O Supremo Tribunal Federal julga na quarta-feira (4) o pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula. Um caso que, mais uma vez, põe a corte diante da questão do início do cumprimento de pena de condenados em segunda instância.
O Jornal Nacional fez um histórico de como esse tema foi debatido no Supremo. A primeira vez foi em 2009.
O caso que definiu a primeira jurisprudência exigindo o esgotamento de todos os recursos para iniciar cumprimento de pena foi julgado pelo plenário do Supremo em 2009. Até então, cabia ao juiz de cada caso decidir o início da prisão.
O fazendeiro Omar Coelho Vitor atirou cinco vezes contra um homem que teria paquerado a mulher dele em uma feira agropecuária no interior de Minas Gerais. Dois tiros atingiram Dirceu Moreira Brandão na boca e perto da coluna. Na época do crime, em 1991, ele tinha 25 anos de idade.
“A vida da gente fica, principalmente, revoltado pela injustiça. E não tem lei. Você chega, encontra a pessoa na rua. Então, estou errado, o cara me dá um tiro, dois tiros, não vai preso. Entro com uma ação, não anda, está lá. Não é julgado”, disse o produtor rural.
O autor dos disparos foi condenado por tentativa de homicídio a sete anos e seis meses de prisão, mas nunca cumpriu um dia da pena, tudo por causa de vários recursos à Justiça. Em março de 2001, dez anos depois do crime, o Tribunal de Justiça de Minas, que é um tribunal de segunda instância, chegou a decidir que a pena fosse cumprida inicialmente em regime fechado. Mas, nessa época, os advogados do fazendeiro começaram a recorrer aos tribunais superiores.
O recurso especial apresentado pela defesa ao STJ passou por três gabinetes até ser rejeitado em 2009 pela ministra Maria Thereza Moura.
Mas a defesa não desistiu. Recorreu à turma de ministros do tribunal. Perdeu de novo, mas apresentou outros recursos, os chamados embargos de declaração, para pedir explicações sobre a decisão.
Enquanto essa sucessão de pedidos dos advogados fazia o cumprimento da pena ser adiado e adiado, outro recurso, apresentado ao Supremo Tribunal Federal, chegava ao plenário da corte. Os advogados pediam que os ministros deixassem que o condenado ficasse em liberdade até a análise do último recurso.
De 1988 - quando a Constituição foi promulgada - até 2009, o Supremo não tinha sido provocado a analisar um trecho do artigo 5º que diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. As penas eram executadas no Brasil de acordo com a decisão dos juízes.
Mas, ao discutir em plenário o pedido de habeas corpus do fazendeiro que atirou por ciúme, o Supremo decidiu pela primeira vez que a execução da pena só deveria ocorrer após a análise do último recurso possível.
A votação foi sete votos a quatro.
Votaram contra a prisão de Omar depois da condenação em segunda instância, além do relator, ministro Eros Grau, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello participarão do julgamento de quarta-feira (4) e mantem até hoje a mesma posição contra as prisões. Gilmar Mendes mudou de posição em 2016, tornando-se favorável à permissão para a prisão de condenados em segunda instância. Desde meados de 2017, tem declarado que mudará novamente.
Foram a favor da prisão de Omar depois da condenação em segunda instância os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. Cármen Lúcia é a atual presidente do Supremo e mantem até hoje entendimento a favor das prisões de condenados em segunda instância.
Depois dessa decisão, o fazendeiro continuou solto e o caso dele estabeleceu um novo entendimento do Supremo: o de que condenados pela Justiça poderiam ficar em liberdade até o último recurso no Supremo Tribunal Federal.
Em 2014, sem que o último recurso chegasse a ser julgado, o crime prescreveu. Não existe mais a possibilidade de o fazendeiro ser punido pela tentativa de homicídio.