Por Victor Hugo Silva, g1


  • A SpaceX conseguiu fazer o foguete Super Heavy voltar direto para a base depois de uma decolagem, um feito que pode ajudar a baratear viagens espaciais, segundo especialistas ouvidos pelo g1.

  • A empresa do bilionário Elon Musk já tinha conseguido baixar custos de produção dos propulsores e, com a nova conquista, deve economizar mais com transporte e manutenção dos veículos.

  • Antes da SpaceX, outros projetos tentaram pousar e reutilizar foguetes, mas tiveram a sua operação interrompida.

  • A SpaceX quer usar a Starship — a nave que é impulsionada pelo foguete Super Heavy — para levar humanos ao espaço, mas ainda não foi testada com tripulação.

Em teste da SpaceX, propulsor da Starship pousa com sucesso na torre de lançamento

Em teste da SpaceX, propulsor da Starship pousa com sucesso na torre de lançamento

O voo da Starship, a nave mais poderosa do mundo, no último domingo (13), pode ter sido um passo para reduzir o intervalo entre voos espaciais e, assim, torná-los mais baratos.

Em feito inédito, a SpaceX, do bilionário Elon Musk, conseguiu trazer de volta para a plataforma de lançamento o primeiro estágio da nave, o foguete Super Heavy — o mais poderoso da história.

Com 70 metros de altura, 9 metros de diâmetro, ele foi capturado ainda no ar, usando os braços mecânicos da estrutura conhecida como Mechazilla (assista no vídeo acima).

Musk espera que, no futuro, a nave em si também possa ser totalmente recuperada (ela se separa do foguete depois de alguns minutos e segue seu curso sozinha para o espaço, até voltar à atmosfera terrestre). No domingo, a cápsula (sem tripulação) chegou a pousar no Golfo do México, mas explodiu logo depois.

O objetivo final é que esse conjunto (foguete e nave) possa ser colocado para voar de novo quase imediatamente depois de completar uma viagem.

"Essa é a bifurcação na estrada do destino que permitirá que a humanidade se torne uma civilização multiplanetária", disse Musk.

"A reutilização total e imediata com propelente [combustível] de baixo custo significará um custo marginal por tonelada aproximadamente 100 vezes melhor que o do Falcon [outro foguete, menor, da SpaceX], que já é 10 vezes melhor que o do Shuttle [os ônibus espaciais, da Nasa]", afirmou.

A redução de custos passa principalmente pelos fatores abaixo.

  • 💰 Fabricação menos custosa: atingida ao simplificar componentes dos foguetes;
  • 🚢 Economia com transporte: quando o foguete pousa direto na base de lançamento, a empresa diminui gastos e tempo para trazer o veículo de volta em relação ao pouso no mar, por exemplo. "Tem um custo de ir lá buscar. Se o foguete volta sozinho, sai muito mais barato", explica Annibal Hetem, professor de propulsão espacial do curso de engenharia aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC);
  • 🛠️ Economia com manutenção: ao usar a plataforma de lançamento para "abraçar" o foguete no pouso, é possível reduzir impactos na base do foguete e, assim, diminuir a manutenção. "Com redução de custos e danos ao veículo, é possível reutilizá-lo mais vezes", diz Antonio Dourado, coordenador do curso de engenharia aeroespacial da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Entenda a manobra de retorno do foguete Super Heavy — Foto: Arte/g1

Como o foguete volta para a base?

Na missão de domingo, o Super Heavy se desacoplou da Starship minutos após a decolagem, depois de alcançar cerca de 70 km de altitude. A cápsula continuou voando pelo espaço até pousar no Oceano Índico, cerca de uma hora após o lançamento.

Starship, da SpaceX, é lançada pelo foguete Super Heavy neste domingo (13) — Foto: Kaylee Greenlee Beal/Reuters

Após se separar da nave, o foguete começou o movimento que o levaria de volta para o solo. Como o lançamento tem a forma de um arco, o Super Heavy subiu mais 26 km, praticamente na horizontal, até começar sua descida, onde atingiu quase 4.400 km/h.

Ao se aproximar da Mechazilla (o sistema que vai agarrá-lo na base de lançamento), com velocidade de cerca de 200 km/h, o foguete ligou os seus motores principais e laterais, para ter mais controle da descida.

O pouso terminou 7 minutos depois do lançamento, com os braços mecânicos da plataforma "abraçando" o veículo.

Foguete da SpaceX pousa na base após impulsionar a nave Starship para seu segundo voo completo, neste domingo (13/10) — Foto: SpaceX

"Não tem marcha ré em foguete, isso que a SpaceX fez foi equilibrar o peso. O que faz descer é o peso, a gravidade, de uma forma controlada", diz Hetem.

"A dificuldade principal desse tipo de coisa é saber previamente a dinâmica do veículo. O que foi feito foi simulado milhares de vezes, tudo é pré-calculado", completa Dourado.

A manobra inédita, que teve sucesso logo em seu primeiro teste, foi celebrada até pela concorrência. A Blue Origin, de Jeff Bezos, parabenizou a SpaceX.

O que já tinha sido feito antes?

A SpaceX já consegue há alguns anos pousar o foguete Falcon em plataformas terrestres e marítimas. Mas o veículo é menor e tem uma estrutura na base que facilita o pouso e torna o pouso mais fácil do que o do gigantesco Super Heavy.

Foguete Falcon Heavy da SpaceX — Foto: Steve Nesius/File Photo/Reuters

"A questão sempre é o que vai gastar menos combustível para voltar. Da forma do último lançamento [da Starship], apesar de a distância ser um pouco maior, ele conseguiria reabastecer na plataforma para começar outra missão".

Antes da SpaceX, outros projetos tentaram pousar foguetes verticalmente e reutilizá-los em mais de um voo.

Um deles é o veículo não tripulado Delta Clipper (ou DC-X), fabricado a partir de 1991 pela empresa americana McDonnell Douglas e que, depois, foi transferido para a Nasa. O modelo foi um conceito capaz de pousar verticalmente, mas não teve uma operação contínua, como quer a SpaceX.

Delta Clipper (DC-X) foi um conceito de foguete capaz de pousar verticalmente — Foto: Nasa/Wikimedia Commons

Outra tentativa de baratear missões espaciais foi com os ônibus espaciais. Mas os professores ouvidos pelo g1 apontam que os objetivos foram apenas parcialmente atingidos.

"Os ônibus espaciais colocaram um monte de satélites em órbita. O que aconteceu foi que a economia não foi tão grande quanto se esperava. Quando a nave voltava, ela praticamente era desmontada por inteiro, o que acabou agregando um custo extra e não chegando àquilo que se esperava", explica Hetem, da UFABC.

"O custo de recondicionar o veículo para que ele fizesse uma nova missão ainda era altíssimo. E ainda houve questões de segurança em que os ônibus explodiram", lembra Dourado, da UFSC, em referência aos acidentes fatais da nave Challenger, em 1986, e da Columbia, em 2003.

Vale relembrar que, até agora, a Starship só fez voos não tripulados: os testes com astronautas ainda não começaram.

Reportagem sobre a explosão do ônibus espacial Challenger logo após a decolagem, Jornal Nacional, 28/01/1986.

Reportagem sobre a explosão do ônibus espacial Challenger logo após a decolagem, Jornal Nacional, 28/01/1986.

Qual a contribuição da SpaceX?

No início do programa espacial, os projetos eram mais baseados em desempenho, e não em custos, diz Dourado. Segundo ele, a mudança de foco com a exploração comercial do espaço permitiu produzir foguetes mais eficientes.

O grande mérito da SpaceX até aqui foi ter reduzido o custo de fabricação dos foguetes. Dessa forma, a empresa gasta menos para fabricar mais veículos e consegue realizar mais testes, para avançar mais rapidamente em suas pesquisas.

"Se comparar um motor antigo com um Raptor [da SpaceX], a diferença é absurda em termos de menos componentes. Quantos menos componentes, menor a chance de dar defeitos", afirmou.

A companhia de Musk foi contratada pela Nasa para levar, com a Starship, astronautas em um voo para a Lua em 2026. Esse tipo de missão exigirá uma operação ainda mais complexa, que envolve o reabastecimento da cápsula na órbita terrestre.

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Lançamento da nave Starship, da SpaceX, impulsionada pelo foguete Super Heavy, neste domingo (13/10) — Foto: Kaylee Greenlee Beal/Reuters

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