aí. Nos últimos anos, ainda cada vez mais presente na cultura brasileira, como provam os musicais sobre Tim Maia (baseado na biografia que escreveu sobre o Síndico) e Elis Regina. Nelson chegará aos 70 anos em outubro envolvido em novos roteiros, livros, músicas, as colunas “globais” que mantém às sextas tanto na TV quanto no impresso – destas, quase sempre discordo ideologicamente. Por exemplo, por que ficar batendo em cachorros mortos como Fidel e Chávez/Maduro quando é tanto ou mais horroroso manter a Base de Guantánamo e o bloqueio a Cuba?
Não entramos nesse tema no encontro que tive com ele na última quinta-feira. Era reunião focada em assunto profissional, Nelsinho (obrigado!) me botando na cara do gol de projeto ainda em negociação. Mas delicioso fim de tarde, com o sol se escondendo atrás do Morro Dois Irmãos, com as habituais preliminares e saideiras de quem se conhece há quase quatro décadas. Ainda me lembro do primeiro contato, por volta de 1976, quando ele dirigiu um musical com Marília Pêra e a então banda de Lulu Santos. Chegamos a esse show Julio Barroso e eu, então, iniciante fotógrafo e e coeditor da revista “Música do Planeta Terra”, que o depois Gang 90 Julio fazia na época bancado pelo pai industrial. Logo, Julio se tornaria o genial doidão de plantão no coletivo avant la lettre que Nelson Motta comandou a partir de fim dos anos 1970.
Mas saí da rota, já que disso também não falamos na tarde/noite de quinta. O lead perdido é esse: Nelson Motta celebra 70 anos em outubro com disco-tributo e documentário no qual revisita parte de sua obra musical.
Como contou nessa quinta, antes de trocar o carnaval por uma semana de folga em Portugal, até o momento, nove faixas e seus intérpretes já estão certos. O CD sairá pela Som Livre e as sessões nos estúdios vem sendo documentadas para um programa de TV que também irá ao ar perto da data redonda, com direção de Tatiana Issa (codiretora do filme sobre os Dzi Croquetes) e Guto Barra (codiretor do filme que virou série no Canal Brasil “Beyond Ipanema”, mapeando a música brasileira ao redor do mundo).
O disco oferece um recorte contemporâneo de sua eclética produção, nas mãos e bocas de Laila Garin & Ipanema Lab (“Noturno carioca”, parceria recente com Erasmo Carlos), Ed Motta & Daniel Jobim (“Coisas do Brasil”, da safra com Guilherme Arantes), Maria Gadú (“Você bem sabe”, que fez com Djavan), Lenine & Cristina Braga (“Certas coisas”, da parceria com Lulu Santos), Silva (“Marina no ar”, outra com Guilherme Arantes), Ana Cañas (“Perigosa”, que escreveu para as Frenéticas com Rita Lee e Roberto de Carvalho), Gaby Amarantos & João Brasil (“Dancin’ Days”, com Ruban), Max de Castro (“Areias escaldantes”, mais uma com Lulu) e a jovem fadista Cuca Roseta (“Apaixonada”, parceria com Ed Motta).
Um álbum vai ser pouco para cobrir cinco décadas de música. Entre os que ficaram de fora está o parceiro de seus primeiros sucessos, Dori Caymmi, com quem escreveu, entre outras, “Saveiros” e “O cantador”. Além de Dori e dos citados acima, a heterogênea lista de compositores com quem Nelson trabalhou vai da primeira parceira, Wanda Sá, a Guinga, passando por Cláudio Zoli, Carlos Dafé, Arrigo Barnabé, Eduardo Gudin, Max de Castro, Marcos Valle, Dé Palmeira, Lee Marcucci, Wander Taffo, Dom Charles, Guto Graça Mello, Reinaldo Arias, Roberto Menescal…
Nada mal para quem só despertou para a música na adolescência bossa-novista, como contou no livro “Noites tropicais (Solos, improvisos e memórias musicais)”: “Eu não gostava de música. Só as de carnaval, nas chanchadas da Atlântida. O rádio era para futebol e programas humorísticos. Com 13 anos, meus maiores interesses eram literários, esportivos e sexuais. A música, pelo menos a que se ouvia no rádio e nos discos, era insuportável para um adolescente de Copacabana no final dos anos 50”.
Como tantos jovens brasileiros de sua geração, Nelson foi convertido por João Gilberto e as canções de Tom & Vinicius e companhia. E logo se enturmou e mostrou serviço, tanto que em 1967, aos 23 anos, já estava confortavelmente instalado na foto que peguei para ilustrar essa crônica: Nelson é o jovem de gravata, copo na mão direita, cigarro na esquerda, no meio de um time de sonhos da canção brasileira. Segundo a legenda no “Songbook Nelson Motta” (Lumiar Editora, 2004), ela foi feita durante uma reunião na casa de Vinicius de Moraes para o carnaval daquele ano, com o anfitrião e, entre outros, Edu Lobo, Tom Jobim, Torquato Neto, Caetano Veloso, Capinam, Paulinho da Viola, Zé Keti, Eumir Deoadato, Olivia e Francis Hime, Luiz Eça, Dori Caymmi, Chico Buarque, Luiz Bonfá, Braguinha….
Bom carnaval para todos!