Por Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima, Fórum Brasileiro de Segurança Pública


— Foto: Wagner Magalhães/G1

Os dados divulgados pelo Monitor da Violência indicam que a letalidade produzida pelas polícias estaduais cresceu 4,3% no primeiro semestre deste ano em comparação com o primeiro semestre de 2018. Considerando os dados das 26 UFs que responderam aos pedidos via assessoria ou à solicitação de LAI, foram 2.886 mortes neste ano, contra 2.766 no ano passado.

O único estado que não enviou as informações foi Goiás, alegando que são sigilosos. Em uma postura deplorável, o estado vai na contramão da transparência e esconde dados que são de interesse público e que vinham sendo publicados pelo menos desde 2013, quando o Fórum Brasileiro de Segurança Pública passou a incluí-los em seu Anuário estatístico.

O crescimento na letalidade policial se deve, principalmente, pela alta dos registros no Rio de Janeiro e no Pará. Apesar do aumento, 15 unidades da federação conseguiram êxito no controle do uso da força policial, resultando em menos confrontos e menos mortos em intervenções policiais. Um número ainda maior de estados teve também menos policiais assassinados.

Em um contexto de redução da violência letal, que vem sendo observada desde 2018, o quadro para a grande maioria dos estados merece comemoração e indica que é possível enfrentar o crime e a violência com inteligência, respeito à lei e integração de esforços.

Os dados também revelam o quão distintos são os cenários estaduais, e que padrões de uso da força policial são muito influenciados por culturas organizacionais. Via de regra, as mortes provocadas por intervenções das polícias civis são raras na maioria dos estados, o que se deve em parte ao próprio trabalho que desenvolve, focado na investigação.

Mas no caso da Polícia Militar, responsável por 96% dos casos que resultam em morte, é necessário reconhecer que cada polícia revela padrões diferentes em relação ao uso da força. As polícias militares de Pernambuco, Paraíba, Espírito Santo e Distrito Federal, por exemplo, produzem pouca ou nenhuma letalidade em suas intervenções.

Por outro lado, Pará e Rio de Janeiro preocupam por aparecem novamente como recordistas em relação ao número de mortos em intervenções policiais, com crescimento expressivo entre 2018 e 2019. Não parece ser coincidência, portanto, que ambos concentrem também mais de 1/3 dos policiais assassinados no país (31 dos 85 mortos neste ano).

O principal elemento que une os dois estados, e que deveria preocupar as autoridades federais, é que em ambos existe a consolidação de milícias concorrendo com as facções criminosas tradicionais, muitas das quais formadas por policiais da ativa. No Rio de Janeiro as milícias só passaram a ser compreendidas como um problema a partir de 2008, quando a CPI das Milícias pediu o indiciamento de 225 políticos, policiais e agentes penitenciários. No Pará, a CPI das Milícias teve início em 2014 e revelou a existência de pelo menos três grupos com participação de policiais que vendiam segurança a traficantes, traficavam droga e atuavam também como grupos de extermínio.

O controle do uso da força policial não é apenas discurso necessário a qualquer cidadão que se intitula um democrata. É, antes de tudo, condição básica para a existência da própria democracia. Quando o Estado abre mão do controle de suas polícias, dá margem para que as maçãs podres corrompam a organização e façam dela um agente que, em vez de garantir a ordem, produza o caos.

A transcrição do telefonema de um policial militar para um traficante divulgada nesta semana pelo jornal 'O Globo' é a prova disso. Na ocasião, o policial do Bope encomenda a morte de um major que tentava combater atividades ilícitas na comunidade de Serrinha. Impossível estimar quantos policiais honestos foram assassinados no Pará e no Rio de Janeiro em circunstâncias como essa, na luta pelo combate à corrupção dentro de sua própria organização.

As polícias são organizações públicas que servem aos cidadãos e existem para garantir a paz social. O fato de estarem autorizadas a usar a força não as isenta de controle e responsabilização. Com a discricionariedade que detém seus profissionais, portando armas em nome do Estado, o controle externo de sua atividade é condição básica para garantir a legitimidade de seus atos e para impedir que sejam corrompidas. Quem se opõe ao controle democrático da atividade policial ou é louco ou miliciano.

Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima são diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!