Brasil em Constituição

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‘Brasil em Constituição’: o futuro da democracia brasileira

‘Brasil em Constituição’: o futuro da democracia brasileira

O Jornal Nacional exibe nesta quarta-feira (28) o último episódio da série "Brasil em Constituição”, e o tema é o futuro da nossa democracia.

“Quando se compreende o papel da Constituição como ponto de partida, de ruptura com o passado e de promessa para um futuro melhor, a gente compreende que há uma importância muito grande dos documentos jurídicos fundamentais, que são as Constituições, mas eles não esgotam o compromisso de uma sociedade, de construir o seu próprio futuro por meio da democracia”, afirma o professor de Direito Administrativo da Uerj Gustavo Binenbojm.

Para acompanhar as transformações da sociedade brasileira, de 1988 em diante, ficou decidido que, ao longo do tempo, parte do texto da Constituição poderia passar por mudanças, por meio das PECs, as Propostas de Emenda à Constituição.

Está no artigo 60. O parágrafo segundo diz: "A proposta será discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros."

Mas algumas questões foram deixadas acima de qualquer possibilidade de modificação: são as chamadas cláusulas pétreas.

“Os constituintes originários, que representam o povo soberano naquele momento de elaboração da Constituição, entenderam que existe um núcleo imodificável que não pode ser alterado, porque é o próprio coração da Constituição”, explica o ministro do STF Ricardo Lewandowski.

O parágrafo 4º do artigo 60 deixa claro: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Esses quatro incisos são fundamentais para garantir a manutenção do Estado Democrático de Direito.

“A Constituição é um patrimônio do povo brasileiro. Tem que ser cuidado, tem que ser defendido esse patrimônio. Realmente ele é fruto de um processo de redemocratização, de uma ampla discussão, que se deu na Constituinte. Embora possa sofrer alterações pontuais, o cerne, sobretudo o núcleo duro dessa Constituição, as cláusulas pétreas têm que ser defendidas realmente com muita energia e muita ênfase”, ressalta Lewandowski.

“Pensar em uma ditadura ou em um outro regime político que não seja a democracia não dá. Para mim, realmente é impossível viver sem uma democracia plena, real. Eu comecei a trabalhar na época da Ditadura e passei para o regime democrático. É uma diferença tão grande”, destaca a jornalista Glória Maria.

Liberdade, igualdade: princípios garantidos por lei.

“Se a gente não tivesse isso na Constituição, seria uma tragédia”, afirma Glória.

Valorizar a Constituição e garantir o futuro da democracia é coisa que se aprende no dia a dia.

Pedro Bassan: Como você, Glória, semeia nas suas filhas esse novo jeito de ver o mundo?
Glória: Eu mostro, né? Falando sobre a minha experiência. A minha dor, o meu sofrimento, valeram a pena. Se hoje tem toda uma geração que pode sofrer menos do que eu, para mim, isso é a coisa mais importante da minha vida.
Pedro Bassan: Essa sua coragem é fruto da coragem da sua mãe e que já está transmitida para suas filhas, né?
Glória: Não sei viver sem liberdade, eu aprendi isso com a minha família, com a minha avó que veio da escravidão. E ela dizia: ‘Você nunca pode permitir que tirem a sua liberdade, porque a nossa história é uma história de falta de liberdade. Nós fomos acorrentados. Você não pode permitir que te coloquem corrente de novo'. A minha avó era sábia.

Durante meses, a gente deu voz a brasileiros que nos contaram de que maneira a Constituição faz diferença no dia a dia de cada um. Falaram da conquista de direitos fundamentais e da luta diária em defesa da democracia. Quantas pessoas se sentiram representadas aqui. Ouvimos ministros, especialistas, cidadãos de todas as regiões do país.

Vasculhamos nosso acervo e reencontramos pessoas como a dona Nair Jane, que trabalhou muito para a conquista de direitos durante a Assembleia Constituinte; a Maria e o Lucas, mãe e filho que ganharam vida nova pelo SUS; também conhecemos a Paula, que abriu caminho para mostrar que todos são iguais perante a lei, sem distinção; o Juarez, professor que luta para combater o racismo.

Ainda temos muitos desafios, mas com a Constituição nas mãos, ficamos mais fortes. O que está escrito nela é como se fosse um manual de instruções. Artigos, incisos e parágrafos descrevem como a nossa história pode ser mais justa e solidária. Uma história que não acaba aqui.

“A Constituição representa para mim um passo de liberdade, talvez. A gente consegue, através da Constituição, abrir um caminho para falar que nossas vozes importam. A gente quer uma democracia ampla, plural, diversa. Acho que a Constituição representa para mim isso: as possibilidades de diversidade, de pluralidade, que a nossa sociedade tanto precisa ainda”, opina a professora Bolaji Xavier.

Bolaji dá aulas para jovens em São Paulo. “Apesar de a gente já ter nascido nessa época de Constituição, então a gente tem a nossa liberdade garantida, a gente precisa correr atrás para que esses direitos sejam realmente conquistados”, destaca.

“E esse é o compromisso da Constituição de 88 com a inovação. Uma sociedade vibrante, livre, permite que a gente possa imaginar que o futuro será constituído daquilo que a gente ainda ignora. Que a profissão dos nossos filhos e netos ainda não existe. Que as relações de afeto entre as pessoas serão completamente diferentes da nossa noção de família atual. Ou seja, a gente tem que proteger o que a gente ignora que ignora. E só num país que tem uma Constituição suficientemente pluralista e aberta é possível a sociedade caminhar para dar conta de todas essas transformações”, afirma Gustavo Binenbojm.

“Hoje, você tem chegando na universidade os filhos da empregada doméstica, dos servidores públicos, mas também do operário, do agricultor, do lavrador, do que mora na favela, do que mora em condições vulneráveis. É uma outra realidade. É uma outra realidade, uma outra universidade. Só foi possível fazer isso com essas mudanças de 88. Disso, eu não tenho dúvida”, ressalta o professor da Unesp Juarez Xavier.

Pedro Bassan: Conhece esse professor, Bolaji?
Bolaij: Conheço um pouquinho, sim. É o Juarez Xavier, meu pai, um grande professor, um grande ativista. Uma inspiração para a vida.
Pedro Bassan: Você tem orgulho dele?
Bolaji: Muito. Tenho muito orgulho dele, sim. Ele lutou muito e luta muito para que pessoas como eu consigam seus direitos, consigam garantir seus direitos. E eu luto para que ele seja valorizado, para que o saber dele e da minha mãe, Patrícia, sejam valorizados, e para que a gente consiga construir uma sociedade que ele sonha, sem racismo, sem preconceitos, sem discriminação.
Pedro Bassan: Professor, o senhor fala dessas novas gerações, e a gente está vendo a Bolaji. Que conquistas ela está pronta para reivindicar, professor?
Juarez: Todas. É uma mulher negra em todos os sentidos. Bolaji é a contração de um poema que significa nascida com honra, e ela honra o nome, é uma menina de honra. É uma mulher íntegra, é uma mulher maravilhosa, corajosa, está sempre do lado certo. É a obra mais bonita que eu tive a oportunidade de participar, porque os méritos são da mãe.
Bolaji: Eu acho que nós, pessoas jovens, temos que aprender. Nós somos importantes porque pessoas como o meu pai nos tornaram importantes.

“É algo que eu espero passar para os meus filhos, e a gente precisa lembrar pelo que a gente passou para chegar até aqui. Então, como mulher, eu preciso lembrar que muitas mulheres lutaram para que hoje eu possa votar. Que muitas mulheres lutaram para que hoje eu possa, sei lá, me candidatar. Muitas mulheres lutaram para ter um banheiro feminino no STF. Foram lutas pelo voto, foram lutas para a gente poder estar caminhando para um mundo mais democrático, por um Brasil mais democrático”, diz a advogada Laura Dimantas.

Os pioneiros dessa jornada constitucional ajudaram a estabelecer o que seriam as bases da democracia brasileira. A força está em persistir, apesar de todas as dificuldades. Assim como faz o senhor Ary, que vimos na terça-feira (27) no Jornal Nacional, o mais antigo mesário de São Paulo.

Graziela Azevedo: O senhor pretende continuar trabalhando em dia de eleição?
Ary Prizant: Lógico. É um dia maravilhoso, prestar serviço à minha pátria. Com todo prazer, continuarei enquanto tiver vida. Mesmo de bengala, eu vou. Não tem problema. A beleza é tão grande que você assiste ao pai ou à mãe trazer uma criança. A criança curiosa vem: 'o que que está acontecendo?' A criança já fica tomando conhecimento que a mãe ou pai foi votar. Isso é muito importante.
Graziela Azevedo: É um dia especial.
Ary: Totalmente. É uma maravilha.
Graziela Azevedo: O senhor também levou a sua neta para esse trabalho.
Ary: Ah, a minha neta, quando atingiu a idade, eu disse, filha... Ela até hoje também é mesária. Os outros filhos e netos não aceitaram; problema deles. Mas quem eu convenci foi a minha neta, a Laura.
Graziela Azevedo: O senhor fica orgulhoso disso?
Ary: Ah, queria que toda a minha família fosse - netos, filhos...

“O meu avô sempre foi um exemplo para mim. Até minha família brinca: quando ele chegava em casa, eu saía correndo e pulava no colo dele, porque ele sempre foi a minha pessoa favorita. E, lógico, ele me inspirou muito em ser advogada, em lutar pelas coisas que eu acredito. Eu concordo com ele quando ele fala que todo mundo tem a sua voz. Para uma democracia é essencial ter vozes, ter pessoas falando, pessoas com ideais, pessoas que podem acreditar em coisas distintas, mas que possam expressar. E eu acho que, pelo voto, a gente pode chegar muito longe”, conta Laura.

A democracia é um pacto que precisa se renovar de geração para geração, e são muitos os brasileiros que estão passando essa experiência adiante. Para todos nós, de todas as gerações, ficam as palavras e a sabedoria do senhor Ary:

“Não basta ser brasileiro. Você tem que colaborar, principalmente com a democracia no país. Por isso que eu sou a favor da liberdade de poder escolher quem eu quiser. Não tenho preconceito de jeito nenhum. Para mim, todos são iguais. Não pela pele, não pelo conhecimento, não pela cultura. Somos todos humanos. Iguais, iguaizinhos, iguaizinhos.Viva a democracia!”

Em 1988, os constituintes abriram caminho para chegarmos mais perto desse ideal democrático. Embarcamos nessa história e seguimos em frente, sempre vigilantes e atentos.

“A Constituição é uma carta de direitos, de uma navegação que pode mudar com o tempo, e você ter que incluir novos direitos ou proteger as pessoas contra novas ameaças. Mas todo país democrático, desde a primeira Constituição escrita, que foi a americana de 1787, no mundo contemporâneo, precisa de uma Constituição. É como você se lançar ao mar da vida político-institucional com uma carta que mostre os caminhos que você tem que seguir e os portos para onde você quer ir. Pode haver mudanças de ventos, pode haver mudanças no oceano e você ter que se adaptar, mas você não se lança ao mar sem uma carta que indique os caminhos. Essa carta é a Constituição, que com todas as circunstâncias da Constituição brasileira de 1988, nos ajudou a atravessar tempestades que, em outros tempos, teriam afundado o barco, o colocado à deriva. E penso que com a orientação da Constituição nós atravessamos essas tempestades sem perder o rumo”, afirma o ministro do STF Luís Roberto Barroso.

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