Com o intuito de ter uma vida mais saudável, Silvia Fernandes, de 24 anos, reduziu consideravelmente o consumo de bebidas alcoólicas. A jovem carioca diz não se arrepender da decisão, mas descreveu como "desagradáveis" as abordagens frequentes sobre o tema.
"Eu sempre fui ligada em esporte, mas também sempre bebi. Nunca tive o físico que eu gostaria, mas tudo bem, era uma decisão minha continuar bebendo. Chegou num momento, no ano passado, no qual resolvi investir na academia. Reduzi em mais de 80% o consumo de álcool e estou supersatisfeita com o resultado", relata, acrescentando que a decisão trouxe um efeito inesperado.
"É sempre um interrogatório quando vou em eventos, festas ou churrascos. Parece que as pessoas querem te forçar a beber. Eu sei me divertir sem álcool, mas as pessoas, em geral, não entendem isso", desabafa Fernandes.
A jovem carioca é vítima de "sober shaming" ("humilhação dos sóbrios", em tradução literal). Esse fenômeno ocorre quando indivíduos que decidem reduzir ou parar de beber enfrentam um estigma social, sofrendo constrangimento em determinadas situações.
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Quebra de normas
Substância mais consumida no mundo, o álcool está presente no cotidiano da população ocidental. Mesmo sabendo dos malefícios relacionados ao seu uso, bebidas fazem parte de rituais de sociabilização, como em festas e confraternizações.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que o consumo de bebidas alcoólicas causa 2,6 milhões mortes por ano no mundo. Já 400 milhões de pessoas sofrem de transtornos relacionados ao uso de álcool e drogas, sendo 209 milhões dependentes de álcool.
Quando alguém diz não ao consumo de álcool, é muitas vezes pressionado a justificar sua escolha, o que demonstra uma quebra das normas ou ameaça para o grupo", afirma Larissa Gonçalves, mestranda na Faculdade de Pavia, na Itália.
Desconforto com perguntas
Um estudo divulgado pela consultoria de pesquisa e estratégia Go Magenta mostrou que 62% dos brasileiros já pensaram, em algum momento, diminuir o consumo de álcool. Dos que conseguiram reduzir o consumo, 68% afirmam ser frequentemente perguntados sobre o porquê. Destes 49% se sentem desconfortáveis em precisar se explicar e 34% consideram que essa é a principal barreira para beber ainda menos.
"Em certos círculos e relações, beber é um pacto social velado que é quebrado quando alguém se abstém. Se você sai com alguém que geralmente bebe, e essa pessoa resolve se abster naquele dia, é basicamente uma quebra de contrato daquela dinâmica", explica Gabriela Terra, responsável pela pesquisa da Go Magenta.
Seja por motivos de estética, saúde ou desinteresse, a pesquisa destaca, por fim, que a geração Z está bebendo menos e a redução é significativa, principalmente, em países de alta renda.
Alyne Melo, mestre em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), vai além. Ela explica que, apesar do "sober shaming" estar presente em todos os grupos sociais, a prática é vista majoritariamente entre homens héteros.
"Esse é um caso em que podemos ver o machismo em seu estado mais natural e preocupante. Um grupo de homens héteros colocam muito mais pressão em determinado individuo, quando analisamos um grupo de mulheres, por exemplo", destaca.
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