Macron — Foto: Thibault Camus/AP
O presidente Emmanuel Macron sabe que é ele, e não Michel Barnier, o alvo direto da insólita aliança entre a coalizão de esquerda e a extrema direita, que derrubou o seu primeiro-ministro por meio de uma moção de censura.
Teoricamente, sua permanência na Presidência está assegurada até 2027. Macron sequer admite a possibilidade de renúncia — um brado veemente de seus opositores — considerando-a “um cenário de ficção científica”.
A aprovação de um voto de desconfiança ao premiê é o produto de um referendo sobre Macron. Ele fez a França mergulhar na mais grave crise política de seus dois mandatos, com a Assembleia Nacional fragmentada em três blocos e sem maioria clara, incapaz de promover consensos.
O único ponto em comum entre os extremos é a oposição contundente ao presidente. Foi Macron que, sem consultar ninguém, dissolveu em junho o Parlamento e convocou novas eleições legislativas. Seu partido acabou em terceiro lugar, atrás do Reunião Nacional, de Marine Le Pen.
Primeiro-ministro da França chega a palácio presidencial para entregar renúncia a Macron
O bloco de esquerda, liderado por Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, foi majoritário, mas, no embalo dos Jogos Olímpicos, Macron optou por deixar o país no vácuo. Somente depois de dois meses de paralisia política, apontou um premiê de centro-direita para o cargo.
Ex-negociador da UE no Brexit, Barnier é um veterano tarimbado em missões complexas. Tinha agora como principal desafio aprovar o Orçamento de 2025, com US$ 60 bilhões (cerca de R$ 360 bi) em cortes de gastos e aumentos de impostos, para reduzir o déficit de 6,1% do PIB.
Sem a adesão dos partidos e diante do impasse, o primeiro-ministro precisou recorrer à ferramenta impopular e já utilizada por Macron, para aprovar um projeto de lei de financiamento da Previdência Social. Invocou o artigo 49.3 da Constituição, que não requer a votação da Assembleia.
Era a deixa necessária para desencadear a moção de censura, que uniu os extremos, com 331 votos, muito acima dos 288 necessários, e derrubou um premiê francês pela primeira vez em seis décadas.
Com Barnier fora do governo —ele apresentou a renúncia na manhã desta quinta-feira (5)— Macron terá que ser rápido na reação, ao indicar um novo primeiro-ministro, que agrade aos dois blocos. Entre os apontados pela imprensa francesa, estão o ministro da Defesa, Sebastien Lecornu, o líder dos Republicanos, Xavier Bertrand, e o presidente do centrista Modem, François Bayrou, e o ex-premiê Bernard Cazeneuve, o único de esquerda na lista.
Quem emergir terá a inglória missão de aprovar o Orçamento de 2025 até o dia 20 de dezembro, sob o risco de o projeto ser enterrado e o imbróglio voltar à estaca zero. Quanto a Macron, o presidente ostenta o rótulo de sobrevivente nesse atoleiro político, mas cavou um buraco ainda mais profundo na impopularidade.
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