— Foto: Betta Jaworski/G1
Quando a sociedade e as instituições flexibilizam o controle sobre a violência policial, uma parte do efetivo aproveita essa licença para matar para defender seus próprios interesses pessoais e financeiros. Foi o que a situação do Rio de Janeiro ensinou. O estado tem historicamente uma das polícias mais violentas do Brasil e do mundo. Neste ano, policiais fluminenses mataram quase 9 pessoas por 100 mil habitantes, patamar semelhante aos homicídios de todo o estado de São Paulo.
Desta polícia violenta nasceram as milícias, um dos grupos criminosos que mais ameaçam as instituições democráticas brasileiras nos dias de hoje.
Como as milícias estão dispostas a matar aqueles que discordam ou desafiam seus interesses, acabam se expandindo sob o silêncio amedrontado de parte da população, obrigada a se submeter e a ser extorquida por esses grupos. Com tanto poder, os grupos paramilitares do Rio de Janeiro passaram a ganhar dinheiro oferecendo transporte alternativo, TV a cabo, prédios malfeitos sujeitos a desabar, proteção, entre outros serviços. Até alugam territórios a traficantes, como mostraram investigações recentes de promotores locais.
Segundo estimativa do Ministério Público Estadual, esses grupos já dominam cerca de 40% do território do estado. Diante dessa liderança, conseguem direcionar o voto de eleitores, elegendo políticos que agem no Parlamento e no Executivo como representantes de seus interesses.
No Pará, o segundo colocado no ranking da violência policial, a força das milícias já vem sendo investigada e denunciada. Lá, esses grupos cresceram principalmente por associação com os traficantes do estado. As milícias rurais também agem em defesa de grandes proprietários de terra e de grileiros, seguindo a tradição dos matadores de aluguel e da pistolagem, que há anos vigora na região.
A tolerância ao crescimento da violência policial, com destaque para os estados do Nordeste, coloca em sério risco as instituições destas regiões, que ficam sujeitas a testemunhar processos semelhantes ao ocorrido no Rio de Janeiro. A carta branca para matar permite ao policial usar esse poder em defesa de seus lucros e de seus interesses no crime.
Longe de ser uma medida a ser defendida por entidades de direitos humanos, o controle da violência policial deveria interessar sobretudo aos comandos das corporações dispostos a evitar a contaminação de suas instituições por milicianos e por criminosos. Justamente o oposto daquilo que foi proposto no pacote anticrime do ministro Sérgio Moro, que, se for aprovado, pode flexibilizar o já frágil controle sobre os excessos nesta atividade.
Bruno Paes Manso é jornalista e pesquisador do NEV-USP