Em questão de alguns poucos anos, o autodenominado Estado Islâmico se tornou um dos grupos jihadistas mais radicais e brutais em ação, responsável por violentos ataques como o que deixou 130 mortos em Paris no mês passado.
Muitos países europeus elevaram seus níveis de alerta, diante da ameaça de novos atentados. Mas qual deve ser a resposta a essa situação?
Nesta quarta-feira, os Parlamentos do Reino Unido e da Alemanha votam propostas polêmicas para autorizar o bombardeio de posições do EI na Síria. Mas essa possibilidade causa grandes divisões.
Há quem acredite que atacar o EI na Síria destruirá a infraestrutura do grupo extremista. Para outros, apenas aumentará o caos na região e o risco de ataques em território europeu.
Confira os principais argumentos a favor e contra a entrada na ofensiva bélica, da qual já participam Rússia, França e uma coalizão liderada pelos Estados Unidos.
CONTRA
Muitos sírios inocentes poderiam morrer
A organização Airwars, que monitora mortes de civis em conflitos, disse que a campanha russa contra posições do EI na Síria deixou, somente em outubro, pelo menos 250 civis mortos.
Redes de TV árabes também reportaram casos de vítimas civis, incluindo crianças, por consequência dos bombardeios que a França lançou contra o EI na cidade síria de Raqqa, depois dos ataques de Paris.
Cerca de 500 mil iraquianos morreram por causas relacionadas à guerra desde a invasão liderada por George W. Bush e Tony Blair em 2003
Quem critica os bombardeios assegura que eles apenas aumentaram o sofrimento da população civil na Síria, onde quatro anos de guerra deixaram mais de 210 mil mortos, entre os quais ao menos 100 mil civis, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, organização sediada no Reino Unido.
O conflito também já gerou quatro milhões de refugiados e ao menos 7,6 milhões de desalojados internos, segundo a Organização das Nações Unidas.
Bombardeios não serão efetivos sem tropas em solo
Em discurso recente no Parlamento britânico, em que defendeu a entrada do Reino Unido nos ataques aéreos contra o EI, o primeiro-ministro David Cameron disse que "especialistas" identificaram "cerca de 70 mil combatentes sírios de oposição em solo e que não pertencem a grupos extremistas".
Legisladores manifestaram descrença na afirmação e pediram a Cameron que explique como se chegou a esse número e de onde exatamente sairão esses soldados.
Há ainda outro complicador: se esses são combatentes de oposição ao presidente sírio, Bashar Al-Assad, que conta com o apoio da Rússia, como Moscou responderá?
Não há estratégia coerente para uma transição política
A sombra da guerra do Iraque pesa forte no debate sobre bombardeios na Síria.
Qual é exatamente a estratégia de Cameron para uma transição política na Síria que encerre a guerra civil? Qual é o plano de reconstrução e quem preencherá o vácuo gerado por uma derrota do EI? Até que ponto vai a moderação de grupos considerados moderados com a Frente Al Nusra?
Alguns legisladores britânicos asseguram que não se repetirá o erro cometido no Iraque, onde a invasão não foi sucedida por um plano efetivo de reconstrução e transição.
O custo humano foi desolador: cerca de 500 mil iraquianos morreram por causas relacionadas à guerra desde a invasão liderada por George W. Bush e Tony Blair em 2003, segundo estudo de 2013 coordenado por Amy Hagopian, da Universidade de Washington.
Os bombardeios criarão mais jihadistas e elevarão os riscos de ataques na Europa
O EI nasceu seis meses após o início da guerra do Iraque e é um "filho" do ex-presidente dos EUA George W. Bush, escreveu o jornalista Jurgen Todenhofer, um dos primeiros a entrevistar líderes do Estado Islâmico.
O ex-prefeito de Londres Ken Livingstone, do Partido Trabalhista, de oposição a Cameron, disse que os bombardeios apenas deixarão o "EI ainda mais decidido a vir para a Europa nos matar".
Os ataques são ilegais
A resolução 2.249 aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU em 20 de novembro convoca os Estados membros a "tomar todas as medidas necessárias, conforme o direito internacional" para "erradicar os refúgios do EI" no Iraque e na Síria.
Mas o texto não autoriza especificamente o uso da força, nem esclarece quais são "medidas necessárias" nem menciona o capítulo VII da Carta da ONU, que contempla ações militares para restaurar a paz e a segurança.
A FAVOR
É inconsistente atacar o EI apenas no Iraque, e não na Síria
Em mensagem ao Parlamento britânico, Cameron destacou que a atual autorização a bombardeios britânicos somente no Iraque "jamais teve sentido sob o ponto de vista militar".
"O EI não reconhece fronteiras entre Síria e Iraque e opera em um único espaço que se estende por ambos países", disse Cameron.
Por outro lado, serviços de inteligência britânicos já colaboram em ataques com drones contra membros do EI na Síria, como o que matou Mohammed Emwazi, britânico conhecido como "John Jihadista", por ter se associado ao grupo.
Os bombardeios, segundo essa visão, seriam o passo lógico seguinte.
Os ataques são necessários para proteger o Reino Unido
"Atuaremos com nossos aliados pelo interesse nacional. É o que devemos fazer para manter nosso país seguro", disse Cameron.
O governo britânico afirmou que o Reino Unido enfrenta uma ameaça real de ataques pelo EI e assegurou ter frustrado ao menos sete atentados planejados contra alvos em território britânico nos últimos 12 meses.
Solidaridade aos aliados
Logo após os atentados em Paris, Cameron disse ao Parlamento que havia uma crescente necessidade de "responder ao chamado dos aliados para atuar contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque".
Dois aliados da Otan (a aliança militar do Atlântico Norte), França e Estados Unidos, já bombardearam alvos do EI na Síria.
Os bombardeios ajudarão a destruir a infraestrutura do EI
Essa infraestrutura é o que permite ao EI fazer fortunas arrecadando impostos, vendendo petróleo e tesouros arqueológicos, atraindo voluntários e bancando ataques em Beirute, Túnis, Paris e outros alvos.
A guerra civil na Síria já deixou mais de 200 mil mortos, além de 4 milhões de refugiados e ao menos 7,6 milhões de desalojados internos.
Cameron insiste em classificar uma possível ofensiva aérea contra o EI como parte de um plano maior.
Em moção aprovada pelo governo na terça-feira, o primeiro-ministro britânico destaca que ações militares contra o EI se inserem em "estratégia mais ampla", que inclui "elementos políticos, diplomáticos e de ajuda humanitária, todos os quais devem ser levados em conta para alcançar a paz na Síria".
Os bombardeios são permitidos pela ONU
A resolução 2.249 da ONU diz que os Estados membros devem adotar "todas as medidas necessárias" para erradicar esconderijos do EI na Síria e no Iraque, e afirma que o grupo representa uma "ameaça sem precedentes à paz e segurança internacionais".
Cameron sempre disse que possui autoridade para agir em legítima defesa.
E a França, que propôs a resolução da ONU em questão, disse que o texto autoriza a legítima defesa coletiva sob o artigo 51 da Carta da ONU, que contempla esse recurso em caso de ataques armados contra um Estado membro.
Após a aprovação da resolução, o governo de François Hollande anunciou imediatamente o reforço da capacidade militar francesa na região e a intensificação dos ataques contra alvos do EI.