Por Michelly Oda, Grande Minas


Atualmente, Edneia Ribeiro atua como professora do IFNMG — Foto: Glauber Prates / Divulgação

Textos e poemas inéditos de João Cabral de Melo Neto, descobertos por uma pesquisadora mineira, farão parte de dois livros comemorativos do centenário do escritor.

A “Poesia completa” e a “Prosa reunida” devem ser lançados ainda no primeiro semestre, pela editora Alfaguara. O poeta era natural do Recife, nasceu em 6 de janeiro de 1920 e morreu em 9 de outubro de 1999.

Edneia Ribeiro descobriu os inéditos quando fazia pesquisas para sua tese de doutorado “Um Museu de duas faces: poesia de circunstância em João Cabral de Melo Neto”, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O material foi encontrado no arquivo do Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, entre 2016 e 2018.

“Não foi um trabalho simples, fruto do acaso, como diria o próprio João Cabral”, fala.

A pesquisadora, que atualmente trabalha como professora no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) em Montes Claros, tinha como objeto de pesquisa os poemas de Cabral que falavam de outros escritores. Inicialmente, analisou correspondências trocadas pelo poeta com amigos como Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes.

“Terminei o trabalho com as cartas e passei a vasculhar materiais em outras seções, como manuscritos de originais de livros, da prosa e da produção intelectual de João Cabral”, explica a pesquisadora. Somente o inventário analítico com a relação do material possui quase 600 páginas.

Em 2016, Edneia Ribeiro identificou três poemas, 20 textos em prosa e uma conferência inédita com cerca de 30 laudas. A última, chamada “A poesia brasileira”, continha anotações escritas à mão por João Cabral, que indicavam ter sido “feita no Recife,1954, nunca publicada.”

Posteriormente, encontrou outros 40 poemas no espólio de João Cabral, que fica sob os cuidados da Casa de Rui Barbosa. Ela conta que ainda fez levantamentos no Gabinete Real de Leitura, na Fundação Biblioteca Nacional e no Museu da Imagem e do Som.

“Entre as dificuldades enfrentadas no desenvolvimento desse tipo de trabalho, destacam-se a vasta quantidade de material a ser consultado e o fato de os documentos inéditos encontrarem-se nas mesmas pastas em que há outros já publicados. Isso demanda bastante paciência e familiaridade com a obra do poeta”, fala.

Os mais de 10 anos como estudiosa de Cabral e a exigência do orientador – o poeta e professor Sérgio Alcides – para que dominasse as obras do autor são apontados por Edneia Ribeiro como fundamentais para identificar o material que ainda não era de conhecimento público.

“Ainda hoje me questiono: Como foi possível? Por que eu? Como se procurasse respostas para algo tão extraordinário, releio o material que transcrevi e sinto uma pitada de orgulho por ter dado essa contribuição à Literatura Brasileira.”

Livros comemorativos do centenário

Após fazer a descoberta dos inéditos, Edneia procurou pela família de João Cabral em 2016. A ideia era obter autorização para fotografar “A poesia brasileira”. Ela conseguiu falar com Inez Cabral, filha do escritor, somente em outubro de 2019. A pesquisadora foi então convidada a participar do projeto de reedição das obras completas do autor.

“Tanto a Inez quanto o pessoal da editora e da agência que cuida dos direitos autorais, demonstraram surpresa e entusiasmo com a minha descoberta. Afinal, tomar conhecimento da existência de tantos textos inéditos que poderiam permanecer desconhecidos dos leitores por tempo indeterminado é uma notícia maravilhosa.”

Estudioso da obra de Cabral há mais de 40 anos, o acadêmico, poeta e crítico literário Antônio Carlos Carlos Secchin é o organizador da “Poesia completa”. Já “Prosa reunida”, tem organização do professor Sérgio Martagão Gesteira.

“Embora já tenham saído outras publicações de 'poesias completas', esta será, a meu ver, a que vai merecer esse título, na medida em que, diferente de todas as anteriores, será a única a conter uma volumosa seção de 'Dispersos e inéditos', a cargo de Edneia, além de dois livros póstumos do poeta”, destaca Secchin.

Secchin admite ter sido sempre um admirador da poesia de Cabral, mas foi na França, em 1977, que passou a estudá-la mais profundamente para um curso ministrado para alunos da pós-graduação, em Bodeaux.

“O autor que permanece é aquele que representa muitas coisas. No caso de Cabral: a consciência de que arte não se resolve em conteúdos, mesmo bem-intencionados, mas na obsessiva atenção à materialidade, à forma do poema; a criação de uma obra que, mesmo falando de seu tempo e de seu lugar, seja capaz de ultrapassá-los pela dimensão universalizante das questões que apresenta; a capacidade de criar uma linguagem própria, em vez de ceder às tentações facilitadoras que são aplaudidas na hora, mas esquecidas pouco depois”, explica.

‘O homem que lê quer ler-se no que lê’

O primeiro contato de Edneia Ribeiro com João Cabral aconteceu no ensino médio, com a leitura de “Morte e Vida Severina”. Mas, em 2001, ao ingressar no curso de letras na Universidade Estadual de Montes Claros, os vínculos com o escritor foram estreitados e renderam o mestrado e o doutorado em letras/estudos literários.

“Minha trajetória profissional e acadêmica é marcada por transpor fronteiras, entre as quais as geográficas. Sempre precisei migrar para estudar ou trabalhar, talvez, venha daí a minha identificação com os versos do João Cabral. Afinal de contas, em certos aspectos, ‘somos muitos Severinos iguais em tudo na vida”, explica.

A pesquisadora é natural de Capitão Enéas e morou por 18 anos na zona rural. Ela saiu do pequeno município ao passar no vestibular.

Além da qualidade poética dos versos, fruto do perfeccionismo definido por João Cabral como “fazer extremo”, Edneia Ribeiro fala que o encantamento pela obra dele se deu em função das temáticas abordadas, com destaque para os problemas vividos pelo homem do sertão.

“Conforme o próprio poeta diz: ‘O homem que lê quer ler-se no que lê, quer encontrar-se naquilo que ele é incapaz de fazer’. Então, quando João Cabral traz o homem do sertão nordestino para a sua poesia, sinto como se ele retratasse os norte-mineiros e outros brasileiros de regiões excluídas dentro do seu próprio país”, destaca.

Veja reportagem sobre os 100 anos do nascimento de João Cabral de Melo Neto exibido na columa "Memória", do Jornal GloboNews.

‘Memória’: 100 anos do nascimento de João Cabral de Melo Neto

‘Memória’: 100 anos do nascimento de João Cabral de Melo Neto

Veja mais notícias da região em G1 Grande Minas.

Veja também

Mais lidas

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!