A repercussão do crime cometido pelo médico anestesiologista Giovanni Quintella, preso em flagrante por estuprar uma grávida durante o parto, levou a questionamentos sobre se não havia um acompanhante no momento em que ocorreu o crime.
Em nota oficial emitida pela direção do Hospital da Mulher Heloneida Studart, de São João de Meriti (RJ), foi informado que a paciente estava acompanhada do marido para o procedimento, direito garantido por pela Lei Federal n° 11.108/2005, conhecida como a Lei do Acompanhante. No entanto, após o nascimento do bebê, o pai deixou o centro cirúrgico para acompanhar a criança até o berçário. Foi durante esses instantes que o médico aproveitou para abusar sexualmente da mulher.
Os serviços de saúde do SUS, da rede própria ou conveniada, são obrigados a permitir à gestante o direito a acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. Este acompanhante será indicado pela gestante, podendo ser o pai do bebê, o parceiro atual, a mãe, um(a) amigo(a), ou outra pessoa de sua escolha. A parturiente também pode optar por não ter acompanhante.
A direção do hospital ressalta que está prestando todo apoio à vítima e à sua família. A mãe de outra paciente sedada pelo médico relatou em entrevista à TV Globo ter desconfiado do estado em que sua filha voltou da mesa de cirurgia.
Entenda os direitos da gestante na hora do parto
Vulnerabilidade e violência
Carla Iaconelli, médica ginecologista e obstetra, lembra a vulnerabilidade em que a gestante se encontrava no momento em que foi estuprada pelo anestesiologista. "A vítima estava indefesa porque a raquianestesia paralisa das pernas para baixo, e ainda por cima ela foi sedada pelo médico", ressalta.
Rose Tavares, advogada especialista em Direito à Saúde, explica que durante a pandemia, uma parcela dos juízes entendeu que, em razão do estado de calamidade pública, alguns direitos individuais poderiam sofrer restrições para a predominância dos interesses sociais. Isso não foi o caso da vítima de Quintella, que teve seu direito a ter um acompanhante devidamente cumprido.
"Para conter a Covid-19 a lei poderia sofrer uma exceção, mas isso não é unânime. Em janeiro de 2021, a OMS emitiu uma recomendação para que todas as gestantes, mesmo aquelas com suspeitas de contaminação ou até mesmo com a confirmação da infecção, teriam sim o direito ao acompanhante antes, durante e depois do parto. Muitas gestantes ajuizaram uma ação judicial para garantir essa presença. Em casos dessa negativa, também houve casos em que foram formulados pedidos de indenização por danos morais", diz Rose.
Denúncia
A gestante que sofre uma violência obstétrica pode realizar uma denúncia no próprio hospital em que estava sendo atendida ou junto ao serviço de saúde, no caso de ser um hospital vinculado a um poder público. A advogada ressalta que também pode realizar a denuncia junto aos conselhos de classe, de medicina ou enfermagem, além de poder ligar no 136, o Disque Saúde, que é a Ouvidoria do Ministério da Saúde.
Ainda durante o pré-natal o ideal é preciso esclarecer com o médico quais as preferências, sendo possível a elaboração de um plano de parto a ser compartilhado com os profissionais. A advogada comenta que essa é uma excelente estratégia para formalizar com um documento a maneira que a mulher deseja que seu parto seja conduzido.
Nem sempre há a facilidade de coletar provas do ocorrido e Rose orienta que, nesses casos, a mulher violentada pode passar por exame de corpo de delito, bem como verificar a possibilidade uma prova testemunhal dos profissionais que presenciaram a situação. "É importante obter todo o prontuário médico, pois o profissional é obrigado a justificar as razões de ter adotado os procedimentos que realizou", avisa.
"O médico pode ser responsabilizado de forma criminal, dependendo do ocorrido; de forma civil, arcando com a reparação de danos matérias, estéticos e morais; e administrativa, junto ao conselho de classe, podendo até perder sua licença médica. O hospital em si pode ser responsabilizado de Provasmaneira civil, também arcando com a reparação de danos", detalha Rose.
Funcionárias reuniram provas
A prisão em flagrante de Giovanni Quintella Bezerra foi possível porque funcionárias do hospital, desconfiadas do médico, reuniram provas do estupro ao gravarem o crime com uma câmera escondida.
Luciano Santoro, doutor em direito penal pela PUCSP e advogado, explica a importância do registro para as investigações.
"O vídeo é uma prova importante que deve ser submetida à perícia pelo Instituto de Criminalística, que deverá proceder com sua degravação e análise. A autoridade policial e, posteriormente, o ministério público, deverão avaliá-lo juntamente com os demais elementos informativos do inquérito", comenta.