VÍDEO: PMs xingam vendedor ambulante africano em ação de fiscalização no Centro de SP: 'Você tá na terra dos outros e ainda tá reclamando?'

Gravação obtida pela GloboNews mostra abordagem no Brás esse mês. Entidade diz que caso não é isolado; SSP diz que vai analisar imagens e 'reorientar agentes'.

Por Norma Odara, GloboNews e g1 SP — São Paulo


PMs xingam ambulantes estrangeiros com ofensas racistas, xenófobas e homofóbicas

“Você tá na terra dos outros e ainda tá reclamando?”, “Você não está no seu país não. Leva esse porr* daqui”. Essas são algumas das frases ditas por um policial militar de São Paulo durante uma abordagem a um vendedor ambulante marfinense, na região do Brás, o maior centro de comércio popular da capital paulista. A gravação foi feita por outros ambulantes, no dia 11 de outubro deste ano, e obtida com exclusividade pela GloboNews.

Nas imagens é possível ver os agentes de segurança na Rua Rangel Pestana em uma ação de remoção dos vendedores informais no âmbito da “Operação Delegada” – convênio firmado entre a Prefeitura de São Paulo e o governo do estado para ações de fiscalização ao comércio ambulante ilegal. No vídeo, os PMs usam palavras de ordem, xingamentos contra estrangeiros e ofensas xenófobas, racistas e homofóbicas (leia abaixo a transcrição).

Na quarta-feira (30), o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, entidade não-governamental que atua junto no combate à violação dos direitos humanos, apresentou a denúncia à Ouvidoria das Polícias do estado de São Paulo, que confirmou a reunião e que irá encaminhar o relato e pedido de explicações à Corregedoria da PM.

Procurada, a Secretaria estadual da Segurança Pública (SSP-SP) afirmou que não compactua com atos discriminatórios. A pasta confirmou que vai analisar as imagens e que os “agentes serão reorientados” (leia nota completa abaixo).

Ameaças e xenofobia

O ambulante que aparece no vídeo e responde ao policial é africano, nascido na Costa do Marfim, e casado com uma brasileira, que também trabalha como autônoma na região do Brás.

Ambulante: “Mesmo se eu não trabalhar, eu como. Vocês não sabem trabalhar. Eu não tenho arma nem nada. Você não vai atirar em mim. Eu não tô indo pra cima de você. Se você falar mal pra mim eu também vou falar pra você. Sai fora!”

Policial militar: “Você não está no seu país não. Leva esse porr* daqui”

Ambulante: Você sabe, Brasil país. Por que você está me ameaçando?”

Em outra gravação, o policial intimida o ambulante dizendo que está portando uma arma.

Policial Militar: “você não tá no seu país não, seu porr*. Vem aqui ‘negrinho’, pa* no c*. Ajuda seu amiguinho aí, seu pa* no c* [...] seu viado. Tô com a arma em punho aqui. Vem, vem.”

Medo de represálias

Depois das ofensas, eles contaram à GloboNews terem medo de sofrer represálias e, por isso, a reportagem não revelará a identidade do casal.

“Muito medo mesmo, pra sair de casa. É ruim. Se eu vejo um policial eu tenho medo, ele vai fazer a mesma coisa pra mim. Se a polícia veio direto e falou: ‘você volta pro seu país, vou atirar em você’, eu tenho medo. Eu não sou ladrão, eu não vendo droga, eu sou trabalhador para dar o pão pra minha mulher e pro meu filho, só isso”, relata o ambulante ameaçado.

A esposa do ambulante agredido relatou o aumento da violência de policiais contra trabalhadores na região. “São muitas operações, algumas com violência, a partir deste governo aumentou muito, virou uma coisa natural bater em trabalhador ambulante, agredir, se você tá gravando por ter medo. É uma coisa assustadora e os policiais não deixam gravar.”

Caso não é isolado, diz entidade

Ananda Endo, advogada do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, confirmou as ameaças e acompanha o caso.

“Esse ambulante já havia sofrido outros tipos de agressão por parte da polícia. No início deste ano ele teve as mercadorias apreendidas pela PM, na Operação Delegada, no Brás. Os policiais chegaram apreendendo as mercadorias de forma indiscriminada, sem pedir apresentação de documentos, sem saber se a pessoa tinha autorização para trabalhar ou não, e apreenderam documentos e itens pessoais: celular dele, a carteira apreendida junto com o protocolo de refúgio dele. Essas mercadorias até hoje não foram devolvidas”.

Ela conta que este não é um caso isolado e cita outro episódio que aconteceu em agosto deste ano em repressão ao comércio ambulante e que culminou na prisão de um comerciante.

“Era uma situação onde ele estava agindo para defender a amiga que foi golpeada, foi preso de forma arbitrária, a gente não tem quase informações sobre o que aconteceu e foi uma pessoa que foi presa simplesmente pelo fato de estar realizando seu trabalho, ele tem carteira de trabalho, trabalhava aos finais de semana para complementar renda e foi preso por ser ambulante e imigrante. A gente não consegue enxergar razoabilidade deste caso.”

O que diz a Polícia Militar

“A Polícia Militar informa que os agentes serão reorientados. As imagens compartilhadas são analisadas para esclarecer as circunstâncias da ocorrência e avaliar as medidas cabíveis aos envolvidos. A Instituição não compactua com atos discriminatórios e reforça em seus cursos de formação e atualização disciplinas com ênfase em direitos humanos, igualdade social, diversidade de gênero, ações antirracistas, entre outras”.

O que é a Operação Delegada

A Operação Delegada teve início em 2009 e consiste em um convênio voluntário firmado entre a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado de São Paulo. De acordo com a prefeitura a parceria consiste em jornada extra para policiais militares, que participam voluntariamente, em seus dias de folga, e atuam fardados em diversas áreas da cidade, sobretudo no apoio às subprefeituras no combate ao comércio ambulante irregular.

As bonificações por hora trabalhada variam de R$ 42,43 a R$ 76,38, e segundo a prefeitura a atual gestão aumentou o número de vagas diárias para 2400 agentes e pelo menos 1400 atuam na região central da cidade.