Área de desmatamento da Mata Atlântica no Paraná, em sobrevoo da SOS Mata Atlântica em março de 2023. — Foto: Zig Koch/SOS Mata Atlântica
Entidades ambientais e ativistas reagiram ao que classificam de "boiadas" que o Congresso Nacional deixou passar na quarta-feira (24) e criticaram mudança que pode facilitar o desmatamento da Mata Atlântica.
👉 Contexto: O termo faz referência a uma declaração, durante a pandemia, de Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, que defendeu passar "a boiada" e mudar regras do setor ambiental enquanto a atenção da mídia estivesse voltada para a Covid-19.
Três medidas foram criticadas e tratam de:
- Mata Atlântica: Mudanças aprovadas em uma medida provisória enfraquecem regras de proteção do bioma.
- Demarcação de terras indígenas: Deputados aceleraram a tramitação de projeto que dificulta a demarcação.
- Esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas: Comissão mista do Congresso aprovou parecer que tira poderes dessas duas pastas.
Abaixo, leia mais sobre cada uma delas.
🌱 Mata Atlântica
Uma das medidas criticadas foi a decisão da Câmara dos Deputados de ignorar mudanças feitas pelo Senado e retomar trechos de uma medida provisória que enfraquecem regras de proteção da Mata Atlântica. Segundo ambientalistas, na prática, os dispositivos facilitam o desmatamento do bioma.
O texto segue agora para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que poderá sancioná-lo ou vetá-lo.
Inicialmente, a medida provisória editada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro tratava apenas da prorrogação para que imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).
💥 Ao passar na Câmara pela primeira vez, no entanto, os deputados incluíram mudanças na Lei da Mata Atlântica, como:
- o fim da exigência de compensação em caso de desmatamento fora das áreas de preservação permanente para a construção de empreendimentos lineares, como linhas de transmissão, e, na avaliação de especialistas, até de condomínios e resorts.
- a flexibilização do desmatamento de vegetação primária (original) e secundária em estágio avançado de regeneração.
- fim da necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana, passando a atribuição para órgão ambiental municipal.
- fim da obrigatoriedade do estudo prévio de impacto ambiental e da coleta e transporte de animais silvestres para a implantação de empreendimentos.
Quando o texto seguiu para o Senado, os senadores retiraram esses pontos por considerá-los sem relação com a matéria original, o que, no jargão parlamentar, se chama jabuti.
Como teve mudança durante a tramitação no Senado, a MP teve que voltar para a Câmara, que, em uma segunda votação, porém, devolveu esses trechos polêmicos ao texto.
Para a Fundação SOS Mata Atlântica, os jabutis inseridos pela Câmara no texto colocam a floresta em risco.
Na avaliação de Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da entidade, a MP permite o desmatamento de florestas até então intactas na Mata Atlântica, passando por cima da lei específica que protege o bioma.
"O presidente Lula não pode permitir que rasguem a Lei da Mata Atlântica que ele mesmo sancionou", afirmou.
Além disso, a MP altera pela sexta vez o prazo de adesão ao programa de adequação ambiental previsto no Código Florestal, deixando em suspenso a restauração de mais de 20 milhões de hectares no Brasil.
🌿 Desmatamento
Novos dados divulgados pela SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que a realidade já é preocupante para a Mata Atlântica atualmente:
- Em um período de um ano, entre outubro de 2021 e de 2022, mais de 20 mil hectares da floresta foram derrubados.
- É a segunda maior área desmatada dos últimos seis anos, uma taxa que equivale a um Parque Ibirapuera desmatado a cada três dias.
Em nota, o Observatório do Clima,também afirma que o texto enfraquece a proteção à Mata Atlântica, "como sonhara Ricardo Salles".
"Os jabutis retirados no Senado voltaram à medida provisória. Só resta a Lula vetá-los", diz a entidade.
📅 Marco temporal para demarcação
No fim da sessão de quarta, os deputados ainda aceleraram a tramitação de um projeto que dificulta a demarcação de terras indígenas.
Com a aprovação de um requerimento de urgência, o texto poderá ser votado diretamente no plenário, sem ser debatido pelas comissões temáticas da Câmara, algo que também é duramente criticado por entidades ambientais.
- A proposta cria um “marco temporal” para as terras consideradas "tradicionalmente ocupadas por indígenas", exigindo a presença física dos índios em 5 de outubro de 1988.
- Segundo o texto, a interrupção da posse indígena ocorrida antes deste marco, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada. A exceção é para caso de conflito de posse no período.
- Para os indígenas, no entanto, essa exigência não faz sentido porque, historicamente, eles foram perseguidos e gradativamente expulsos de suas terras.
A federação que inclui PT, PC do B e PV orientou o voto contrário ao projeto, mas o deputado Rubens Junior (PT-MA), falando como líder do governo, liberou a bancada para votar como preferisse, o que gerou críticas de entidades.
📋 Direitos indígenas e grilagem
Outro ponto de crítica dessas entidades é a medida provisória que reestrutura os ministérios do governo Lula e retira poderes das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Entre as mudanças estão:
Demarcação de terras: O texto aprovado por uma comissão mista (formada por deputados e senadores) transfere do Ministério dos Povos Indígenas para o da Justiça a competência para reconhecer e demarcar terras indígenas. A proposta agora será votada nos plenários da Câmara e do Senado.
Cadastro Ambiental Rural: Uma das mudanças previstas na MP transfere o CAR, que é um registro público obrigatório para todos os imóveis rurais, do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
O cadastro é usado para mapear a grilagem de terras e fazer o controle de áreas desmatadas.