A tese de “Misbehaving – A construção da economia comportamental”, do Prêmio Novel de Economia Richard H.Thaler (Intrínseca, 448 pgs. R$ 59,90), é simples: os agentes centrais da economia são seres humanos propensos a erros e a escolhas e comportamentos equivocados. Parece óbvio, mas, segundo a concepção clássica, a economia é movida por decisões racionais dos indivíduos, que agem com base nas informações disponíveis, sempre atendendo ao seu próprio interesse.
Frequentemente, isso não é verdade. Mesmo em decisões cotidianas de consumo, longe de sermos atores racionais, somos movidos por impulsos, hábitos e preconceitos – o que pode ter consequências ruins não somente para os indivíduos, mas também para governos e mercados.
A economia comportamental demonstra que, em quase todas as situações, o comportamento econômico está contaminado por condicionantes psicológicos – na vida doméstica, na abertura de empresas e nas pequenas escolhas do dia-a-dia, como a decisão de ir para o trabalho de carro, metrô ou Uber. O que Thaler faz é combinar descobertas recentes da psicologia com uma abordagem prática dos incentivos de mercado e do comportamento dos consumidores. Ou seja: a psicologia melhora a compreensão dos processos decisórios dos indivíduos e enriquece a teoria econômica.
“Misbehaving” combina reflexões econômicas com um bem-humorado relato da jornada pessoal de Thaler rumo ao Nobel de Economia de 2017 – incluindo seus diversos confrontos com economistas tradicionais. O livro resume também a história da economia comportamental, dos anos 1970 às suas aplicações na atualidade – que vão das flutuações do mercado financeiro à escolha sobre o que vamos comer no almoço.
O objetivo da economia comportamental é entender por que agentes econômicos inteligentes fazem escolhas insensatas. Thaler não está dizendo que as pessoas são estúpidas, nem que os modelos econômicos convencionais são inúteis. Ele está propondo que esses modelos assimilem elementos da psicologia para se tornarem mais eficazes e realistas – na interpretação e na previsão do comportamento dos agentes econômicos – contribuindo, assim para ajudar as pessoas a fazer escolhas melhores.
A ideia não é inteiramente original: John Maynard Keynes já sabia que as emoções (ou instintos) têm um peso fundamental no processo de tomada de decisão dos investidores – influenciáveis por boatos e até pela publicidade das empresas. Na década de 50, economistas como Herbert Simon criaram o conceito de “racionalidade limitada” para explicar o fato de que, em função de suas limitações, o indivíduo nem sempre está apto a fazer as escolhas mais acertadas. Já nos anos 70, foi a vez de psicólogos cognitivos começarem a estudar o processo decisório dos agentes econômicos.
Inspirado por seu guru, o psicólogo Daniel Kahneman, Thaler amarrou e sistematizou esses dois campos de pesquisa, inaugurando uma área de estudo já em 1980, quando lançou o livro “Toward a positive theory of consumer choice”. Kahneman foi, aliás, um dos precursores da aproximação entre psicologia e economia, ao formular, no final da década de 70, a Teoria da Perspectiva, que tentava explicar decisões irracionais dos agentes econômicos com base na resposta emocional a determinados incentivos, de maneira a torná-los mais previsíveis.
Se, por um lado, Thaler humaniza a ciência econômica, por outro lado ele torna a economia menos científica, ao demonstrar que as pessoas fazem escolhas que não podem ser previstas ou explicadas pela teoria clássica. A economia comportamental explica, por exemplo, por que muitas pessoas priorizam o consumo no presente, em vez de poupar para a aposentadoria: o prazer momentâneo é muito mais palpável que o incerto amanhã. Ainda que essas pessoas saibam que devem se preocupar em guardar, o custo emocional de abrir mão do consumo - um benefício presente (o consumo) – é bem menor que o de economizar para um benefício futuro – a aposentadoria.
A economia comportamental também explica por que as pessoas tendem a comprar ações quando o mercado está em alta – é o chamado movimento de manada no mercado financeiro. Naturalmente, não é racional concluir que, uma vez que o valor das ações está subindo, ele vai continuar a subir indefinidamente. Ou seja, as pessoas tendem a acreditar, irracionalmente, que aquilo que está acontecendo no presente vai continuar acontecendo no futuro.
Duas anedotas: 1) As teses de Thaler foram assimiladas pelo roteiro do filme “A grande aposta”, que reconstitui a crise financeira de 2007/2008 por meio da história de alguns corretores que perceberam que a bolha imobiliária iria estourar: o economista faz uma participação especial no filme, contracenando com a atriz Selena Gomez. Em uma entrevista após o anúncio do Nobel, Thaler declarou que ficou desapontado, porque sua “curta carreira em Hollywood” não foi citada pelo comitê no Nobel; 2) Em 2017, quando um jornalista lhe perguntou como gastaria o dinheiro do Nobel (US$ 1,1 milhão), Thaler respondeu: “Vou tentar gastar da forma mais irracional possível”.