Por Mauro Ferreira

Jornalista carioca que escreve sobre música desde 1987, com ... ver mais

Grupo Boca Livre ressoa afinado e engajado no cancioneiro de Rubén Blades no inédito álbum 'Pasieros'

Dissolvido há um ano, o quarteto carioca tem lançado o disco em espanhol gravado em 2011 com onze músicas que dão amostra da obra politizada do compositor panamenho que renovou a salsa.


Capa do álbum 'Pasieros', de Rubén Blades com Boca Livre — Foto: Divulgação

Resenha de álbum

Título: Pasieros

Artista: Rubén Blades com Boca Livre

Edição: Rubén Blades Productions

Cotação: * * * *

“En vez de vivir con miedo / Mejor es morir / Sonriendo, con el recuerdo vivo", decreta o Boca Livre ao dar vozes aos versos de Adán García (1992), composição de Rubén Blades gravada pelo autor com o grupo carioca em 2011 para álbum, Pasieros, que chega ao mundo onze anos após a realização deste disco até então inédito no mercado do Brasil e do exterior.

Ao narrar na letra o cotidiano da personagem-título Adán García, na música que lançou originalmente há 30 anos no álbum Amor y control (1992), o militante Blades deu mais um toque político entre tantos que permeiam a obra engajada do artista.

Como atestam as gravações de músicas como Paula C (1979), o engajamento é o mote da seleção do repertório de Pasieros, álbum lançado na sexta-feira, 20 de maio, um ano e quatro meses após a dissolução do conjunto Boca Livre por divergências políticas entre Zé Renato (voz e violão), Lourenço Baeta (voz, violão e flauta), David Tygel (voz e viola caipira), Maurício Maestro (voz, baixo, violão e arranjos).

Ainda que soe como título póstumo da discografia do quarteto, o álbum soa relevante, além de belo, por oferecer consistente amostra da obra de Rubén Blades.

Para ouvintes brasileiros que desconhecem a produção musical da América Latina, Rubén Blades é cantor, compositor e músico panamenho – nascido na cidade do Panamá em julho de 1948 – que sobressaiu no mercado de língua hispânica a partir dos anos 1970 ao dar voz a um cancioneiro autoral comprometido com as lutas pela liberdade e pela democracia no continente latino-americano.

Até por isso o álbum Pasieros – também editado em versão em português, intitulada Parceiros, com oito das onze faixas do disco original em espanhol – sai no momento certo, neste tenso ano de 2022, estando disponível no Brasil através dos aplicativos de música.

Capa do álbum 'Parceiros', edição em português do disco 'Pasieros' — Foto: Divulgação

Pasieros é álbum gravado com músicos brasileiros como o pianista João Carlos Coutinho, o baixista Jorge Helder, o acordeonista Chiquinho Chagas, o trompetista Jessé Sadoc, o violoncelista Iura Ranevsky, o cavaquinhista Wanderson do Cavaco, os bateristas Pantico Rocha e Robertinho Silva e os percussionistas Marcelo Costa, Marcos Suzano e Marçalzinho.

Contudo, esse time de virtuoses soa reverente ao universo da música de Bládes sem embutir em Pasieros os clichês tropicais que ouvidos estrangeiros geralmente esperam encontrar em discos com toques brasileiros.

Creditado como “convidado muito especial” no encarte da edição em CD do álbum Pasieros, João Donato põe o toque caribenho do piano do músico acreano em Buscando Guayaba (1978), apimentando o tempero dessa salsa lançada por Blades em álbum gravado com o trombonista norte-americano Willie Colón em álbum, Siembra (1978), que renovou o gênero musical cubano ao engajar a salsa na militância do artista panamenho.

Desse disco histórico, Blades também revive com o Boca Livre as músicas Dime (1978) e Pedro Navaja (1978), tema que fecha o disco em gravação de seis minutos que mixa o balanço da salsa com a cadência do samba.

Embora celebrado pela revolução feita na salsa com Willie Colón, Rubén Blades também tem obra marcada por canções mais melódicas pautadas pelo lirismo. Sin tu cariño (1979) e Juana Mayo (1988) – tema em que esse lirismo adquire tom dolente – exemplificam em Pasieros essa vertente da obra do compositor enquanto Caminando (1991) – faixa-título de álbum da discografia solo do artista – repisa o trilho latino do artista panamenho, irmanado com o Boca Livre nas 11 faixas do disco.

O grupo jamais soa como coadjuvante em Pasieros, como se fizesse coro para Blades. O álbum promove de fato a parceria alardeada no título. O que dá frescor a músicas como Vida (1999), Día a día (1999) – tema em que a nostalgia de tempos idos é o motor que impulsiona o desejo de mudar o que está fora da ordem atual – e Aguacero (1999), músicas de álbum, Tiempo (1999), lançado por Blades em tempo de maturidade.

Aguacero cai no disco com o toque do acordeom de Chiquinho Chagas, reiterando o recado político – “Los años nos hacen libres o prisioneros” – que Rubén Blades manda com o Boca Livre em vocais sempre harmoniosos neste disco que, embora feito há 11 anos, se afina com o tempo presente do Brasil.