Um estudo do Instituto Saúde e Sociedade (ISS) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) da Baixada Santista, no litoral paulista, revelou que mais de 54% dos alimentos e bebidas direcionadas às crianças apresentam altos níveis de açúcar e gordura, transformando diversão em armadilhas coloridas e açucaradas. A pesquisa foi publicada na revista Food Research International.
Os pesquisadores examinaram 8.942 produtos disponíveis em supermercados entre fevereiro de 2021 e setembro de 2023, identificando que 959 rótulos, ou seja, 10,7% deles usam algum tipo de marketing voltado às crianças.
Foram usados indicadores nutricionais como o Nutri-Score, que avalia a qualidade nutricional dos alimentos com base em um sistema de pontuação e a classificação Nova, que os caracteriza com o grau de processamento.
Além disso, também utilizou o indicador nutricional do Perfil Nutricional da Anvisa (RDC 429/2020 - Lupa), que considera parâmetros como calorias, gorduras, açúcares e sódio, e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Dados alarmantes
A presença de personagens e mascotes nos rótulos dos alimentos destinados às crianças influencia na compra. A professora Veridiana Vera de Rosso explicou que a qualidade nutricional desses produtos é alarmante.
"Além de terem alto teor de açúcar adicionado, gordura saturada e sódio, eles têm baixos teores do que nós consideramos nutrientes positivos, em termos de fibras, proteínas, vitaminas e minerais", complementou.
Quanto maior o número de estratégias de marketing usadas, pior é a qualidade nutricional. "É bastante preocupante. O que chama mais a atenção das crianças acaba sendo o pior em qualidade nutricional".
Uso de corantes
Quase 45% dos produtos analisados possuem corantes artificiais, como Allura Red AC e o Brilliant Blue FCF - usados para torná-los mais atraentes ao público infantil, mas que causam impactos na saúde a longo prazo.
"A maioria desses corantes foram identificados são artificiais. Ou [são] que nem o carmim de cochonilha, que é um corante natural, mas potencialmente alergênico, então a gente fica bastante preocupado", disse.
Os dados também mostram que 6,77% dos produtos têm edulcorantes artificiais, como o acesulfame de potássio e o aspartame, mas há a necessidade de pesquisas sobre o efeito causados por eles a longo prazo.
Formulação de políticas públicas
Veridiana pontuou que as crianças são 'o elo fraco da corrente', pois não têm o discernimento para avaliar a qualidade nutricional e o impacto que esses alimentos causarão na saúde.
Para ela, os pais devem ser os primeiros a ficarem atentos. Caso os alimentos possuam o selo indicador, aqueles produtos devem ser evitados ou oferecidos às crianças raramente.
"O estudo tem essa função de alertar os pais de que é necessário ter uma atenção em relação a esses produtos porque, em geral, eles têm uma qualidade nutricional inadequada", complementou.
Além disso, a professora explicou que os resultados mostram a necessidade de atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibindo o uso das estratégias de marketing nesses produtos.
"É na infância que se forma os hábitos alimentares, então é nesse momento que as intervenções são mais efetivas. Quanto menor o consumo desses produtos pelas crianças, consequentemente quando adultos, terão uma vida mais saudável", disse.
Ela ressaltou a importância do selo de advertência nos produtos, mas enfatizou a necessidade do Brasil avançar em outras estratégias, como a taxação desses alimentos e a proibição do uso de marketing nos produtos infantis.
"Que o consumidor faça realmente o uso desse instrumento tão potente que é a rotulagem nutricional frontal para fazer as suas escolhas alimentares", disse. O estudo fez parte da dissertação de mestrado da aluna Sarah Polezi.
"Se a população utilizá-los [rotulagem nutricional], com certeza reduzirá o consumo de açúcar gordura saturada e sódio que são os constituintes implicados nas doenças crônicas", finalizou.