Desastre de Mariana completa 5 anos — Foto: Lucas Franco/TV Globo
“O recado, não há dúvida, é de impunidade. A população não pode conviver mais tempo com a espera de uma reparação que já tardou cinco anos para chegar”, diz o procurador Edmundo Dias.
Ele é um dos integrantes do Ministério Público Federal (MPF) que atuam para garantir que sejam cumpridas as ações de reparação de danos causados pelo desastre de Mariana, que completa cinco anos nesta quinta-feira (5).
Uma roça sem plantação, sem bicho no terreiro. E o clima é pesado, pura tristeza no ar. “Não é fácil, não. Nossa vida virou uma bagunça. E a incerteza, que a gente não tem certeza de nada”, diz a funcionária pública aposentada Maria das Graças Quintão Santos.
- Tragédia de Mariana, 5 anos: sem julgamento ou recuperação ambiental, 5 vidas contam os impactos no período
- 'O recado, não há dúvida, é de impunidade', diz procurador
- 'Morreu sem saber o que estava acontecendo', relembra mãe de menina de 5 anos vítima da tragédia
- Idoso acredita que não estará vivo quando casas destruídas pela tragédia de Mariana forem entregues
- 'A gente vai ficando cada vez mais sem chão', diz morador de Bento Rodrigues que espera por casa há 5 anos
- 'Temos um risco muito grande que milhares de pescadores tenham redução no auxílio', diz defensor público
- Protestos, homenagens e exposição marcam 5 anos do desastre
- Segurança de barragens esbarra em legislação frágil e falta de fiscais, apontam especialistas
Os amigos de sempre, os vizinhos queridos. Hoje eles são visitantes no lugar que ainda pertence a eles: as ruínas do distrito de Bento Rodrigues.
Os moradores se reúnem, aos fins de semana, na parte que sobrou da comunidade. São reencontros dolorosos, mas necessários. Dessa forma, um dando força para outro, é que eles mantêm viva a esperança de reaver um direito que foi tirado das famílias à força.
A lama de rejeito da mineradora Samarco fez a maior parte do vilarejo de Bento Rodrigues virar área de risco para sempre.
Esqueletos das casas seguem manchandos de marrom e sustentando sentimentos de revolta — Foto: Lucas Franco/TV Globo
Cinco anos depois, o mato não escondeu todas as marcas da tragédia. Os esqueletos das casas seguem tingidos de marrom e sustentam sentimentos de revolta.
Enquanto esperam o reassentamento, mais de 200 famílias vivem em casas alugadas pela Renova, fundação criada por Samarco, Vale e BHP para cuidar das ações de reparação.
Relembre reportagem de maio de 2019: Atuação da Fundação Renova é discutida na ALMG
A maioria das vítimas aceitou trocar o campo pela cidade, onde havia oferta suficiente de moradia, apenas provisoriamente.
“A gente não imaginava que ia ficar dentro de um apartamento, uma caixinha durante 5, 6, 7, sabe-se lá quanto anos mais, né? Então assim, lá [na cidade] não tem como a gente plantar. A nossa vida lá [na cidade] não é a vida que a gente tinha planejado”, diz a estudante Mônica dos Santos.
A data de ida para o endereço definitivo ainda é incerta. A Renova restringiu, por causa da pandemia, as visitas ao canteiro do novo Bento. Estruturas como escola e posto de saúde estão em fase de conclusão.
Mas a nova comunidade ainda não tem cara de bairro. Apenas duas das mais de 200 casas estão prontas para morar. A maioria dos terrenos nem recebeu o primeiro tijolo.
Comerciante Mauro Marcos da Silva mostra o que sobrou da casa do pai — Foto: Lucas Franco/TV Globo
“A Renova fala uma coisa, mas na hora de cumprir é totalmente diferente, visto o próprio reassentamento que estava previsto inicialmente, palavras da Renova, para março de 2019, num acordo com a Justiça foi para agosto de 2020, depois para 27 de fevereiro de 2021. E a gente sabe que esse prazo jamais vai ser cumprido”, diz o comerciante Mauro Marcos da Silva.
De acordo com a Fundação Renova, a pandemia impactou o ritmo das obras. “Então nós hoje, nos dois reassentamentos principais, o de Bento Rodrigues e o de Paracatu de Baixo, nós deveríamos ter 5 mil pessoas trabalhando nos reassentamentos. Temos 1,7 mil”, diz o diretor-presidente da Fundação Renova.
O Ministério Público de Minas diz que a Renova só cumpre o papel dela quando recebe ordem da Justiça.
“As indenizações só começaram a ser pagas depois que nós entramos com uma ação civil pública e fizemos um acordo em juízo. Nesse acordo é que nós estabelecemos todas as regras para indenização das quais eu destaco: o direito à indenização integral, danos morais, danos materiais, lucros cessantes e o direito à inversão do ônus da prova. Só que a Renova, na hora de ela fazer a negociação com as famílias, ela muitas vezes coloca valores abaixo do mercado para tentar economizar no pagamento de indenizações e aí muitas famílias não aceitam essas propostas e entram com uma execução individual", afirma o promotor Guilherme Meneghin.
A maior tragédia individual do país do país matou 19 pessoas naquele 5 de novembro de 2015. A lama tóxica da Samarco percorreu cerca de 600 km. Atingiu o Rio Doce, comprometeu o abastecimento de água em cidade de Minas Gerais e do Espírito Santo, matou várias espécies de peixes e chegou ao Oceano Atlântico.
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou 22 executivos e funcionários das mineradoras por crimes como homicídio qualificado, inundação e desabamento.
A ação ficou paralisada por meses até que desembargadores do Tribunal Regional Federal livraram todo os réus do crime de homicídio, ou seja, de julgamento por júri popular. Sete réus continuam respondendo pelos outros crimes, que têm penas menores.
“Na verdade, há uma descrença nos órgãos do estado que não impuseram a essas empresas rés, Samarco Vale e BHP Billiton, meios de realizarem uma reparação integral, célere e efetiva”, avalia o procurador Edmundo Dias.
A estudante Mônica Santos acredita que as faltas de repostas contribuíram para outro desastre, o rompimento da barragem da Vele, em Brumadinho (MG).
"Você acha que se a Justiça existisse, o crime que aconteceu aqui, se os responsáveis tivessem sido presos, você acha que teria repetido em Brumadinho? Você acha que precisava morrer 200 e tantas pessoas depois do que aconteceu aqui? Se tivesse justiça, a gente não teria reparação integral e justa? Que justiça é essa?", questiona.
O que dizem as mineradoras
A mineradora Samarco declarou que os impactos causados pelo rompimento da barragem de Fundão nunca serão esquecidos pela empresa e ressaltou a complexidade das ações que estão sendo executadas pela Fundação Renova, como as compensações financeiras, recuperação da flora e da fauna, além dos processos de reassentamento.
A Vale e a BHP Billiton, acionistas da Samarco, afirmaram que estão comprometidas com as ações de reparação conduzidas pela Fundação Renova.
De acordo com a Vale, esses programas receberam, até agora, mais de R$ 10 bilhões.
Segundo a Fundação Renova, as obras de reparação das áreas atingidas devem terminar até 2030.
Sobre o processo de indenização, a Renova afirmou que ele foi iniciado em outubro de 2018, após um acordo celebrado a partir de uma ação civil pública ajuizada pelo MPMG.
Dessa data até o 31 de agosto deste ano, já foram realizados 345 pagamentos, em Mariana, totalizando R$ 161 milhões, segundo a Fundação Renova.
Vídeos mais vistos nos últimos 7 dias no G1 MG
TRAGÉDIA DE MARIANA, 5 ANOS DEPOIS
-
Reconstrução de distritos destruídos se arrasta por quase cinco anos
-
Em 5 anos, apenas 10% dos rejeitos retidos na usina de Candonga são retirados
-
Estudo permite rastreamento de resíduos pelo Rio Doce e oceano
-
'Morreu sem saber o que estava acontecendo', relembra mãe de menina vítima da tragédia de Mariana