Por Bruno Paes Manso e Giane Silvestre, Núcleo de Estudos da Violência da USP


— Foto: Aparecido Gonçalves/G1

Os problemas estruturais, de justiça e de segurança pública são escancarados toda vez que os dados do sistema penitenciário são divulgados. Desde 2017, os governos estaduais aumentaram 28.554 vagas nas prisões e, ao mesmo tempo, 42.058 presos entraram no sistema. A conta não fecha e a superlotação segue em patamar próximo: 1,68 preso por vaga. Com o processo de encarceramento acelerado, dificilmente este cenário será revertido.

A boa notícia deste balanço é que a busca por racionalidade nesse modelo caro e ineficiente começou a surtir efeito a partir de mudanças estruturais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça, que promoveu a realização de audiências de custódias nas varas criminais de todo o Brasil. Como resultado, houve uma visível queda no total de presos provisórios.

Nessas audiências, pessoas presas em flagrante são apresentadas a um juiz, que avalia a legalidade do flagrante, bem como a necessidade de manutenção da prisão, podendo aplicar outra medida cautelar diversa do cárcere até o julgamento.

Alguns estudos como o do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que 4 entre 10 pessoas que respondem a processos presas no Brasil não são condenadas a penas privativas de liberdade, ou seja, ficam presas sem necessidade.

O país segue insistindo no encarceramento como principal forma de controle da criminalidade, num modelo ineficaz, insalubre e que, em muitos casos, mais aumenta episódios de violência do que os diminui.

Em um ano, percentual de presos provisórios cai no Brasil e superlotação diminui

Em um ano, percentual de presos provisórios cai no Brasil e superlotação diminui

Nas prisões superlotadas, com funcionários insuficientes para administrar o dia a dia dos raios, a autogestão dos presos acaba estabelecendo a ordem interna. Mais um fator que fortalece as organizações criminosas.

Além disso, quando os autores de crimes leves deixam o presídio com o carimbo de ex-presidiário, encontram ainda mais dificuldades para seguir uma trajetória profissional longe do crime. Esse modelo acaba facilitando a vida dos chefes das facções com bases prisionais, presentes atualmente em quase todos os estados, que tentam seduzir os jovens cujo futuro o sistema ajudou a inviabilizar.

Em vez de controlar o crime, portanto, o sistema penitenciário acaba consumindo verba pública para empurrar os jovens para o crime.

Depois de fechar o ano de 2019 com 35,9% de presos provisórios, o Brasil vem lentamente diminuindo esse percentual. Os dados do Monitor da Violência mostram que em janeiro de 2020 ainda temos 31% dos presos em situação provisória no país. Este número, porém, tende a ser maior considerando que o estado de Goiás não apresentou o número de presos provisórios deste ano ao levantamento do G1.

A proporção de presos provisórios é bastante diversa nos estados, tornando a geografia do encarceramento no Brasil bastante heterogênea e complexa. Por um lado, sete unidades da federação possuem mais da 40% de seus presos em situação provisória: Ceará lidera o ranking com 54,3%, seguido por Piauí (49,3%), Bahia (49%), Mato Grosso (44,3%), Minas Gerais (43,4%), Alagoas (41,8%) e Tocantins (40,7%). Ao todo, 19 UFs apresentam um percentual de presos provisórios acima do nacional de 31%.

Por outro lado, com exceção de Pernambuco e Mato Grosso do Sul (Goiás não apresentou os dados), todos as UFs apresentaram queda no percentual de presos provisórios em 2020, com destaque para Minas Gerais e Pará, onde a queda foi maior que 10%.

O uso corriqueiro da pena de privação de liberdade, além de ter se mostrado inviável economicamente, tem ajudado a piorar o quadro criminal e a fortalecer as facções com bases prisionais. O remédio em dose excessiva já se parece mais com um veneno do que com uma terapia. Existem alternativas mais efetivas para alcançar justiça que vão além da prisão. As audiências de custódia ajudam colocar o problema na ordem do dia, provocando um debate fundamental para o futuro do país.

Bruno Paes Manso e Giane Silvestre são pesquisadoras do NEV-USP

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