“Não xinguei, não ofendi, não gravei”: mãe do “caso do assento do avião” se defende
O vídeo de uma mulher sendo filmada em um avião da companhia Gol por não ceder seu lugar a uma criança que estava chorando viralizou em diferentes redes sociais nos últimos dias. A postagem, inicialmente feita como crítica à postura da passageira, virou alvo de internautas e mexeu com especialistas em direito, psicólogos, mães, influencers e viajantes.
O ocorrido envolve questões como direito do consumidor, direito aeronáutico, psicologia infantil e maternidade, exposição indevida de imagem e o compartilhamento de conteúdo na internet.
No Fantástico deste domingo (8), todas as partes envolvidas no caso foram ouvidas: Jeniffer Castro, a passageira que não cedeu o lugar, Eluciana Cardoso, a passageira que gravou o vídeo, e Aline Rizzo, a mãe da criança, que chegou a ser criticada por pessoas que acreditavam que era dela a autoria do vídeo.
Em entrevista ao Encontro, da TV Globo, na sexta-feira (6), Jeniffer Castro, a passageira que não cedeu o lugar, afirmou que foi xingada "várias vezes" pela mulher que gravou o vídeo.
Ao Fantástico, a advogada de Jeniffer disse que ela pretende processar as pessoas por trás do vídeo pelos crimes de difamação e injúria.
Eluciana, a passageira que gravou o vídeo, diz ter perdido “totalmente o controle” e afirmou estar arrependida de ter feito o vídeo. Ela disse ter cometido um erro e pediu desculpas para Jeniffer e para Aline, a mãe da criança.
Já a mãe disse ter sofrido "ameaças, xingamentos, críticas e até [falaram] que eu deveria jogar meu filho da janela do avião". "Eu queria deixar claro que não fui eu que gravei, não filmei, não ofendi a Jennifer em nenhum momento, [nós] não conversamos durante o voo, apenas pedi desculpas por o meu filho estar sentado e retirei ele do local", esclareceu.
Leia, abaixo, sobre os seguintes temas (clique para navegar pela página):
📲 Postagem
▶️Tudo começou quando o perfil @marycomciencia postou no TikTok o vídeo que viralizou com um texto dizendo: "e minha mãe que encontrou uma pessoa sem empatia com criança". O perfil @marycomciencia é de Marianna, de 23 anos, filha de Eluciana, a mulher que fez a filmagem.
Na imagem, uma passageira está sentada em um assento próximo à janela, usando fones de ouvido e tentando ignorar o fato de estar sendo filmada sem autorização. Jeniffer, a passageira exposta, ficou conhecida na internet como "diva do avião".
A intenção da mulher que fez as imagens e da filha que postou o vídeo em seu perfil era, inicialmente, constranger a passageira que não quis ceder seu lugar para a criança. Jeniffer, no entanto, procura não se envolver na discussão e mantém, em grande parte da gravação, os olhos fechados.
"Estou gravando a sua cara porque você não tem empatia com as pessoas", diz a voz no vídeo. E completa: "Isso é repugnante, no século 21, não ter empatia com uma criança. Se fosse com um adulto, tudo bem, agora com criança é demais".
Ao fundo do vídeo, é possível ouvir uma voz feminina criticando Jeniffer e uma criança chorando. Depois que o caso tomou as redes sociais, os perfis de @marycomciencia foram desativados.
Ao Fantástico, Marianna disse que "cometeu um erro de iniciante" por ter postado o vídeo sem ter escondido o rosto de Jeniffer. Eluciana, por sua vez, disse que o vídeo que gravou foi responsável por "gerar dor em todas as partes".
🗨️ O que diz a mãe
Em entrevista ao Fantástico, Aline Rizzo, a mãe da criança, explicou o ocorrido. Segundo ela, que viajava com mais sete pessoas (incluindo seus três filhos), eles foram os primeiros a embarcar. Enquanto ela acomodava o filho cadeirante, o outro, de 4 anos, seguiu em frente e se sentou ao lado da avó, na janela que a Jeniffer havia comprado.
A criança queria ficar perto da avó, mas acabou saindo com a mãe e sentando no assento da janela do lado oposto, dizendo que queria voltar. Depois que a aeromoça pediu para que todos colocassem o cinto, o filho de Aline começou a chorar e gritar.
Nesse momento, alguns passageiros começaram a comentar sobre a situação. Um deles era Eluciana, que decidiu conversar com Jeniffer.
Aline lamentou o caso e disse estar sendo atacada nas redes. "Eu não agredi, não xinguei, não filmei. Foi outra passageira. E eu estou sendo odiada, atacada, ameaçada, xingada, ofendida. Minha família, meus filhos...", diz.
💺 Assento pago
Uma das principais questões abordadas pelos internautas é que Jeniffer aparece em um assento especial, com custo extra. Isto quer dizer que a passageira pagou um valor a mais para se sentar ali.
Na simulação de voos da Gol entre as cidades de São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo, um assento Conforto pode custar R$ 51 a mais no valor da passagem por trecho.
▶️ Quem é Jeniffer
Os internautas tomaram as dores de Jeniffer Castro por ter sido exposta nas redes sociais. Muitos acreditam que, além de ter sido indevidamente filmada, a passageira teve razão em não ceder o lugar.
As pessoas que apoiam Jeniffer também admiram o fato de ela não ter se envolvido na briga. Na tarde da quinta-feira (5), Jeniffer somava pouco mais de 400 mil seguidores em seu perfil do Instagram. Na manhã desta sexta-feira (6), a "diva do avião" já ultrapassou mais de 1,3 milhão de fãs.
Na rede social, ela posta imagens no Rio de Janeiro, em viagens, com amigas e praticando exercícios. Nos stories, ela chegou a compartilhar uma postagem sobre a exposição com a hashtag #todoscomjeniffercastro.
No Linkedin, rede social com foco profissional, Jeniffer Castro conta que é agente de negócios do banco Bradesco, formada em administração pela Faculdade Nova Serrana e com MBA em gestão estratégica de negócios pelo Centro Universitário Newton Paiva.
Reveja abaixo reportagem de 2023 sobre o aumento de confusões em aviões e aeroportos:
ANAC estuda criar lista para punir passageiros que criam confusões em voos e aeroportos
🗎 O que diz a Anac
A portaria Nº13.065/SAS da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) define que o passageiro menor de 16 anos que viaja acompanhado deve ser obrigatoriamente acomodado em assento ao lado de, pelo menos, um adulto responsável.
Se os passageiros quiserem selecionar previamente seus assentos por motivos diversos, como preferência por janela por exemplo, poderá haver cobrança pelos lugares escolhidos, tanto para a criança quanto para o responsável.
A legislação, no entanto, não menciona a possibilidade de troca de assentos entre passageiros por outros motivos.
Em nota enviada ao g1, a Agência afirmou que "com base na filmagem que circulou nas redes sociais, a situação não se enquadra nos casos regulamentados pela Anac. A troca de assento deve ser feita apenas em casos específicos que envolvam as saídas de emergência ou questões de segurança operacional".
📑 O que diz a Gol
Em resposta ao g1 sobre o caso, a companhia aérea Gol diz:
"Por se tratar de uma questão de protocolo e regulamentos, recomendamos que acione a Anac para esclarecimentos. Segundo a agência reguladora, a troca de assento deve ser feita apenas em casos específicos que envolvam as saídas de emergência ou questões de segurança operacional".
👶 É birra?
Além de apoiar Jeniffer, muitos usuários também passaram a criticar a família envolvida, rotulando a criança como "birrenta" e atribuindo o comportamento a uma suposta falta de limites impostos pelos pais.
Embora não seja possível entender todo o contexto social e familiar da situação apenas pelo vídeo e sua repercussão digital, o g1 conversou com a psicóloga e doutora em saúde Fernanda Landeiro sobre algumas estratégias que podem ajudar pais e as crianças a manterem a calma em situações como esta.
"Estar em uma situação social e passar por uma frustração é muito comum, e os pais precisam estar preparados previamente para lidar com isso. A criança deve ser ensinada a lidar com a frustração desde cedo", afirma.
"Na psicologia chamamos isso de treino de tolerância ao mal-estar, como quando a criança quer algo do shopping e os pais não têm dinheiro, ou quando quer comer algo fora da hora da refeição. Quanto antes a criança iniciar esse 'treino', mais fácil vai ser para você lidar com isso no futuro."
A reação de frustração, com choro e "birra", também é normal, segundo a especialista. Nesses momentos, é fundamental validar os sentimentos da criança, demonstrando empatia e acolhimento. Por exemplo, você pode dizer: "Eu entendo que você está triste, eu entendo que está chateada, mas infelizmente isso não é possível".
Esse tipo de resposta reforça para a criança que suas emoções são legítimas e respeitadas, mas sem abrir mão da firmeza necessária para manter o limite estabelecido.
"A gente não pode ceder. É a mesma coisa de comprar o brinquedo. A criança grita chora e você vai lá e cede compra o brinquedo para ela. Você ensinou para ela que aquele comportamento é o comportamento para ela conseguir as coisas e esse é o maior erro dos pais", diz.
💡 Veja abaixo algumas dicas práticas da especialista:
- Estabeleça horários fixos para atividades.
- Não ceda às birras alterando a rotina.
- Mantenha consistência nas regras entre todos os cuidadores.
- Valide os sentimentos da criança. Evite frases como "não é pra chorar" ou "isso não é nada".
- Sempre ofereça opções viáveis. Exemplo: ""Hoje não vamos comprar brinquedo, mas que tal brincarmos com os que já temos em casa?".
- Elogie quando a criança lida bem com um "não".
- Demonstre como você lida com suas próprias frustrações. Exemplo: "Queria muito ir ao parque, mas está chovendo. Vou fazer outra atividade legal em casa".
Fernanda Landeiro reforça, no entanto, que o manejo é diferente em caso da existência de transtornos que podem estar ligados a questões comportamentais.
"Nesses casos específicos obviamente essa criança ela vai precisar de um tratamento, que envolve psicoterapia com psicólogos e pode envolver, também, medicação psiquiátrica".
📷 Direito à imagem
O artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal do Brasil garante que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas são invioláveis. Além disso, o inciso prevê o direito a indenização por danos morais ou materiais decorrentes da violação desses direitos.
Em entrevista ao g1, Raíssa Varrasquin Pavon, advogada no escritório Ernesto Borges Advogados, Especialista em Direito Digital e Proteção de Dados, afirma que "a imagem pode sim se configurar como um dado pessoal", inclusive nos meios digitais.
"Portanto, nesse caso em específico, o uso indevido da imagem por meio de uma gravação exposta em redes sociais pode sim gerar direito ao ofendido, a vítima, a uma indenização por danos morais", afirma.