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Por Jornal Nacional


Entenda a diferença jurídica entre os crimes de racismo e injúria racial

Entenda a diferença jurídica entre os crimes de racismo e injúria racial

A legislação brasileira estabelece diferenças entre os crimes de racismo e de injúria racial, e a injúria é tratada como um crime menor.

“Ele falou para mim: ‘você não tem capacidade para fazer essa função, seu negro’. Eu falei: ‘o senhor me respeita’. Quando falei ‘o senhor me respeita’, ele já veio me agredindo”, relatou uma vítima em julho.

“O que você falou do cabelo dela?”, pergunta testemunha de racismo em vídeo gravado em maio. “Falou que eu podia passar doença para ela por causa do meu cabelo”, revolta-se a vítima.

RELEMBRE CASOS DE RACISMO E INJÚRIA RACIAL:

Ofensas, agressões e não há dúvida para ninguém que ouve esse tipo de ataque: é racismo, mas na letra da lei pode não ser bem assim, porque na legislação brasileira há o crime de racismo e também o de injúria racial.

“O crime de injúria ataca a honra subjetiva da pessoa, como a pessoa se vê. Então, quando você ofende uma pessoa determinada usando elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, você está injuriando essa pessoa. Uma pessoa específica se sente ofendida; isso é injúria. Quando você promove, incita discriminação de forma genérica, você não vai ter uma vítima individual, você tem como vítima todo um grupo de pessoas, aí seria o crime de racismo”, explica o professor de Direito da FGV, Thiago Bottino.

Em 1988, a Constituição instituiu o crime de racismo no Brasil, estabelecendo que é inafiançável - quer dizer, não se pode pagar para escapar da prisão -, e imprescritível - ou seja, não há prazo para que os autores sejam punidos pela Justiça.

Um ano depois, uma lei conhecida como a Lei do Racismo definiu as condutas nos crimes cometidos contra grupos ou coletividade por causa da raça e cor. Como por exemplo: impedir que negros tenham acesso a um estabelecimento, a um emprego ou transporte público.

Em 1997, a Lei do Racismo foi ampliada e se criou também o crime de injúria racial, que está associado ao uso de palavras depreciativas com a intenção de ofender a honra da vítima, de atacar diretamente a pessoa por causa de sua raça e cor.

Nos dois casos, a pena é de 1 até 3 anos de prisão, mas no crime de injúria racial, que está apenas no Código Penal, e não na Constituição, o agressor tem direito a fiança e o crime pode prescrever.

“Quando o legislador colocou a injúria dentro do sistema do Código Penal, o entendimento era de não estarmos vendo um crime de racismo, embora o elemento raça fosse configurador daquele tipo. E aí acabou que a nossa prática jurídica da Justiça Criminal, sistema de Justiça Penal, entendia que era crime comum”, aponta o juiz do TJ-DF e professor de Direito Constitucional Fábio Esteves.

Só que, em outubro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o crime de injúria racial não pode prescrever. Os ministros tomaram a decisão em plenário, no caso de uma mulher condenada por injúria racial que recorreu alegando que o crime havia prescrito. Essa decisão pode ser seguida por outros tribunais, mas não é obrigatória, já que se trata do julgamento de um habeas corpus, em um único caso.

“Basicamente, o que o Supremo entendeu foi que o crime de injúria racial deveria receber o mesmo tratamento dos crimes previstos na lei de racismo. Mas essa foi uma decisão em habeas corpus. Ou seja, em um único processo, com uma única pessoa, sem o efeito de obrigar todos os juízes e tribunais do Brasil a aplicar o mesmo entendimento”, diz Thiago Bottino.

“Por que se discutiu só a questão da prescrição? Porque o Supremo estava diante de um caso concreto, porque o Supremo estava discutindo a prescritibilidade. Não tinha como ampliar a discussão”, afirma Fábio Esteves.

Fábio Esteves participou do julgamento como juiz instrutor do ministro Edson Fachin, que era o relator do habeas corpus. Ele defende uma mudança urgente para equiparar em todas as formas o crime de injúria racial ao racismo, sendo imprescritível e inafiançável.

“A gente não pode mais continuar desqualificando esse tipo de violência, porque hoje temos dificuldade muito grande, desde as autoridades policiais, desde as delegacias receberem notícias e denuncias, até a gente terminar esse processo dentro da Justiça”, ressalta.

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, diz que ao julgar outros casos sobre o assunto, o STF pode criar uma decisão que deverá ser obrigatoriamente seguida; é a chamada súmula vinculante.

“O racismo é estrutural. Permeia algumas instituições ainda, está na cabeça de muita gente, é insidioso, é disfarçado, se manifesta em ditos populares, em certas expressões. A súmula vinculante teria essa praticidade, essa eficácia maior, de deixar as coisas clarissimamente colocadas”, defende o ex-ministro.

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