Por France Presse


Na foto de arquivo, em 20 de julho de 2021, um voluntário com uma motosserra fica em frente a árvores arrancadas em Kreuzberg, estado da Renânia-Palatinado, no oeste da Alemanha, após inundações devastadoras atingirem a região. — Foto: Christof Stache/AFP

Metade da população mundial é "muito vulnerável" aos impactos cruéis e crescentes das mudanças climática – e a inação "criminal" dos governantes ameaça reduzir as poucas possibilidades de um "futuro habitável" na Terra, alertou o Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU nesta segunda-feira (28).

Em seu novo relatório, a entidade, que reúne 270 cientistas de 67 países, alerta para secas, inundações, ondas de calor, incêndios, insegurança alimentar, escassez de água, doenças, aumento do nível das águas e mais.

“O relatório do IPCC de hoje é um atlas do sofrimento humano e uma acusação condenatória de liderança climática fracassada”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em comunicado".

Com fatos e mais fatos, este relatório revela como as pessoas e o planeta estão sendo atingidos pelas mudanças climáticas. Eu vi muitos relatórios científicos durante minha carreira, mas nenhum como este", completou.

O relatório é o segundo capítulo de três sobre as ações humanas e as mudanças climáticas. O primeiro foi publicado em agosto do ano passado; o segundo está previsto para abril.

O texto foi negociado linha a linha, palavra por palavra, pelos 195 Estados-membros da ONU. Segundo o resumo do documento para tomadores de decisão – como parlamentares e chefes de Estado –, entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas já são "muito vulneráveis" às mudanças climáticas.

O chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, afirmou que o relatório é um "recordação de que a crise climática ameaça a todos".

"Também demonstra por que a comunidade internacional deve continuar adotando medidas climáticas ambiciosas, mesmo quando enfrentamos outros desafios globais urgentes", acrescentou o secretário de Estado em um comunicado.

Para Blinken, "se as decisões políticas e econômicas são os principais fatores de conflito, a mudança climática aumentará a ameaça à estabilidade local e mundial".

"Os relatórios do IPCC são como sinos de alarme para a crise climática", alertou a especialista Christiana Figueres, ex-secretária-executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês), e cofundadora da "Global Optimism".

"Este último relatório é um lembrete sóbrio de que nosso fracasso global em reduzir as emissões está levando a impactos devastadores na saúde, econômicos e sociais em todo o mundo. Mas o relatório também é um lembrete de que temos o poder de mudar isso", ressaltou.

"Podemos prevenir e nos proteger de eventos climáticos extremos, fome, problemas de saúde e muito mais, cortando as emissões e investindo em estratégias de adaptação. A ciência (e as soluções) são claras. Depende de como moldamos o futuro", completou Figueres.

Mais pobres sofrem mais

O sofrimento é ainda maior para as populações mais frágeis, como os povos autóctones ou pobres, afirmou o IPCC, mas também afeta os países ricos – como ocorreu no ano passado, com as inundações na Alemanha e os incêndios devastadores nos Estados Unidos.

"É muito claro para nós que nenhuma quantidade de adaptação pode compensar a falha em limitar o aquecimento a 1,5°C [meta estabelecida pelo Acordo de Paris em 2015]", afirmou a presidente do grupo dos Países Menos Desenvolvidos (LDCs) nas negociações climáticas da ONU, Madeleine Diouf Sarr.

Ativistas climáticos participam de uma manifestação do lado de fora do local da Cúpula do Clima COP26 da ONU em Glasgow, em 12 de novembro de 2021 — Foto: AP/Scott Heppell, Arquivo

A temperatura do planeta aumentou, em média, 1,1 °C desde a era pré-industrial. Em 2015, o mundo se comprometeu, com o Acordo de Paris, a limitar o aquecimento a 2 °C, com esforços para mantê-lo abaixo de 1,5 °C.

Na primeira parte de seu relatório, publicado em agosto do ano passado, os especialistas do IPCC estimaram que, até 2030 – dez anos antes do que se pensava –, o aumento da temperatura atingiria o limite de 1,5°C.

O texto desta segunda (28) destaca que ultrapassar os 1,5ºC de aquecimento – ainda que de maneira temporária, antes de tentativas de esfriar o planeta depois – poderia provocar danos "irreversíveis" a ecossistemas frágeis como os polos, as costas e as montanhas, com efeitos em cascata para as comunidades que vivem nestas áreas.

"O relatório confirma o que já estamos vendo e experimentando – a mudança climática está causando perdas e danos devastadores, e afetando desproporcionalmente nossa população vulnerável", disse Sarr."

"De acordo com este relatório, o financiamento acessível é uma barreira fundamental, e buscaremos finanças públicas dedicadas nas negociações internacionais, tanto para a adaptação, como para enfrentar perdas e danos", completou.

O financiamento para enfrentar as mudanças climáticas é uma grande questão para países menos desenvolvidos. Em 2009, países ricos prometeram pagar aos mais pobres U$S 100 bilhões (cerca de R$ 516 bilhões) por ano, até 2020, para ajudá-los a se adaptar às mudanças e mitigar os efeitos dela. Isso não foi alcançado.

O copresidente do grupo do IPCC que preparou o documento, .Hans-Otto Pörtner, lembrou que o relatório não pode ser ofuscado pela invasão russa da Ucrânia. O aquecimento do planeta "nos persegue, ignorá-lo não é uma alternativa", declarou à AFP.

As consequências desastrosas aumentarão com "cada décimo adicional de aquecimento".

O relatório também prevê o desaparecimento de 3% a 14% das espécies terrestres e alerta que, até 2050, quase um bilhão de pessoas viverão em áreas costeiras de risco.

"A adaptação é crucial para nossa sobrevivência", disse em um comunicado o primeiro-ministro de Antígua e Barbuda, Gaston Browne, que preside a Aliança de Pequenos Estados Insulares (AOSIS).

Brown fez um apelo para que os países desenvolvidos respeitem o compromisso de aumentar a ajuda climática aos países pobres – para permitir que se preparem para as catástrofes previstas.

Esforços de adaptação insuficientes

O relatório constata que, apesar de alguns progressos, os esforços de adaptação são em sua maioria "fragmentados, de pequena escala" e que, sem uma mudança de estratégia, a lacuna entre o que é necessário e o que precisa ser feito pode aumentar.

Mas, em um determinado ponto, adaptar-se não será possível, de acordo com o documento. Alguns ecossistemas já foram pressionados "além de sua capacidade de adaptação" e outros se enfrentarão o problema caso o aquecimento global continue, adverte o IPCC, enfatizando que a adaptação e a redução das emissões de C02 devem caminhar juntas.

"À luz dos compromissos atuais, as emissões globais vão aumentar quase 14% na década atual. Isto representará uma catástrofe. Vai destruir qualquer chance de manter viva a meta de 1,5ºC", denunciou António Guterres, que apontou como "culpados" os grandes países emissores.

No fim do ano passado, na COP26 em Glasgow, o mundo prometeu acelerar a luta contra o aquecimento global e reforçar as ambições para a COP27 – programada para ocorrer no Egito em novembro.

"Não esqueçamos de uma coisa: estamos todos no mesmo barco", afirmou o ex-primeiro-ministro de Tuvalu, Enele Sopoaga. "Ou conseguimos flutuar ou afundamos e todos nos afogamos", acrescentou o ex-governante da pequena ilha no Oceano Pacífico.

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