"Matrix Resurrections" é um filme preso em um limbo. Por um lado, é muito melhor do que o fraco "Reloaded" e o lamentável "Revolutions", seus antecessores de 2003. Por outro, é difícil determinar se apresenta ideias novas o suficiente para justificar sua existência mais de 20 anos após o começo da franquia com o clássico de 1999.
Com o retorno de Keanu Reeves e Carrie-Anne Moss como o casal de protagonistas, o quarto capítulo da série cinematográfica do Escolhido e sua luta contra as máquinas estreia nesta quarta-feira (22) nos cinemas brasileiros.
Já a diretora Lana Wachowski volta sem a irmã, Lilly, e a megalomania responsável por grande parte dos problemas das sequências anteriores.
Em sua primeira aventura solo, a cineasta mostra que sabe se aproveitar da nostalgia da obra, e brincar com um elevado nível de autoconsciência que impede que o filme se leve a sério demais.
Infelizmente, no processo também exige do público um grau elevado de conhecimento prévio. Por mais que "Resurrections" seja talvez a mais didática das tramas da franquia, não dá para escapar da obrigação de assistir à trilogia inteira para entender suas reviravoltas.
Entre risadas, tiros e kung fu, no entanto, o filme não consegue reproduzir o encanto e a inventividade do original – e parece se contentar em deixar os golpes mais potentes de seu astro para "John Wick".
Trailer de 'Matrix: Resurrections'
De volta à Matrix mais uma vez
É difícil explicar a história desse novo capítulo sem entregar pontos que os mais obcecados poderiam considerar spoiler. Ainda mais se o próprio trailer se limita tanto a imagens desconexas da primeira metade.
Basta dizer que o conflito entre máquinas e humanos obviamente não teve a resolução prometida ao final de "Revolutions".
Com isso, Neo (Reeves) deve tirar o pó do sobretudo preto para voltar, um tanto relutante, à sua antiga função de o Escolhido, ao lado de alguns rostos conhecidos e outros nem tanto.
Matrix para iniciantes
Se parece um fiapo de história, é porque, de certa forma, realmente o é. O roteiro escrito por Lana com David Mitchell (autor de "Atlas das nuvens", adaptado para o cinema pelas Wachowskis em "A viagem") e Aleksandar Hemon está mais interessado em brincar com a própria existência do que em contemplar temas filosóficos.
Entre piadas sobre a necessidade de continuações por exigências comerciais e controle criativo, há alguns vislumbres de discussões interessantes que logo são deixadas em segundo plano.
A mais urgente, aliás, é o impulso de pontuar que a trama, cooptada ao longo dos anos por grupos de extrema direita, sempre se tratou por uma busca por identidade muito mais ligada às questões de gênero pelas quais as criadoras, irmãs transexuais, passaram ao longo de suas vidas.
Mas tudo se perde um pouco entre as mil homenagens às obras anteriores, em especial a original, que materializam em reconstruções quase quadro a quadro de sequências clássicas do primeiro "Matrix".
Tudo ligado por um enredo que, comparado a seus antecessores, é tão didático que parece até um pouco bobo, mas que encontra em suas próprias referências um equilíbrio interessante.
Velhos e novos revolucionários
No meio disso tudo, o mais importante é que Reeves, do alto de seus 57 anos, parece estar se divertindo mais do que nunca – algo vital para o ator e seu carisma enigmático.
E se Moss e Jada Pinkett Smith voltam com dignidade a Trinity e Niobe, respectivamente, sem ir muito além, cabe aos novatos acrescentar um pouco de ar fresco à franquia.
Dá um certo alívio ver que "Resurrections" não é o desastre anunciado nem que seja para Jessica Henwick ("Punho de Ferro") finalmente ganhar um veículo que a alce a um patamar mais elevado em Hollywood.
Com uma rara mistura de charme e destreza em cenas de ação, a britânica de 29 anos merece algo melhor do que a pequena participação em "Game of thrones" ou a terrível série da parceria entre Marvel e Netflix.
Já entre os vilões, fãs de musicais em especial não conseguirão conter um sorriso irônico ao ver Jonathan Groff ("Hamilton") e Neil Patrick Harris (conhecido por "How I met your mother", ele foi indicado ao Tony pela montagem de "Hedwig and the angry inch" na Broadway) em sequências de luta e tiroteio.
Perto da redenção
O problema é que, com tanta coisa acontecendo, "Resurrections" repete a aflição dos personagens da franquia e nunca sabe exatamente o motivo da própria existência.
Perdido entre autocrítica engraçadinha, exercício nostálgico para ganhar dinheiro de fãs ou reafirmação de uma obra pessoal da autora, o filme esquece que se trata, também, de uma continuação de um clássico de ação.
E é por isso que é tão decepcionante que esse seja um dos quesitos mais aquém em relação a toda a série. "Revolutions" podia ser horrível e completamente fora de tom, mas pelo menos entregou tiro e explosão a dar com pau.
Já a sequência perde tempo demais com suas outras prioridades e esquece de sustentar um mínimo de ritmo, o suficiente para que o público se questione no começo se "Matrix" realmente existiu.
Para ser justo, o quarto capítulo acerta em muito ao conter os poderes quase ilimitados de seu protagonista, o que torna alguns dos embates um pouco mais emocionantes, mas isso talvez seja ainda pior. Afinal, mostra que a diretora e roteirista entende um pouco do que deu errado antes.
No fim, "Resurrections" chega perto de redimir os erros dos Matrix passados, mas talvez ainda seja pouco para justificar o retorno a uma franquia composta por um clássico e por duas continuações que seriam melhores se deixadas esquecidas.