Francisco fez com que as pessoas se identificassem com ele
Quando o avião da Alitalia que levava o Papa Francisco de volta ao Vaticano decolou, certamente algo de muito importante havia acontecido em termos teológicos e eclesiais. E isto não apenas no Brasil, ou no Rio de Janeiro, onde se concentrou sua visita, mas em toda a Igreja Universal e no mundo inteiro onde homens e mulheres vivem, esperam, trabalham, amam e sofrem.
Qualquer tentativa de balanço dessa luminosa visita permanece curta diante da estatura do visitante e das dimensões da mobilização que sua figura logrou. Conscientes de que não esgotamos o tema, levantamos, no entanto alguns pontos que nos parecem importantes do legado de Francisco nesta Jornada Mundial da Juventude. É a nossa leitura e estamos conscientes de que certamente há muitas outras.
1. A própria pessoa do Papa. Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, apresenta um perfil que impressiona e atrai. Não por causa de nada extraordinário, mas exatamente pela normalidade, pela ordinariedade de sua pessoa, suas atitudes, seus gestos. Faz questão de se comportar e agir como o comum das pessoas. E isso faz com que todos e todas consigam identificar-se com ele e abrir-se a sua mensagem. Ao ser interrogado, já no avião de volta, o porquê de carregar ele mesmo sua pequena maleta preta, respondeu com simplicidade contundente. Primeiro revelou o conteúdo da mala, muito comum em qualquer sacerdote e, por conseguinte, também no Papa, tal como breviário, ordinário da missa, etc. Depois explicou por que carregava ele mesmo o volume e não o entregava aos assessores. “Porque é normal”. Francisco insiste em que as pessoas da Igreja devem ser normais, como todo mundo. Não esquisitas, não estranhas. Mas normais. Nesse ponto, segue de perto seu mestre espiritual Santo Inácio de Loyola que nas Constituições da Companhia de Jesus, ao redigir as indicações de como deviam se vestir os jesuítas, afirma: “Vistam-se como os sacerdotes honestos do lugar”.
2. Sua concepção da missão da Igreja: em seus discursos o Papa deixa bem claro como entende a missão da Igreja. Deve ser algo que desinstale, dinâmica, que faça sair da privacidade da sacristia e ir ao espaço público. Conclamou bispos e clérigos a cultivar a cultura do encontro. E isto implica sair dos espaços onde os segmentos eclesiais têm o domínio e ir ao encontro das pessoas que estão fora, muitas vezes afastadas e mesmo hostis à Igreja. E como aproximar-se delas? O meio é o diálogo, a abertura, o convite alegre à conversação e à partilha. Aos jovens sobretudo recomendou essa atitude permanente, dizendo querer agitação (lío, palavra espanhola que na verdade significa confusão), movimento e não pasmaceira e acomodação nas dioceses e nas diversas instancias do tecido eclesial. A Igreja tem que sair de si, viver em êxodo permanente, ir ao encontro dos outros, viver em estado de pastoral. Essa é a Igreja de Francisco, Igreja que ele não inventa agora, mas que resgata das fontes mesmas do Cristianismo. Igreja alegre e participativa como o eram as primeiras comunidades, onde o Senhor cada dia acrescentava ao número dos que a ela aderiam e eram salvos (Atos dos apóstolos, 2, 22-46).
3. Seu entendimento da composição do tecido eclesial: O Papa deixa bem claro ao terminar sua visita à JMJ que o clericalismo – ao lado de outros ismos – é incompatível com o rosto e o espírito da Igreja de Jesus Cristo. Não existe nem existirá Igreja ou evangelização se os cristãos leigos, batizados sem mais adjetivos não forem constitutiva e vigorosamente integrados à comunidade eclesial para todos os efeitos: não apenas em funções de suplência ou acessórias, mas participando nas decisões, recebendo adequada formação e tendo voz ativa na caminhada eclesial. Somente uma Igreja que não funcionar em termos de contraposição clero versus laicato poderá ser realmente Povo de Deus, Corpo de Cristo e revelar ao mundo o Evangelho do amor e da solidariedade.
4. Sua denúncia profética do consumismo e das injustiças: O Papa não poupou palavras e expressões fortes para denunciar a cultura do provisório, os ídolos que fascinam os jovens e lhes roubam o sentido da vida e a esperança, os mercadores da morte que lhes oferecem viagens sem volta nas asas das substancias químicas e letais da droga. Ao mesmo tempo, sua denúncia se transformou em anúncio alegre do que é a verdade. A verdade é o serviço gratuito e desinteressado que se presta ao outro. Isto é a essência do cristianismo e isto é que constrói a verdadeira Igreja.
Ao fundo das palavras e gestos do Papa, na esteira do rastro luminoso por ele deixado refulge uma figura, uma pessoa. Trata-se daquele que é a razão de ser de seu compromisso e sua vida. Daquele que é o horizonte de sentido que o faz ser quem é, como é e fazer o que faz. Aquele que, tendo a condição divina, não se aferrou a suas prerrogativas mas tomou carne, habitou no meio de nós e foi obediente até a morte de Cruz. Conhecê-lo, amá-lo, contemplá-lo incessantemente é o caminho para qualquer peregrino, qualquer homem ou mulher que se autocompreenda como um ser a caminho para a Verdade e a Vida. Jesus Cristo: uma experiência mais viva de seu mistério, um desejo mais forte de construir seu Reino. Eis o coração, o núcleo do legado luminoso do Papa Francisco nesta visita ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude.