Por Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima, Fórum Brasileiro de Segurança Pública


— Foto: Alexandre Mauro/G1

É muito comum ouvir de autoridades e de vários candidatos a cargos públicos na véspera da eleição sugestões de endurecimento penal como panaceia para o grave quadro de violência que atinge o Brasil. Para os defensores destas medidas se faz necessário alterar a legislação penal para punir com mais “rigor” os criminosos.

O que em geral não é dito pelos que defendem estas propostas é que as leis, embora instrumentos fundamentais na busca por justiça, não resolvem por si só o problema da impunidade. Nem as legislações mais draconianas são capazes de punir adequadamente se as instituições do sistema de justiça criminal não forem capazes de investigar, produzir provas e processar os criminosos.

Os dados divulgados pelo Monitor da Violência após um ano de acompanhamento de 1.195 casos de homicídios cometidos de 21 a 27 de agosto de 2017 evidenciam a disfuncionalidade das políticas de segurança pública no Brasil. Mais de 680 casos ainda estão em andamento e em 506 a autoria do crime é desconhecida. Embora em 469 casos as polícias civis identifiquem os autores dos homicídios, em apenas 215 casos houve a prisão dos agressores.

De acordo com a pesquisa “Onde mora a Impunidade”, do Instituto Sou da Paz, o indicador mais confiável para avaliar a efetividade de uma investigação criminal de homicídio é a taxa de esclarecimento, que corresponde à relação entre o número de denúncias oferecidas e o número de crimes registrados. Sob essa métrica, os dados levantados pelo Monitor da Violência indicam uma taxa média de esclarecimento de homicídios de 22,4% no Brasil. Isso significa que, a cada 10 homicídios, apenas 2 geram uma denúncia com potencial para se tornar um processo e chegar a uma condenação no Tribunal do Júri.

Se este dado lhe parece baixo, caro leitor, os dados estaduais revelam quadros ainda mais assustadores. O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, registrou apenas 7 denúncias para os 84 casos de homicídios acompanhados por este Monitor, o que corresponde a uma taxa de esclarecimento de 8,3%. Também com resultados pífios no que diz respeito às investigações criminais encontram-se os estados do Maranhão, com 2 dos 13 casos com denúncia (7,7%), Ceará, com apenas 15 dos 125 casos de homicídio esclarecidos (12%), Pará com 15 dos 105 casos de homicídios resultando em denúncia do Ministério Público (14%) e Bahia com 15 denúncias de um total de 98 homicídios (15,3%). No ano de 2017, estes cinco estados responderam, sozinhos, por 40% de todos os crimes violentos do país.

A boa notícia que o levantamento traz é que alguns estados têm sido capazes de estabelecer mecanismos eficientes de investigação criminal, com taxas de esclarecimento superiores a 60%, como verificado em Tocantins, Piauí e Mato Grosso.

Na prática, o que se verifica é que a investigação de homicídios tem sido pouco valorizada no Brasil, mas, se aperfeiçoada, tende a ser uma das mais poderosas ferramentas de combate à violência. Várias referências internacionais nos mostram que, mais que mudar leis isoladamente ou à mercê do pânico, o que fará a diferença na segurança é esclarecer crimes, identificar seus autores e levá-los à Justiça.

Isso só pode acontecer se houver investimentos reais na capacidade de investigação e de aprimoramento da inteligência de segurança pública. Se faz necessário fortalecer institucionalmente as polícias judiciárias, dotando-as do ferramental básico para exercer sua missão e modernizando seus métodos de trabalho, de modo que sejam mais céleres e menos cartoriais e burocráticos, assim como investir no trabalho pericial, fortalecendo a produção de provas técnicas consistentes.

Se de fato queremos reduzir a violência e punir os criminosos, temos que acordar para a urgência de medidas de modernização do trabalho policial no que diz respeito à qualidade das investigações criminais. Sem dotarmos as polícias de melhores condições operacionais para que as investigações possam chegar a bons termos, estaremos tão somente criando falsas expectativas.

Seja como for, o que o Monitor da Violência nos mostra é que a certeza da punição funciona como importante instrumento dissuasório e ela só existirá quando investirmos vigorosamente na qualidade das investigações criminais. Do contrário, vamos continuar produzindo impunidade.

Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima são diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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