Após a conferida habitual, mesmo que seja bom, raramente volto a algum título de DVD musical. Ele fica na estante, aguardando uma improvável nova dose, eventuais consultas a título e demais infos da ficha técnica ou empréstimos a amigos. Mas entendo que essa mídia tenha seu público, principalmente no Brasil, onde vem conseguindo compensar um pouco a queda na venda de discos físicos. Então, feita a ressalva habitual, passemos ao lote que ocupou parte de meu tempo nos últimos dias.
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“The Beach Boys 50 / Live in concert” (Universal): Entendo quem deteste as harmonizações vocais dos Beach Boys em seus rocks e baladas de verões sem fim. E esse DVD duplo dificilmente fará alguém mudar de ideia sobre os agora setentões rapazes, flagrados na turnê de 2012 , quando comemoraram 50 anos de carreira. A data redonda e o cachê gordo conseguiram reunir Brian Wilson e seu primo Mike Love, estremecidos desde os anos 70, com algumas brigas na Justiça no meio. Eles retornaram ao lado de Al Jardine (outro do quinteto original) e mais dois músicos que passaram pelo grupo, David Marks (substituto de Jardine por um ano e meio, entre 1962 e 63) e Bruce Johnston (que, desde 1965, vinha ocupando no palco o lugar do genial e estressado Brian), para recriar muitos de seus clássicos com perfeição. O disco 1 é dedicado ao show, com abrangente repertório, mesmo que com alguma predominância de sucessos da ingênua e esquemática surf music inicial (na qual misturaram ingredientes do doo-wop e do rock and roll de Chuck Berry) e, em menor número, exemplos dos sofisticados e psicodélicos temas que gravaram entre 1966 e o início dos anos 70. Para conseguir isso quatro décadas depois, o quinteto conta com o apoio de uma dezena de instrumentistas e vocalistas, boa parte saída da banda que na última década vinha acompanhando Brian Wilson em sua renascença artística.
Os BBs comemoram 50 anos, mas, como também vimos na recente volta dos Rolling Stones, o que vale mesmo é o que produziram em sua primeira década de carreira. E material não só das mãos do celebrado Brian. Jardine, Love e Carl Wilson (este o caçula dos Wilson, morto em 1998, vítima de câncer, enquanto o irmão do meio, Dennis, o único surfista dos Rapazes da Praia, se afogou em 1983) são os autores de uma preciosa pedra, lapidada pelas suas etéreas harmonizações vocais, “All this is that”. É uma canção lançada num quase obscuro disco do grupo, “Carl and The Passions – ‘So tough’”, de 1972, período que Carl convocou os músicos sul-africanos Ricky Faatar (baterista, cantor e compositor) e Blondie Chaplin (vocalista, compositor e guitarrista, que, nas duas últimas décadas tem participado das eventuais turnês dos Rolling Stones).
O disco 2 é ocupado por um documentário com entrevistas recentes, trechos da gravação de seu último disco de estúdio, “That’s why God made the radio” (lançado em junho de 2012), e inéditas cenas filmadas durante as sessões de estúdio de “Good vibrations”, em 1966. Esse foi o período em que os Beach Boys competiam artisticamente com os Beatles. Como Brian relembra mais uma vez, ele concebeu o disco “Pet sounds” fortemente influenciado por “Rubber soul”, enquanto os Beatles já afirmaram que “Pet sounds” foi uma das inspirações para “Sgt. Peppers”.
Pode não ser a melhor introdução ao grupo, mas, para quem já foi fisgado pelos Beach Boys, esse título tem seu interesse – no meu caso, me fez tirar da estante e injetar no tocador digital “Carl and the Passions”, “Wild honey”, “Pet sounds” e “Smiley smile”.
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“Hungarian Rhapsody: Queen live in Budapest” (Universal): Enquanto a banda esteve em atividade, entre 1971 e fins da década de 80, nunca entendi muito o culto à Rainha. Seu hard-rock operístico me soava exagerado, mesmo com eventuais canções arrebatadores. Minha opinião mudou aos poucos, ou melhor, após a forte participação do Queen no primeiro Rock in Rio, em janeiro de 1985. Meses depois, em julho, com um set de apenas 17 minutos, Freddie Mercury e companhia também roubaram a festa no Live Aid, em Londres. Esse DVD flagra a passagem por Budapest da turnê do disco “A kind of magic”, que eles gravaram e lançaram no início de 1986, revigorados pelo êxito dos shows carioca e londrino. Filmado em 33mm, por um cineasta húngaro, János Zsombolyai, tem boa qualidade de som e imagem e, como extra, um documentário de 26 minutos.
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“Músicas para churrasco Vol. 1 / Ao vivo na Quinta da Boa Vista” – Seu Jorge (Universal): Por falar em roubar o show, é o que faz Sandra de Sá, com uma devastadora versão de “Olhos coloridos”, fechando o disco 1 desse DVD duplo de Seu Jorge. Há outros bons momentos, mas, gravado em 20 de novembro de 2011, Dia de Zumbi, ele sofre do mal que abate a maioria desses projetos, muitos e heterogêneos convidados, de Zeca Pagodinho (ótimo) a Caetano Veloso (deslocado), de Alexandre Pires (fraco) a Racionais MCs (nulos), e até uma constrangedora menina então de 10 anos, Flor de Maria, que vem a ser filha de Jorge. A grande banda, uma usina samba-pop-funk no padrão criado quatro décadas atrás por outro Jorge, Ben, é poderosa e tem espaço para solos na longa versão de “Tive razão”, o destaque do disco 2, que, no fim do show, traz também uma patética “Ilariê” (como Caetano aceitou participar daquilo?). Seu Jorge esbanja musicalidade e presença de palco, mas também comete muitos equívocos, em trajeto similar ao de Carlinhos Brown, outro desperdício de talento.
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“Ao vivo na Lapa” – Farofa Carioca (Da Lapa Música): Um ano antes, Seu Jorge tinha sido o destaque na noite em que sua antiga banda comemorava, com algum atraso, uma década de carreira. Sob a lona do Circo Voador, ele se juntou aos ex-companheiros numa poderosa versão de “São Gonça”, lançada no disco de estreia do Farofa Carioca, “Moro no Brasil” (1998/ ver PS abaixo). Dois outros “farofeiros”, o cantor e violonista Gabriel Moura e o flautista francês Bertrand Doussain, participam do show, que ainda tem Elza Soares numa visceral “A carne” (mais uma do único álbum do grupo com Seu Jorge, parceria dele com Marcelo Yuka).
Nos extras, o indefectível “making of” e “Farofa na areia” (este, o registro de um informal reencontro no Posto 9 de Ipanema) garantem mais algum interesse ao DVD.
PS: Comentário blogueiro belga especializado em MPB Daniel Achedjian (https://daniel-achedjian.blogspot.com.br/) me corrige: “Moro no Brasil” foi editado em 1998.