Homem passa por um outdoor de propaganda do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, no início da campanha para as eleições presidenciais, em Manágua, em setembro — Foto: Reuters/Maynor Valenzuela
Daniel Ortega varreu o campo de opositores e, a duas semanas das eleições, está pronto para se eleger pela quinta vez presidente-ditador da Nicarágua, num pleito que virou sinônimo de farsa. Ele concorre praticamente sozinho, já que mandou para a prisão os sete pré-candidatos que o desafiaram.
Os outros cinco partidos nanicos que disputam com Ortega e a mulher Rosario Murillo são considerados aliados do regime. Estão na cédula apenas para fazer figura e dar um verniz democrático a uma eleição que não terá observadores internacionais e já caiu no descrédito antes mesmo de as urnas abrirem.
Aos 75 anos, o ditador se valeu de manobras na Constituição que lhe permitiram perpetuar-se no poder. Como observou o escritor Sergio Ramirez, vice-presidente em um de seus mandatos, na Nicarágua a história tem um mecanismo vicioso que se repete: uma ditadura provoca uma revolução para derrubar um ditador e essa revolução cria um ditador que, por sua vez, inicia um ciclo de opressão.
Ex-sandinista, Ramirez também foi alvo do regime. Fugiu do país e buscou exílio na Espanha, após ter a prisão decretada em setembro. Na abertura da assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), esta semana, ele traçou um paralelo entre as duas dinastias que dominaram a Nicarágua:
“Somoza gera Ortega, e o ditador ofendido com a liberdade de expressão, fecha e ocupa a mídia, prende jornalistas ou força-os ao exílio. É a história mordendo o rabo.”
Todos os opositores que se apresentaram para concorrer às eleições foram defenestrados. Ou melhor, estão há pelo menos quatro meses encarcerados, sob acusações de conspiração, traição à pátria, lavagem de dinheiro, amparadas por uma lei aprovada pelo Parlamento que funciona como artifício para afastar críticos do regime.
Cinco ex-presidenciáveis estão na prisão “El Nuevo Chipote”, em Manágua, e dois em prisão domiciliar, como Cristiana Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Chamorro. Ao todo, 39 opositores -- entre eles ex-funcionários do governo e ex-aliados sandinistas -- foram presos nos meses que antecederam a campanha eleitoral.
A mais recente empreitada do regime atingiu o presidente da associação de empresários do país, Michael Healy, preso na quinta-feira, junto com o vice-presidente, Álvaro Guerra. Ele substituía o antigo líder dos empresários, José Adán Aguerri, que caiu em desgraça do ditador por apoiar as demandas pelo fim do regime e foi encarcerado meses antes.
A devassa do regime no campo opositor é ilimitada e abusa da crueldade. O prisioneiro político Max Jerez não teve autorização para visitar a mãe doente e ficou 26 dias sem saber que ela havia morrido.
Ortega transformou a Nicarágua numa grande prisão, conforme resumiu o escritor Sergio Ramirez em sua explanação na SIP. “A ditadura quer um país imobilizado pelo medo e o silêncio enquanto prepara uma farsa eleitoral que não tem a menor legitimidade”, prosseguiu.
A perseguição, contudo, é também um indício de medo exposto pelo governo. Uma pesquisa da respeitada CID-Gallup divulgada nesta semana confirmou os piores temores do ditador: se fosse possível, sete em cada dez nicaraguenses votariam num dos candidatos presos pelo regime. Apenas 19% escolheriam Ortega.
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