Ouro Preto (imagem de arquivo) — Foto: Eduardo Tristão - Setic /Prefeitura de Ouro Preto
A Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), na Região Central de Minas Gerais, tem 59 repúblicas federais destinadas a moradias estudantis, mas quem cuida do processo de seleção para acesso a esses espaços não é a instituição ou a União, são os próprios estudantes.
Segundo a UFOP, os processos de seleção devem ter duração máxima de três meses e avaliar "o espírito de solidariedade e senso de comunidade" dos candidatos.
A resolução 1.540 do Conselho Universitário da universidade determina, ainda, que os estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica provenientes de municípios distintos de Ouro Preto e Mariana sejam priorizados no ingresso às repúblicas.
Mas, de acordo com o coordenador-geral do Diretório Central Estudantil (DCE) da UFOP, Pedro Miguel, isso não acontece.
"A questão socioeconômica não é levada em consideração, de forma nenhuma. Os estudantes que gerenciam as casas não se importam com isso. Se é boa ou não, não é isso que vai te colocar lá dentro", disse.
Segundo ele, o processo de seleção varia entre as moradias. As repúblicas têm capacidade total para 794 estudantes. Atualmente, segundo a UFOP, abrigam 525.
"Na maioria das repúblicas, o estudante ingressa na casa e ali começa um processo que se chama 'batalha'. Ele cumpre umas tarefas dentro da casa. Algumas repúblicas não fazem simples tarefas e acontece essa questão dos trotes. Alguns são mais pesados, outros mais tranquilos", afirmou.
Outra resolução do Conselho Universitário da UFOP, de número 1870, proíbe o trote estudantil no âmbito da universidade. Segundo a publicação, "as práticas desenvolvidas nas residências estudantis com os candidatos a moradores conhecidas como 'batalhas' são caracterizadas como trote" e estão sujeitas a penalidades.
No entanto, há relatos, por exemplo, de trotes envolvendo excesso de bebida alcoólica e de estudantes sendo obrigados a fazer o que não querem.
A Polícia Civil está investigando um trote que teria deixado um estudante da UFOP em coma. Segundo a mãe da vítima, ele foi obrigado a beber diversos copos de cachaça e até molho de pimenta misturado com molho de soja e, quando estava embriagado, os colegas de república teriam dado nele um banho de água gelada misturada com pó de café.
O DCE defende que a comunidade escolar participe das discussões sobre as formas de ingresso às repúblicas e que a universidade assuma a responsabilidade por esses espaços.
"A gente concorda que o sistema republicano em Ouro Preto é muito falho, é propício para que aconteça esse tipo de coisa que aconteceu agora (...) Estamos falando de espaços que pertencem ao poder público sendo gerenciados por estudantes, e isso não deveria acontecer. O poder público, a universidade têm que ser responsáveis pelo que acontece nesses locais", afirmou.
Um ex-estudante da UFOP, que não quis ser identificado, disse que preferiu pagar por uma república particular depois de entender como funcionavam os processos de seleção para as moradias federais.
"Imagine, você se humilhar tanto, por muitas vezes abrir mão do seu primeiro período, e no final não ser escolhido e ser mandado embora de uma república federal", falou.
Processo de adaptação
O diretor da Associação das Repúblicas Federais de Ouro Preto (Refop), Lucas de Paulo, disse que a entidade tem trabalhado para deixar para trás o "passado obscuro" das moradias.
Segundo ele, as batalhas não existem mais, e os estudantes não precisam competir entre si por uma vaga nas repúblicas.
"Hoje em dia, a gente chama de período de adaptação. Além de ser um momento que possibilita que os moradores conheçam quem está chegando, é o momento que nós dividimos algumas das funções, até para a pessoa entender como é a dinâmica da casa. É quando vemos se a pessoa desperta interesse e capacidade de promover a manutenção da casa, que é responsabilidade nossa", afirmou.
De acordo com Lucas, casos como o investigado atualmente pela Polícia Civil são isolados e não representam a realidade atual das repúblicas.
"Com muito esforço, a gente tem, ano após anos, coibido esse tipo de atitude, para que pessoas imaturas, quando se instalam nesses imóveis, não promovam nenhum tipo de abuso, nenhum tipo de atrocidade. Isso não representa quem a gente quer ser e a gente é. Não representa os esforços que a gente tem feito para que as repúblicas sejam um espaço democrático e inclusivo", disse.
Ele afirmou, ainda, que as repúblicas priorizam estudantes em vulnerabilidade socioeconômica.
"Se uma pessoa declaradamente em vulnerabilidade econômica se apresenta para o sistema republicano, ela vai ser, sim, acolhida, porque essa é a normativa que a gente defende".
O que diz a UFOP
Em nota, a UFOP afirmou que "a supervisão das Repúblicas Federais é permanente, com a divisão de competências internas. O cadastro dos moradores e o acompanhamento pedagógico é realizado pela Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis; a realização de eventos e as obras são supervisionadas pela Pró-reitoria de Planejamento e Administração e pela Prefeitura Universitária".
Segundo a instituição, para evitar as batalhas, "é realizada uma conscientização dos alunos ingressantes a partir da apresentação das normativas institucionais pelo Programa Bem-vindo Calouro". Todo ingressante na moradia é informado sobre a proibição do trote.
Sobre a ideia defendida por alguns estudantes de que a universidade assuma a responsabilidade pela seleção dos moradores, a UFOP disse que "as construções das resoluções das moradias, sejam as socioeconômicas ou de gestão compartilhada, foram construídas em conjunto com a comunidade acadêmica, sendo que as alterações no sistema devem passar pelo mesmo procedimento".