A "vontade de mover o corpo" sempre esteve presente com o bailarino Hytalo Araújo, de 21 anos. O jovem nascido em Ilhéus, na Bahia, e que desde os 6 anos vive na periferia de Mogi das Cruzes, descobriu no balé e na dança a engrenagem capaz de mobilizar a vida dele e de outras pessoas.
"Quero que outros meninos tenham esse olhar, que outras meninas tenham esse olhar, de ‘poxa, eu sou capaz, eu consigo, eu posso ir além da caixinha que me colocam’. E ver isso no olhar das pessoas é muito mágico", explica.
Desde 2019, Hytalo integra o projeto “Transversal: O Masculino e a Dança”, financiado pela Lei de Incentivo à Cultura (LIC) de Mogi das Cruzes, em uma escola de dança de Mogi. Foi no espaço que o bailarino deu os primeiros passos no mundo da arte, aos 16 anos anos. Com a prática no balé clássico e contemporâneo, ele afirma que conseguiu se entender melhor em todos os sentidos.
"Eu tinha muitos problemas com fala, com contato visual, era uma pessoa muito retraída. Hoje, eu consigo olhar pra esse lado e remanejar essas energias, sabe?”, conta.
Toda a transformação promovida pela arte na vida de Hytalo o motivou a iniciar um trabalho de inclusão de crianças e jovens da periferia, como ele, a partir da dança. Para ele, as vivências como artista abriram a mente para perspectivas profissionais que, antes, ele nem cogitava.
“Sempre colocaram na minha cabeça que, se você é negro, se você é periférico, você tem que trabalhar em mercado, em padaria ou como pedreiro, como pintor, sabe? Não que essas profissões não sejam honrosas, mas costumam se fechar um leque pra isso. E eu estando nesse espaço, me abriu a cabeça pra olhar outras possibilidades de vida, sabe? E como eu também sou fruto de um projeto, que é o projeto Transversal, como eu tinha dito, eu quero repassar isso para as pessoas".
De acordo com Hytalo, o contato com a dança também o conscientizou sobre a elitização da arte, que, para ele, "só as classes mais ricas, de mais renome e poder conseguem estar". Ele comenta que a ausência de mais artistas negros nos palcos não passa despercebido.
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“Num geral, eu sinto muito que em alguns lugares ainda se tem um certo preconceito, um certo receio sobre bailarinos negros. E às vezes até esse apagamento de destaque, porque eu conheço muitos bailarinos [negros] ótimos. E, na maioria das vezes, não pegam um lugar de destaque por conta que as escolas em que eles estão não dão vez pra eles, não colocam eles nesse espaço”, avalia.
Com mais de cinco anos de envolvimento direto na cena cultural, Hytalo vê na arte uma oportunidade de conexão pessoal. Por isso, ele acredita que o trabalho social que ele idealizou e desenvolve é uma missão de vida.
"Eles não precisam sair de lá dançarinos, bailarinos, mas que consigam se olhar e entender que eles são pessoas, que podem alcançar aquilo o que querem sem restrições de cor e gênero", finaliza.