Por Roberto Peixoto, g1


  • A Câmara ignorou mudanças feitas pelo Senado e retomou trechos de uma medida provisória que enfraquecem regras de proteção da Mata Atlântica.

  • Os deputados ainda aceleraram a tramitação de um projeto que dificulta a demarcação de terras indígenas.

  • Comissão mista formada por deputados e senadores aprovou ainda parecer que tira do Ministério dos Povos Indígenas a gestão sobre demarcação de terras.

Área de desmatamento da Mata Atlântica no Paraná, em sobrevoo da SOS Mata Atlântica em março de 2023. — Foto: Zig Koch/SOS Mata Atlântica

Entidades ambientais e ativistas reagiram ao que classificam de "boiadas" que o Congresso Nacional deixou passar na quarta-feira (24) e criticaram mudança que pode facilitar o desmatamento da Mata Atlântica.

👉 Contexto: O termo faz referência a uma declaração, durante a pandemia, de Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, que defendeu passar "a boiada" e mudar regras do setor ambiental enquanto a atenção da mídia estivesse voltada para a Covid-19.

O que vimos ontem foi a noite das boiadas. Sabemos que o Congresso hoje é antiambientalista, ruralista e bolsonarista. A decepção ficou por conta do governo, que aceitou essa negociação e entregou as agendas. O governo abriu a porteira para a boiada que o Congresso desejou passar.
— Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que reúne diversas organizações

Três medidas foram criticadas e tratam de:

  • Mata Atlântica: Mudanças aprovadas em uma medida provisória enfraquecem regras de proteção do bioma.
  • Demarcação de terras indígenas: Deputados aceleraram a tramitação de projeto que dificulta a demarcação.
  • Esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas: Comissão mista do Congresso aprovou parecer que tira poderes dessas duas pastas.

Abaixo, leia mais sobre cada uma delas.

🌱 Mata Atlântica

Uma das medidas criticadas foi a decisão da Câmara dos Deputados de ignorar mudanças feitas pelo Senado e retomar trechos de uma medida provisória que enfraquecem regras de proteção da Mata Atlântica. Segundo ambientalistas, na prática, os dispositivos facilitam o desmatamento do bioma.

O texto segue agora para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderá sancioná-lo ou vetá-lo.

Inicialmente, a medida provisória editada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro tratava apenas da prorrogação para que imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

💥 Ao passar na Câmara pela primeira vez, no entanto, os deputados incluíram mudanças na Lei da Mata Atlântica, como:

  • o fim da exigência de compensação em caso de desmatamento fora das áreas de preservação permanente para a construção de empreendimentos lineares, como linhas de transmissão, e, na avaliação de especialistas, até de condomínios e resorts.
  • a flexibilização do desmatamento de vegetação primária (original) e secundária em estágio avançado de regeneração.
  • fim da necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana, passando a atribuição para órgão ambiental municipal.
  • fim da obrigatoriedade do estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de animais silvestres para a implantação de empreendimentos.

Quando o texto seguiu para o Senado, os senadores retiraram esses pontos por considerá-los sem relação com a matéria original, o que, no jargão parlamentar, se chama jabuti.

Como teve mudança durante a tramitação no Senado, a MP teve que voltar para a Câmara, que, em uma segunda votação, porém, devolveu esses trechos polêmicos ao texto.

Para a Fundação SOS Mata Atlântica, os jabutis inseridos pela Câmara no texto colocam a floresta em risco.

Na avaliação de Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da entidade, a MP permite o desmatamento de florestas até então intactas na Mata Atlântica, passando por cima da lei específica que protege o bioma.

"O presidente Lula não pode permitir que rasguem a Lei da Mata Atlântica que ele mesmo sancionou", afirmou.

Além disso, a MP altera pela sexta vez o prazo de adesão ao programa de adequação ambiental previsto no Código Florestal, deixando em suspenso a restauração de mais de 20 milhões de hectares no Brasil.

🌿 Desmatamento

Novos dados divulgados pela SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que a realidade já é preocupante para a Mata Atlântica atualmente:

Em nota, o Observatório do Clima,também afirma que o texto enfraquece a proteção à Mata Atlântica, "como sonhara Ricardo Salles".

"Os jabutis retirados no Senado voltaram à medida provisória. Só resta a Lula vetá-los", diz a entidade.

📅 Marco temporal para demarcação

No fim da sessão de quarta, os deputados ainda aceleraram a tramitação de um projeto que dificulta a demarcação de terras indígenas.

Com a aprovação de um requerimento de urgência, o texto poderá ser votado diretamente no plenário, sem ser debatido pelas comissões temáticas da Câmara, algo que também é duramente criticado por entidades ambientais.

  • A proposta cria um “marco temporal” para as terras consideradas "tradicionalmente ocupadas por indígenas", exigindo a presença física dos índios em 5 de outubro de 1988.
  • Segundo o texto, a interrupção da posse indígena ocorrida antes deste marco, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada. A exceção é para caso de conflito de posse no período.
  • Para os indígenas, no entanto, essa exigência não faz sentido porque, historicamente, eles foram perseguidos e gradativamente expulsos de suas terras.

A federação que inclui PT, PC do B e PV orientou o voto contrário ao projeto, mas o deputado Rubens Junior (PT-MA), falando como líder do governo, liberou a bancada para votar como preferisse, o que gerou críticas de entidades.

Na tentativa de assegurar uma suposta governabilidade, o governo está fazendo concessões absurdas. Chegou ao ponto de liberar bancada para a urgência de uma proposta que implode com os direitos dos povos indígenas, o PL 490.
— Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do OC e ex-presidente do Ibama

📋 Direitos indígenas e grilagem

Outro ponto de crítica dessas entidades é a medida provisória que reestrutura os ministérios do governo Lula e retira poderes das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Entre as mudanças estão:

Demarcação de terras: O texto aprovado por uma comissão mista (formada por deputados e senadores) transfere do Ministério dos Povos Indígenas para o da Justiça a competência para reconhecer e demarcar terras indígenas. A proposta agora será votada nos plenários da Câmara e do Senado.

Cadastro Ambiental Rural: Uma das mudanças previstas na MP transfere o CAR, que é um registro público obrigatório para todos os imóveis rurais, do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

O cadastro é usado para mapear a grilagem de terras e fazer o controle de áreas desmatadas.

Veja também

Fique por dentro

Mais do G1
Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!