No Congresso, um projeto que pode enfraquecer a Lei da Ficha Limpa recebeu apoio de vários partidos, muitos com políticos investigados a Lava Jato.
O projeto do deputado Nelson Marquezelli, do PTB. O requerimento para votar com urgência recebeu a assinatura de líderes que representam 15 partidos, entre eles, PMDB, PT, PP, DEM, PTB e PCdoB.
A Lei da Ficha Limpa entrou em vigor em 2010, depois da mobilização de entidades contra a corrupção. O projeto de iniciativa popular reuniu mais de um milhão de assinaturas.
Na prática, a ficha limpa começou a valer em 2012, quando foram realizadas as primeiras eleições depois da criação da nova lei. Ela prevê que um condenado em segunda instância não pode se candidatar.
Em um julgamento recente, em outubro, o Supremo Tribunal Federal decidiu por seis votos a cinco aplicar a ficha limpa também para os políticos eleitos antes da lei, portanto, antes de 2010.
Durante o julgamento, prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux, para quem o prazo de inelegibilidade não é uma punição para o político condenado, mas uma condição de moralidade.
Com o entendimento do Supremo, o candidato ficha suja vai ser barrado das eleições sem levar em conta prazos. Foi essa decisão do Supremo que mobilizou os partidos.
Como mostrou a colunista Lydia Medeiros, do jornal “O Globo”, o entendimento do STF pode levar à cassação de centenas de mandatos de políticos eleitos em 2014 e 2016.
Pela conta dos parlamentares, a decisão do STF pode atingir 40 prefeitos, dois deputados federais e mais de 200 vereadores.
Marquezelli diz que o objetivo do projeto é evitar que a retroação seja de tal intensidade que comprometa a segurança jurídica, a soberania popular, a coisa julgada, além de todas as consequências sociais, financeiras e políticas daí decorrentes.
Nelson Marquezelli responde a um inquérito no Supremo por suspeita de corrupção passiva.
O líder do PT defende o projeto.
“Esse projeto não mexe na Lei da Ficha Limpa, ele só mexe nesse entendimento de que os possíveis crimes cometidos antes da Lei da Ficha Limpa devam ter uma punição diferente daquela que era prevista na lei daquela época. Portanto, nós somos contrários a punir duas vezes a mesma pessoa pelo mesmo crime”, disse Carlos Zarattini (PT-SP).
O deputado Miro Teixeira, da Rede, afirma que o projeto é um retrocesso que compromete ainda mais a imagem da Câmara.
“Vai ser um passo atrás. A rigor vai ser um estímulo à impunidade. E sempre que aumenta a impunidade nas esferas mais elevadas da administração pública, acaba aumentado a sensação de impunidade do criminoso comum, aumenta o crime na rua. Uma coisa está muita vinculada à outra”, explicou.
Chico Alencar, do PSOL, disse que o mínimo que se pode exigir de um candidato é ter ficha limpa.
“Isso não é prisão, não é castigo, é apenas fazer valer um critério que está na Constituição na vida pregressa, ética e ilibada para ocupar cargo eletivo. Então, é uma questão de Justiça. Se houver prejudicados, paciência, há muitos brasileiros capazes de ocupar cargos de vereador, de governador, de prefeito e de deputado”, disse.
O presidente da Câmara disse que coloca o projeto em votação, se essa for a vontade da maioria dos líderes. Eles terão uma reunião na semana que vem. Rodrigo Maia nega que o projeto pretenda mudar a Lei da Ficha Limpa.
“O projeto não está alterando a Lei da Ficha Limpa, não é isso que está escrito. Ele está tratando o caso específico para a lei não retroagir, é disso que trata o tema. Se está certo ou errado é outra discussão. Ele, de forma nenhuma, mexe na Lei da Ficha Limpa”, disse Maia.
O ex-presidente do Supremo Ayres Britto afirma que não se pode desconsiderar a vida pregressa dos candidatos.
“Não confundir as coisas, nós estamos cuidando de direitos políticos. Quando a Constituição proíbe a retroação da lei penal está protegendo o indivíduo. Aqui nós estamos cuidando de direitos políticos porque o indivíduo presenta a si mesmo, fala por si, ao passo que o candidato tem a pretensão de representar toda uma coletividade, de ser porta-voz de todo o povo. Então, a Constituição exige muito mais do candidato para que ele tenha uma vida passada isenta de senões ou infringências à lei da improbidade administrativa. É de ser mesmo inelegível quem tem uma biografia, uma vida passada eticamente enlameada. Quem vive num lodaçal ético... chega a ser atrevimento postular uma candidatura para representar o povo”.