A diplomacia brasileira diz ter saído satisfeita da Conferência do Clima (COP) de Glasgow. Liderada pelo ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite, a delegação, que contou com número considerável de empresários, representantes do agronegócio e da indústria, se dizia empenhada em apresentar o "Brasil real".
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Em sua última fala na COP26 a jornalistas, na última sexta-feira (12/11), no entanto, Leite evitou comentar dados atualizados que ficaram conhecidos naquela manhã: nunca houve tanto desmatamento na Amazônia num mês de outubro como o registrado em 2021, apontara o sistema de alertas Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Observadores ouvidos pela DW Brasil avaliam que persiste a desconfiança da comunidade internacional prévia à COP26. "O governo tentou passar uma imagem de país que protege o meio ambiente, que tem o que ensinar nesse sentido, mas foi desmentido pelos fatos", opina Suely Araujo, especialista sênior em políticas públicas da rede de organizações da sociedade civil Observatório do Clima. "Não se apagam mil dias de destruição da política ambiental com mero discurso", completa, referindo-se à política ambiental do governo Bolsonaro.
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Ao fim da conferência, Leite foi confrontado por jornalistas sobre essa imagem de país que insistia em apresentar e a realidade trazida pelas imagens de satélites. O ministro respondeu haver várias atividades que o Brasil faria bem feito e, como exemplo, mencionou a reciclagem. Nenhum comentário sobre o avanço da devastação na Amazônia, que é também a maior fonte nacional de emissão de gases de efeito estufa.
"Essa fantasia verde construída para a COP não para em pé - e faz minar a confiança no país em um momento onde o mundo todo precisa de soluções coletivas que se baseiam em confiança mútua", critica Carolina Pasquali, diretora Executiva do Greenpeace Brasil.
Outras vozes
Terminada a conferência, a diplomacia brasileira usou seus canais digitais para tentar rebater outro assunto presente na COP26: o tratamento que o país tem dado aos povos indígenas.
Numa aparente tentativa de contrapor os fatos narrados pela maior delegação indígena já presente numa conferência do tipo, o Itamaraty disse numa de suas redes sociais que a "verdade sobre o Brasil e os povos indígenas" inclui investimentos oficiais no bem-estar e proteção, defesa da liberdade e da autonomia, garantia de saúde e da dignidade de todas as etnias.
Durante a reunião em Glasgow, lideranças de diferentes povos fizeram várias reuniões e buscaram meios de se integrar às discussões oficiais. Eles pediram aos interlocutores internacionais que não comprem produtos vindos de áreas de desmatamento, que apoiem as demarcações de terras indígenas e ações de proteção à floresta.
O discurso da brasileira Txai Suruí na abertura da COP, que mencionou o assassinato daqueles que protegem a floresta, também repercutiu além da expectativa e desagradou o governo brasileiro.
"Houve uma presença muito significativa de populações indígenas, movimento negro, quilombola, da juventude brasileira, contando aqui sobre a crise e a guerra contra o meio ambiente que avança destruindo lei, florestas e provocando muita violência contra comunidades locais", comenta Carlos Rittl, especialista em políticas públicas da Rainforest Foundation da Noruega.
Txai Suruí, ativista de 24 anos, fala na abertura da COP26
Acordos e metas
Durante a COP26, o Brasil anunciou um ajuste na sua Contribuição Nacionalmente Determinada, NDC, na sigla inglês. Leite prometeu que o Brasil vai cortar 50% dos gases de efeito estufa até 2030 em relação aos níveis de 2005. A meta prévia de redução era de 43%.
Na prática, no entanto, esse objetivo "empata" com o que o Brasil já tinha proposto em 2015, na COP que criou o Acordo de Paris. É que aquela NDC original foi revisada em 2020, no governo Bolsonaro, que alterou a base de cálculo que serve como referência para estipular o corte. Com a mudança, o país chegaria em 2030 emitindo 400 milhões de toneladas de CO2 a mais do que o estipulado anteriormente.
O país assinou duas declarações importantes anunciadas em Glasgow. A primeira delas se compromete a zerar e reverter a perda de florestas no mundo até 2030; a segunda estipula o corte de emissões globais de metano de 30% em 2030 em relação aos níveis de 2020.
A dúvida, no entanto, é se o governo atual dará condições para que o país entre nos trilhos a tempo de cumprir as metas. "Nem mesmo a adesão aos acordos extraoficiais de florestas e metano teve grande impacto diante das dúvidas do efetivo cumprimento dessas promessas", pontua o WWF-Brasil.
A expectativa é que a pressão do mercado consumidor externo surta algum efeito, pondera o Observatório do Clima. "Mesmo que o atual governo brasileiro não tenha intenção de cumpri-lo, os três principais compradores de commodities do Brasil — China, Estados Unidos e União Europeia — aderiram ao pacto (sobre as florestas), e a China anunciou que vai considerar uma legislação para barrar importações de produtos advindos de desmatamento", conforme nota da coalizão civil.
A falta de ambição climática do governo federal, por outro lado, foi compensada em certa medida por governadores presentes na reunião, opina Karen Oliveira, membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
"Eles apresentaram um trabalho integrado entre sociedade civil, setor privado, com resultados concretos e soluções que contribuem para redução das emissões. Poucas vezes vi uma aliança tão coesa e tão forte", afirma Oliveira.