Aprender para incluir: saber Libras faz a diferença e facilita o dia a dia dos surdos
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é o principal acesso para que os surdos se comuniquem, mas a sua aplicação ainda não é plena por todos os que têm a audição perfeita. Já imaginou não ouvir um alerta que poderia evitar um acidente, ficar sem saber um problema que afeta o bairro, ou ter dificuldade em pedir uma informação? O dia a dia dos surdos é como uma prova de obstáculos.
Na Igreja Católica, o sacramento da confissão é a oportunidade para os fiéis demonstrarem humildade no arrependimento e pedir perdão a Deus. Mas a Irene de Fátima Mantovani, coordenadora da Pastoral do Surdo de Jundiaí (SP), precisou esperar 29 anos para mudar a forma de se confessar.
Ela nasceu surda e a confissão sempre foi escrita em papel para o padre. Tudo mudou quando ela e o marido, que também é surdo, conheceram o padre Adriano Ferreira Rodrigues, que sabe Libras. Agora, pela língua de sinais, ela conta o pecado, ele explica a ela, e ela entende. “Por isso a importância das libras na vida da comunidade. Para que as pessoas cada vez participem mais”, afirma Irene.
O padre lembra que não pode colocar mais alguém na sala ouvindo o pecado de uma pessoa a não ser que ela também tenha prestado o juramento de manter o sigilo da confissão como o sacerdote.
“Já é uma dificuldade para a pessoa ali reconhecer os seus erros e pedir a ajuda de Deus. Poder ser esse canal da graça de Deus envolve também aprender Libras e poder falar de uma forma que a pessoa entenda”, diz o religioso.
Na igreja, a Pastoral dos Surdos é formada por fiéis intérpretes de Libras. Aos finais de semana, quatro missas são traduzidas para a língua de sinais. O conhecimento da língua de sinais representou uma grande mudança na comunidade católica.
Saúde e atendimentos
Há lugares de bastante intimidade em que os intérpretes precisam acompanhar as pessoas com deficiência auditiva. Como um consultório de ginecologia. Há dois anos, a Regiane Alves dos Santos Novic é auxiliada por uma intérprete durante a consulta.
A comunicação nunca aconteceu antes porque a médica não sabe Libras e a auxiliar de produção desconhece a língua portuguesa. A forma para se entender eram as mímicas.
“Quando chego nos lugares eu já fico pensando: como vou fazer com o intérprete. ‘Fabiana (a intérprete), você pode vir junto? Como a gente pode fazer?’. É muito difícil. Precisava aprender o português, mas também precisava de muita ajuda. As palavras são muito difíceis”, afirma a paciente.
Segundo a médica ginecologista Maria Beatriz Gaboardi, a falta de comunicação pode comprometer a saúde das pacientes.
“Não ter o intérprete impõe muitas barreiras. Às vezes a paciente tem uma dor específica, uma queixa mais íntima e não consegue se expressar. Para fazer o diagnóstico, poder ajudar o paciente, precisamos entender e nos comunicar”, aponta.
Conforme o IBGE, 10 milhões de brasileiros têm alguma deficiência auditiva. Pouco mais de um quarto (2,5 milhões) têm surdez profunda, ou seja, não escutam nada. É o caso do Julio Cesar Stephani. Quando era criança, aprendeu a fazer leitura labial e a vocalizar algumas palavras que eram colocadas no papel. “Ter local, ter mais pessoas intérpretes, mais comunicação. Isso ainda tem pouco para os surdos”, exige.
Uma das suas dificuldades é o atendimento em órgãos públicos. Isso nem sempre foi fácil para os surdos, mas houve um avanço recente. Agora, depois do agendamento online pelo site do Poupatempo, é só comparecer à unidade escolhida e um servidor vai acionar a ajuda de um intérprete de Libras para atender à pessoa.
Por uma central, o profissional tradutor intérprete de Libras vai atuar diretamente na intermediação da comunicação entre o cidadão surdo e o atendente do Poupatempo por videochamada.
“Muitas vezes essas barreiras de comunicação dificultam ou até mesmo impedem que as pessoas surdas consigam resolver as duas demandas. É isso que a gente quer mudar”, afirma o coordenador de libras do órgão, Edílson Andrade.
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