Glitter é prejudicial para vidas aquáticas, diz estudo da UFSCar; uso aumenta no carnaval

As pequenas partículas brilhantes que adornam o corpo dos foliões não são biodegradáveis e acabam parando em rios e mares por serem pequenas demais para serem filtradas no sistema de esgoto.

Por g1 São Carlos e Araraquara


Rodrigo Muci e a barba de glitter. — Foto: Thaís Leocádio/G1

O glitter já se consolidou como matéria-prima de roupas, adereços, peças de decoração, cosméticos e até maquiagem. E o que esse pó colorido que, normalmente, você passa no rosto no carnaval, tem a ver com o meio ambiente? Para alguns pesquisadores, tudo.

As pequenas partículas brilhantes que adornam o corpo dos foliões são feitas de plástico e alumínio. Quando se lava o corpo ou rosto coberto de glitter, as peças escorrem pelo ralo. Pequenas demais para serem filtradas no sistema de tratamento de esgoto, acabam parando em rios e mares.

Glitter sai da área dos olhos e "invade" os cabelos — Foto: Reprodução/TV Globo

Cientistas da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) observaram que o revestimento metálico das partículas decorativas reduz a penetração de luz na água, interferindo em diferentes aspectos da vida aquática.

Segundo os resultados de uma pesquisa divulgados no New Zealand Journal of Botan, a alteração da passagem de luz compromete a fotossíntese e, consequentemente, o crescimento de uma das espécies mais comuns de macrófita do Brasil, a Egeria densa, popularmente conhecida como elódea.

As macrófitas são plantas aquáticas visíveis a olho nu que servem de abrigo e alimento para diversas espécies, proporcionam sombreamento, produzem oxigênio e até podem ser usadas como biofiltro em projetos de fitorremediação. A elódea, por exemplo, é muito usada na ornamentação de aquários e lagos artificiais.

UFSCar — Foto: Departamento de Ciências Ambientais/UFSCar

Como foi feito o estudo?

Os pesquisadores Departamento de Hidrobiologia analisaram a ação do glitter por meio de ensaios de laboratório que envolveram incubações in vitro com 400 unidades da macrófita submersa aclimatadas em água do reservatório Monjolinho, da UFSCar.

Foi utilizado no experimento glitter comum, do tipo comercial, com área de superfície média de 0,14 milímetro quadrado.

Quatro combinações foram testadas:

  • macrófitas na presença de glitter (concentração de 0,04 grama por litro) com e sem luz;
  • macrófitas na ausência de glitter com e sem luz (grupos-controle).

As taxas fotossintéticas de cada grupo foram, então, analisadas usando um método conhecido como “frasco claro e escuro”. Os frascos “claros” foram expostos à radiação fotossinteticamente ativa, enquanto os “escuros” foram protegidos para bloquear qualquer luz e usados para calcular as taxas de respiração.

Os resultados do experimento deixaram claro o tamanho do problema: as taxas fotossintéticas de E. densa foram 1,54 vez maior na ausência do glitter – responsável por reduzir a intensidade luminosa que incidia no interior dos frascos.

Os processos respiratórios das plantas também foram diminuídos, embora não de forma tão significativa.

“Essas descobertas apoiam a hipótese inicial de que a fotossíntese sofreria potencial interferência do glitter, possivelmente devido à reflexão da luz pela superfície do metal presente nesses microplásticos”, disse Luana Lume Yoshida, primeira autora do trabalho. Atualmente, ela é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais (PPGERN).

Carnaval sustentável

De acordo com Marcela Bianchessi da Cunha-Santino, coordenadora do Laboratório de Bioensaios e Modelagem Matemática (LBMM), do Departamento de Hidrobiologia, o experimento da UFSCar observou especificamente a interferência física do glitter em uma espécie macrófica, mas já há outras referências conhecidas sobre a contaminação da água e o consumo dessas partículas por diversos organismos aquáticos.

“Encaixando todas essas peças, conseguimos traçar um panorama do funcionamento do ecossistema como um todo e do que pode acontecer com a cadeia alimentar completa – e esse é o grande diferencial da abordagem ecológica", disse.

“Com um ‘banco de dados’ robusto, poderemos pensar em políticas públicas que pautem um consumo mais consciente desse tipo de material. Mas, por ora, é importante passar para a sociedade que alterações nas taxas de fotossíntese, embora possa parecer algo distante de nossa realidade, estão interligadas a outras mudanças que nos afetam mais diretamente, como a diminuição da produção primária das cadeias tróficas dos ambientes aquáticos [organismos na base da cadeia alimentar]. Se já há alternativas mais sustentáveis de adereço, por que, então, não fazer a mudança desde já?”, acrescentou Irineu Bianchini Júnior, também coordenador do LBMM.

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