Câncer de colo de útero: 6 em cada 10 mulheres não conseguem iniciar o tratamento no prazo legal de 60 dias, aponta estudo

Pesquisa feita pela Fundação do Câncer traça um retrato epidemiológico da doença no país e levanta pontos que prejudicam o controle eficiente desse tipo de câncer.

Por Júlia Putini, g1


Câncer de colo de útero é a quarta causa de morte por câncer em mulheres no país. — Foto: Reprodução/Freepik

Estudo inédito da Fundação do Câncer aponta que 65,8% das mulheres (ou seis em cada 10) com câncer de colo de útero, causado pelo HPV, no Brasil esperam mais de 60 dias para conseguir iniciar o tratamento, indo na contramão do que prevê a lei para a rede pública.

A demora é uma das principais razões que deixam o país longe de controlar a doença. A situação é agravada pelas diferenças regionais, que geram lacunas na detecção e diagnóstico precoces. Quando identificado na fase inicial, é curável.

O levantamento, que reúne dados de diversas fontes sobre pacientes tanto da rede pública quanto privada de 2005 a 2019, consta do primeiro boletim info.oncollect, lançado em dezembro pela instituição. Essas informações são fornecidas por mais de 300 hospitais por meio do Integrador de Registros Hospitalares de Câncer (iRHC).

O documento traça um retrato epidemiológico do câncer de colo de útero no Brasil, que está entre os cinco mais comuns na população feminina e é a quarta causa de morte por câncer entre as brasileiras. Por esse motivo, todo mês de janeiro, o Ministério da Saúde promove a campanha "Janeiro Verde" de conscientização sobre a doença.

No país, a cada 100 mil mulheres, 4,6 morrem anualmente da doença. Nos Estados Unidos, esse número corresponde a menos da metade: 2,2 mortes a cada 100 mil. Alguns países, como Austrália e Nova Zelândia, quase não registram mortes por esse tipo de câncer.

"É muito grave que uma doença para a qual existem vacina e meios de prevenção possua essa taxa de mortalidade [no Brasil]", diz Alfredo Scaff, médico consultor da Fundação do Câncer.

Principais conclusões do estudo

1 - Demora no diagnóstico e início do tratamento

  • As pacientes enfrentam obstáculos para prevenir a doença por conta da dificuldade em obter o diagnóstico, que é feito pelo exame papanicolau.
  • Mais de 50% dos casos são identificados em fase avançada, o que impacta nas chances de cura.
  • 65,8% das mulheres atendidas nas redes pública e privada esperaram mais de 60 dias após o diagnóstico para iniciar o tratamento. Uma lei de 2012 prevê ao paciente com câncer que inicie o tratamento no SUS no prazo de até 60 dias.
  • No Norte, região líder de casos e de mortalidade, esse percentual é de 72,5%.
  • O Sudeste, que tem o segundo maior percentual do país, a taxa é de 69,6%.

Demora de duas a três décadas do processo inicial até o câncer, o que explica a maior incidência da doença em mulheres com mais de 40 anos. Por isso que um exame preventivo a cada três anos é o ideal para diagnosticar de forma ainda muito precoce
— Alfredo Scaff, médico consultor da Fundação do Câncer

Procurado pelo g1 em dezembro, ainda sob a gestão Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde não respondeu sobre o motivo da demora para início do tratamento na rede pública de saúde. O pedido de informações foi reiterado para a pasta em janeiro, já no governo Lula, que não havia dado retorno até a última atualização desta reportagem.

2 - Por região

Número de casos

  • O Norte tem o maior número de casos de câncer de colo de útero, com 76 novos casos a cada 100 mil mulheres.
  • Essa taxa é mais que o dobro da encontrada no Sudeste (35,4), onde a situação é a melhor do país.
  • Por outro lado, o Sudeste lidera os casos de lesão causada pelo HPV (antes de virar câncer), com 82,37. O Centro-Oeste aparece em segundo, com 81,66.

Número de mortes por câncer

  • A região Norte apresenta ainda o maior número de mortes em decorrência da doença em todas as faixas etárias.
  • O Sudeste tem o menor número de mortes em todas as faixas etárias.

A pesquisadora Yammê Portella, que participou do estudo, ressalta que, apesar de não haver muitas similaridades sociais entre as regiões Norte e Sul, os índices de mortalidade parecidos chamam a atenção.

Para ela, a hipótese é de que no Sul as altas taxas de tabagismo influenciam o desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Já no Norte, a desigualdade social é apontada como fator que exerce o maior impacto negativo na prevenção e tratamento.

3 - Por idade

  • No Brasil, os casos de câncer de colo de útero são mais comuns entre mulheres de 45 a 54 anos. De todas as mulheres com a doença contabilizadas no estudo, 20% tinham mais de 65 anos.
  • Já o número de mortes pela doença é maior nas mulheres entre 55 e 64 anos.
  • Mulheres de até 44 anos são as que mais apresentam a lesão causada pelo HPV (precursora do câncer).

4 - Por escolaridade

  • Os maiores percentuais da lesão do HPV que pode virar câncer são em mulheres com nenhuma escolaridade ou com ensino fundamental incompleto, com destaque para o Nordeste (55%).
  • Além disso, 61,6% das mulheres com o câncer de colo de útero possuem baixo grau de escolaridade (nenhuma instrução ou ensino fundamental incompleto).

5 - Por etnia

  • Tanto o câncer em si quanto a lesão precursora da doença acometem mais mulheres negras (pretas e pardas) em quatro das cinco regiões do Brasil, com, respectivamente, 64,3% e 62,7%.
  • A exceção é na região Sul, onde há o maior percentual de mulheres brancas com a doença. São 89,3% com a lesão precursora e 87,6% com o câncer invasivo.

Entenda sobre câncer de colo de útero

Causa

  • O câncer no colo do útero é causado pela infecção por um dos tipos malignos do papilomavírus humano (HPV), que é sexualmente transmissível.
  • Existem mais de 150 tipos diferentes de HPV, sendo 12 de alto risco para o câncer. Outros tipos podem causar verrugas genitais, mas esses dificilmente viram câncer.

Sintomas

  • Em estágio inicial, o câncer de colo de útero é completamente assintomático.
  • Sintomas precoces envolvem sangramentos fora do período menstrual e após relações sexuais.
  • Conforme o câncer se desenvolve, o tumor cresce e começa a pressionar outras estruturas, causando dor.

Prevenção

Os dois maiores pilares para a prevenção e erradicação da doença são:

  • Exame papanicolau: deve ser feito a partir dos 25 anos em mulheres com vida sexual ativa. É recomendado que as duas primeiras coletas sejam anuais. Se os resultados vierem normais, pode ser refeito a cada três anos. São coletadas células do colo uterino e enviadas para análise em laboratório.
  • Vacina contra o HPV: existem dois tipos: 1 - a bivalente (que protege contra duas variações do vírus e equivale a uma taxa de 60% de prevenção contra o câncer); 2 - a quadrivalente (que protege contra quatro variações, oferecendo uma cobertura de proteção de 80%).

A vacina contra o HPV é aplicada gratuitamente na rede pública brasileira em adolescentes de ambos os sexos entre 9 e 14 anos de idade. Também têm direito à vacina gratuita as mulheres imunossuprimidas com até 45 anos. As pessoas fora do público-alvo podem tomar na rede privada a um custo de cerca de R$ 600 cada uma das três doses.

Em dezembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou as recomendações quanto à vacinação para o HPV. A nova recomendação foi feita visando a prevenção do câncer de colo de útero, e prevê que, além das meninas de 9 a 14 anos, também sejam vacinadas mulheres mais velhas.

Ao g1, o Ministério da Saúde, sob a gestão de Bolsonaro, havia informado que o Programa Nacional de Imunizações acompanhava a discussão e está aguardando a conclusão de outros estudos sobre a duração da imunidade com dose única e levaria esse assunto para discussão na Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI), no primeiro semestre de 2023.