Ivete Sangalo exalta fonoaudióloga mineira durante show em BH
Para aguentar as mais de seis horas diárias de shows durante o Carnaval, arrastando uma multidão quase devota à música popular brasileira baiana, a cantora Ivete Sangalo precisa de mais do que uma fonoaudióloga, precisa de uma pessoa que saiba, também, operar milagres.
Nesta terça-feira (13), após ficar no meio da multidão em Salvador, a cantora ainda seguiu para show em Belo Horizonte, onde fez menção honrosa ao trabalho imprescindível da sua fiel escudeira da voz (veja vídeo acima).
Amizade antiga
Jana Pimenta ao lado da amiga e paciente, Ivete Sangalo — Foto: Arquivo pessoal
Foi em meados dos anos 1990, quando se despedia da Banda Eva para dar o pontapé na tão sonhada carreira solo, que Veveta conheceu Janaína Pimenta, responsável por cuidar de uma das vozes mais marcantes do Brasil. O uso do calor e do frio na garganta é um dos segredos da artista.
"A voz! Meu maior termômetro das emoções. E por conta dessa conexão total com ela, busquei cuidar direito desse bem maior. Foi aí que me encontrei com Janaína", diz Ivete Sangalo no prefácio da tese de doutorado da profissional. (leia mais abaixo)
A fonoaudióloga é de Belo Horizonte, onde tem uma clínica especializada no atendimento a pessoas que trabalham com a voz, mas está sempre acompanhando a artista em shows pelo país e em apresentações de programas de TV.
Nos último sete dias, a cantora fez uma média de 6 horas de shows por dia. Um ritmo que chega a ser impensável para uma pessoa comum, mas não para Ivete Sangalo.
"A grande questão é que ela não é só uma cantora, é uma multiartista. A Ivete leva o corpo dela à exaustão completa. E o meu também", brincou Jana em entrevista ao g1.
A responsabilidade de fazer a voz de Veveta chegar aos ouvidos dos milhões de brasileiros – que são teleguiados não só pelo som do trio – é tanta que Jana criou um método, durante seus anos de pesquisa no mestrado e no doutorado, pensado exclusivamente em Ivete Sangalo.
Frio e calor
O mestrado de Janaína na Universidade Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro, teve como tema os impactos do frio e do calor no tratamento da voz. A inspiração foi, claro, Ivete Sangalo. Se atletas de alta performance usam este recurso para recuperação muscular, por que não usar nas cordas vocais? Afinal, cantores de trio precisam de preparo olímpico.
"A Ivete por si só já é uma tese de doutorado, ela ocupa meu pensamento. Eu brinco que, depois de um Carnaval com ela, qualquer paciente com rouquidão é fichinha", contou.
Neste estudo, a profissional percebeu que o uso da termoterapia era eficaz na preservação de voz de cantores que fazem show extensos (e intensos).
- Segundo a tese, "o método consiste na aplicação de qualquer substância ao corpo que resulta no aumento ou diminuição da temperatura dos tecidos corporais estimulando a termorregulação corporal".
- O uso do calor úmido, aplicado com a ajuda de um vaporizador, é um dos recursos usados por Ivete.
- O gelo aplicado por meio de compressas após as performances também se provou eficaz.
“O uso do calor através do vaporizador é muito eficaz pra mim. Me traz um benefício quase imediato. Muitas vezes, estou um pouco rouco com as cordas vocais fadigadas. Faço a terapia com vapor à tarde e à noite no show percebo a voz recuperada. Quando a Jana me apresentou o tratamento com gelo me causou estranheza, pois sempre ouvi dizer que gelo e frio são prejudiciais para a voz. Mas após passar por um problema e me submeter a um tratamento diário com gelo tive um resultado surpreendente. Hoje, o gelo faz parte do meu cuidado com a voz”, contou a cantora.
Ivete Sangalo na segunda-feira (12) de carnaval em Salvador — Foto: Joilson César/Ag. PicNews
'Agora ou nunca'
Janaína relembra que foi um professor de canto, de Salvador, quem a apresentou para Ivete. Na época, a artista começava ensaiar uma carreira solo, e uma profissional da saúde da voz já era indispensável.
Naquele ano, 1994, a demanda pela voz de Ivete Sangalo era tão alta que ela chegou até Jana com as cordas vocais machucadas e exaustas.
"Eram inúmeros shows por semana, mas não tinha espaço para lesões. Ela teve essa oportunidade na carreira e me disse: 'É agora ou nunca'", relembrou.
A aposta deu certo. Ivete não só conseguiu recuperar as cordas vocais como levou a música baiana para todos os cantos do Brasil e outros países.
Além da cantora, Janaína trabalhou com outros grandes nomes da música brasileira, como Milton Nascimento, Djavan, Samuel Rosa, Chico Buarque, entre outros.
A voz de Ivete
Os métodos criados pela "fono" para atender Ivete funcionam não só nos palcos, mas também nos momentos em que a única voz possível é a da artista. Na segunda-feira (12), uma sequência de problemas assustou a cantora baiana e todos que acompanhavam o show no circuito Dodô, na Barra/Ondina, em Salvador.
Um tubo de gás carbônico que era usado para fazer os efeitos especiais no trio elétrico explodiu durante o desfile. Duas pessoas acabaram feridas.
Além disso, Ivete acabou inalando substância do spray de pimenta, que teve efeito direto na voz da cantora. Logo em seguida, o trio elétrico apresentou problemas e quase tombou no meio da multidão.
Jana contou que, no meio da confusão, Ivete teve medo de não conseguir falar ao público porque ficou sem voz ao ser atingida pelo spray.
"Foi o Carnaval mais difícil da nossa carreira. Em qualquer situação o profissional deveria cancelar a apresentação. Mas, quando vi, eram milhares de pessoas ali, gente que saiu de suas cidades e estados. Poderia ser o caos", afirmou.
A fono precisou pedir que a cantora "segurasse as pontas" para ao menos orientar toda aquela multidão.
"Eu olhei para ela e falei: 'Em todo esse tempo, nunca te pedi isso, mas agora você precisa cantar'. Ela precisava da voz para conduzir todas aquelas pessoas, senão elas poderiam se machucar. Nesse dia eu me dei ainda mais conta de como é sério o meu trabalho".
Janaína Pimenta e Ivete Sangalo — Foto: Arquivo pessoal
A irmã mais velha que todo o Brasil queria ter
Ivete e Jana desenvolveram uma relação de amizade ao longo dos últimos 30 anos. A fono acompanha de perto a rotina da cantora e tem nela uma figura de "irmã mais velha", aquela pessoa que te inspira a ser alguém melhor.
Mesmo com tanto trabalho para acompanhar de perto a rotina alimentar, de sono e de shows da artista, Jana não deixa de lembrar do ser humano por trás de todas as performances que fazem o Carnaval tomar forma, cor e timbres.
"Ela é, de fato, uma grande terapeuta. Sou filha única, e Ivete teve o primeiro filho antes de mim. Ela me ensinou tanto... foi a irmã mais velha que eu precisava", disse.
Com o fim da temporada insana de apresentações no Carnaval 2024, Janaína agora descansa após longos dias de imersão total à rotina de Veveta.
"A Ivete me descobriu. Hoje temos profissionais que acompanham/atendem cantores, e lá no início da carreira dela isso não era tão frequente. O trabalho dela movimentou uma classe profissional inteira. A fonoaudiologia cresceu com a Ivete", contou Jana.