— Foto: Betta Jaworski / G1
Os dados referentes ao ano de 2018 do Monitor da Violência, projeto do G1 em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), mostram que, felizmente, o Brasil dá mostras de que é, sim, possível reagir de forma articulada e inteligente à escalada da violência e construir um país mais seguro.
Os números consolidados revelam que o país conseguiu, após vários anos de crescimento ininterrupto, reduzir, na média nacional, em 12,8% o número de crimes violentos, categoria que inclui os homicídios dolosos, os latrocínios (roubos com mortes) e as lesões corporais seguidas de morte. Neste total não estão incluídas as mortes decorrentes de intervenção policial.
Olhando para os dados desagregados por unidades da federação, destaca-se a redução de 23,2% em Pernambuco, seguida de perto pela de Alagoas (22,5%), Santa Catarina (22,1%) e Acre (22,1%). Estados como Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul, que em 2017 estavam nas manchetes nacionais por crises na segurança pública, também apresentam tendência de redução dos homicídios, com, respectivamente, 19% e 18,3% de queda em relação ao ano anterior.
E, se analisarmos o que todos estes estados fizeram, vamos perceber que, diante do descontrole da violência e das crises, quase todos começaram a desenhar políticas e estratégias que passarão e passam pela coordenação e integração dos esforços entre União, DF, estados e municípios; todos começaram a perceber que era mais do que urgente chamar todas as esferas de governo e os diferentes poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e órgãos de estado (ministérios públicos, polícias, defensorias, guardas municipais, entre outros) para pactuarem ações de cooperação e articulação.
Cada um de seu modo e dentro de suas possibilidades orçamentárias revisitaram seus programas de redução da violência letal e investiram na revitalização/fortalecimento de iniciativas. Pernambuco revisou estratégias e retomou o Pacto pela Vida, programa premiado de redução da violência. No Recife, o Centro Comunitário da Paz, mais conhecido como Compaz, voltou a ter destaque nas políticas públicas. Em Alagoas, o governo estadual implantou o Programa Força Tarefa, que busca esforços conjuntos.
No Acre, o Ministério Público estadual passou a auditar as estatísticas policiais e cobra medidas quase que tempo real quando ajustes são necessários, aumentando a ideia de planejamento integrado.
Em Santa Catarina, a Polícia Militar tem investido em câmeras corporais instaladas nas fardas dos policiais, bem como em tablets de registro de ocorrências, programas de vizinhança que utilizam o WhatsApp para comunicação instantânea e já atingem uma rede de mais de 100 mil pessoas; e em operações “ferrolho”, que mapeiam todas as rotas e caminhos possíveis para a entrada de drogas e armas no estado.
No Rio Grande do Norte, após as crises prisionais, o governo federal manteve ações durante um período prolongado no estado. No Rio Grande do Sul, programas de prevenção como o POD (Programa de Oportunidades de Direitos) foram acelerados, e o mais importante: investimentos na criação de área integradas entre a Polícia Civil e a Brigada Militar foram priorizados.
E seria possível citar inúmeros outros exemplos de esforços e investimentos feitos ao longo de 2017 e 2018, cujos resultados precisam ser reconhecidos e valorizados. Quase todos foram na direção de fortalecer a cooperação e de estabelecer nortes de ação. Todos reconheceram que muito é feito, mas muita energia é perdida em retrabalhos, disputas de jurisdição ou ruídos no funcionamento de um sistema de segurança e justiça criminal ainda muito burocrático e ineficiente.
É sempre importante frisar que, se fizermos uma análise das estruturas existentes na segurança pública, vamos perceber que várias são as leis e normas que ainda impõem um padrão de trabalho que vai na direção contrária ao que propugna a nossa Constituição, ou seja, a segurança pública como um direito social universal e condição para o exercício da cidadania. E junto com este cipoal arcaico que mantém as instituições amarradas e não permite que elas sejam modernizadas, temos que lidar com os discursos populistas que defendem que as mesmas receitas que não funcionaram nos últimos 75 anos sejam reforçadas e valorizadas.
Política Nacional de Segurança
Dito isso, é meritório de elogios que todos esses esforços tenham desembocado na criação, no meio de 2018, do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) e que, em dezembro de 2018, o país tenha ganhado uma Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social pautada, exatamente, na articulação federativa e republicana; na ideia de que uma nova governança da segurança pública é necessária e possível.
E, mais do que termos uma Política Nacional, já um enorme avanço diante de programas e ações antes descoordenadas e sujeitas aos humores das autoridades, é válido frisar que esta tem validade de 10 anos e estruturará novos mecanismos de financiamento, monitoramento e avaliação das políticas e programas formulados e implementados.
O que pode parecer questão menor ganha relevo quando olhamos para o contexto mais amplo. O Brasil, por exemplo, pediu ingresso na OCDE, organização dos países mais ricos e desenvolvidos no mundo. E, entre as regras da OCDE, está a promoção da transparência e do uso intensivo de evidências e da valorização da participação social. Com isso, nenhuma política pública, seja ela de saúde, educação, de segurança ou de justiça deve ser pensada sem antes estimados seus custos e impactos.
Em resumo, se o poder público e a sociedade aprenderem com as experiências de cooperação e integração de esforços entre diferentes entes e atores como as levadas a cabo em 2018, temos uma oportunidade ímpar de retomar o caminho para um país mais seguro e menos violento. Temos a possibilidade de evitarmos recaídas.
O maior risco posto às conquistas aqui divulgadas é o decreto de liberação da posse de armas, editado pelo governo federal em janeiro deste ano. Fartas são as evidências científicas que indicam que políticas que promovem o incremento de armas em circulação necessariamente geram aumento do número de homicídios e suicídios. Pesquisa divulgada nesta terça-feira (26) pela CNT indica que 52% da população é contra o decreto que flexibilizou a posse de armas de fogo. Qualquer aumento dos homicídios em 2019 será diretamente vinculado à atitude irresponsável do presidente, pautada exclusivamente por sua ideologia populista.
A conquista de 2018 pode ter sido apenas um respiro de um país enfermo e acometido pelo medo, pela violência e pela injustiça. Mas não podemos ficar reféns de profetas bem-intencionados ou salvadores da pátria, muito em voga atualmente. Se acreditarmos naqueles que se arvoram senhores da vida e da morte, o Brasil terá perdido a chance de ser um país que, de fato, possa ser chamado de nação civilizada. É tempo de desembrulharmos nossas certezas e as colocarmos à prova das evidências.
Renato Sérgio de Lima e Samira Bueno são diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
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