Professora, historiadora, “beradeira”, periférica, rondoniense e afroamerindígena (descendente de indígenas e negros amazônicos), Lauri Miranda Silva foi a primeira mulher trans do Brasil a conseguir o título de Doutora em História. A tese aborda trajetórias como a sua: histórias de corpos invisibilizados e oprimidos pela sociedade, mas revolucionários.
A Universidade Federal de Rondônia (Unir), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Associação Nacional de História utilizaram seus canais oficiais para informara que Lauri é a primeira mulher trans a conquistar o título de doutora em História no Brasil e parabenizar a conquista.
Lauri nasceu em Porto Velho e foi criada pelos avós evangélicos. Estudou a vida inteira em escolas públicas, incluindo a graduação em História e o mestrado em História e Estudos Culturais, ambos pela Unir.
Conquistou o título de doutora em História pela UFRGS, em 2023, com a tese “Vozes subversivas e corpos transgressores: memórias da (re) existência de militantes dos movimentos LGBTQIA+ e de mulheridades contra as opressões interseccionais em Rondônia”.
Em sua tese de doutorado, Lauri escreveu uma microautobiografia onde ela relata memórias de sua vida, incluindo uma infância de “vida dupla”: exercendo o papel social do sexo que lhe foi imposto no nascimento, mas, “nas escondidas”, amando as “coisas de menina”.
“Eu brincava com carrinhos e petecas com meus primos no quintal de casa [...] Mas às “escondidas” de meus avós, eu brincava com as bonecas (eram nossas filhas) das minhas primas quando elas iam nos visitar nos fins de semanas. [...]”, conta em sua microautobiografia.
Foi na adolescência que Lauri percebeu ser “diferente” e também nessa época foi quando aumentaram os conflitos sobre sua identidade de gênero e orientação sexual.
“No Ensino Médio a gente já vai tendo uma concepção do que estamos nos tornando e vamos adentrando num novo universo de conhecimento de si e formação para si. Passei a estranhar e a sentir incômodos com meu corpo, e com as vestimentas que eu usava”, aponta na tese.
Sua microautobiografia relata também sobre o afastamento da religião, as tentativas da família de fazê-la se encaixar em um local que não lhe pertencia e os sonhos pequenos, mas que na época pareciam inalcançáveis: como um emprego.
O corpo de Lauri é revolucionário, assim como seus sonhos que tinha quando ainda era uma adolescente, neta de evangélicos e vítima de homofobia, transfobia e racismo, criticada pela sociedade pela forma como se vestia, andava, se comportava ou até mesmo com o que planejava para a vida.
E dessa revolução Lauri literalmente fez história e História. Se tornou a primeira mulher trans do país a conquistar o título de Doutora em História contando sobre militantes e movimentos LGBTQIA+ de Rondônia e os casos de opressão vividos por eles, seja de classe, raça, gênero ou sexualidade.
“Eu passei por diversas formas de violências para chegar até aqui, em um país com desigualdades sociais, oriunda de uma região considerada periférica, cujo estado é extremamente conservador, nesse sentido ter me tornado uma das poucas intelectuais travestis e trans com o título de doutora é uma grande conquista para mim e para todas aquelas que vieram antes de nós”, ressalta.
Segundo Lauri, sua conquista é a chama para uma fogueira gigante de oportunidades para outras pessoas trans e travestis de Rondônia, além de acender uma discussão sobre os locais ocupados por essas pessoas, sobretudo nas universidades, especialmente nos cargos de docentes.
“É uma porta de sonhos e desejos que se abre para que outras travestis e pessoas trans possam ingressar e permanecer na Universidade. Ressalto a ausência de docentes trans na Unir. Precisamos ocupar esse lugar, porque o fato de eu ser a primeira mulher trans doutora em história no Brasil, diz muito sobre as ausências e o apagamento de nossos corpos na Universidade e em outros espaços”, aponta.
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