O que chamamos popularmente de delação premiada é conhecido no meio jurídico como colaboração premiada. É um tipo de acordo que presos podem fazer com os investigadores para conseguir redução da pena em troca de passarem informações importantes sobre esquemas criminosos.
Nos últimos dias, o termo, que ficou bastante conhecido na Operação Lava Jato, voltou a ter repercussão com as investigações sobre o ex-ministro Anderson Torres e o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid.
Torres saiu da prisão na semana passada, depois de 4 meses preso por suposto envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro. Cid foi preso há 15 dias, na operação que investiga se houve fraude no cartão de vacina de Bolsonaro para beneficiar o ex-presidente.
O temor de aliados do ex-presidente era que o prolongamento da prisão de Torres levasse o ex-ministro a buscar um acordo de delação.
O receio é maior com relação a Cid. O ex-ajudante de ordens trocou de advogado nos últimos dias. Ele contratou um defensor experiente em firmar acordos de colaboração premiada.
Mais abaixo, esta reportagem explica:
- O que é colaboração premiada?
- Quais investigados estão aptos a fechar o acordo?
- Como funciona?
- O que o colaborador recebe em troca?
- Alguém precisa validar?
1. O que é colaboração premiada?
A colaboração premiada é, em resumo, um meio de obtenção de provas nas investigações criminais.
Nesse recurso, o investigado se dispõe a cooperar com o processo e a investigação. Em troca, o Estado pode dar benefícios a ele (veja mais abaixo).
“É quando uma pessoa confessa um crime e ajuda indicando caminhos para obter provas, documentos. Do outro lado, o Estado dá benefícios, como redução de penas e outros”, explica o professor de Direito Penal Thiago Bottino.
2. Quais investigados podem fechar o acordo?
Para ter direito aos beneficios da delação o investigado precisará atender a pelo menos um destes cinco requisitos:
- identificar os demais coautores e integrantes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas
- revelar a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas da organização criminosa
- ajudar na prevenção de crimes das atividades da organização criminosa
- recuperar total ou parcialmente o produto dos crimes praticados pela organização
- mostrar onde está presa uma eventual vítima (a vítima tem que estar com integridade física preservada)
3. Como funciona?
A possível colaboração deve ser voluntária. Ou seja, o investigado deve tomar a decisão por conta própria.
A negociação é feita pela defesa do investigado e pode ocorrer com o delegado ou o Ministério Público, dependendo do estágio da investigação. Todo o processo deve ocorrer inicialmente sem a participação de um juiz (o juiz aparece depois, na validação da colaboração).
Na proposta de colaboração, a defesa do investigado deve anexar provas e descrever adequadamente todos os fatos. O interessado deverá narrar todos os fatos ilícitos dos quais participou e que tenham relação direta com os fatos investigados.
A partir do recebimento da proposta, todo o processo de colaboração passa a ser confidencial. Além disso, ao entrar na colaboração premiada, o investigado passa a ser obrigado a renunciar ao direito ao silêncio em todos os depoimentos que prestar.
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4. O que o colaborador pode receber em troca?
São possíveis como benefícios:
- perdão judicial
- redução em até 2/3 (dois terços) da pena privativa de liberdade
- substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos
A concessão do benefício deve levar em conta a “personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”.
Segundo a legislação, a depender da relevância da colaboração prestada, MP e o delegado podem pedir ao juiz a concessão de perdão judicial ao colaborador – mesmo que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial.
Nos casos em que a colaboração ocorrer depois de uma sentença, a pena poderá ser “reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos”.
AIém disso, o colaborador passa ter o seguintes direitos:
- medidas de proteção
- informações pessoais preservadas
- condução separada em juízo
- participar de audiências sem contato visual com outros acusados
- identidade reservada dos veículos de comunicação
- cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal diferente dos outros condenados
5. Alguém precisa validar?
Após a celebração do acordo, tudo é remetido para um juiz. Caberá a ele a análise de todo o conteúdo da colaboração e a avaliação do processo. Os “prêmios” só podem ser concedidos após a validação do acordo.
“Essa fase chamamos de homologação. E é a mais importante porque é a que garante a segurança jurídica para toda a colaboração. O juiz tem que avaliar com razoabilidade se a colaboração foi feita de forma regular, legal, se os benefícios previstos estão adequados na lei, se não foram prometidas coisas impossíveis de serem concedidas, por exemplo”, diz Bottino.
Também é aqui, segundo o professor, que há uma avaliação do magistrado dos possíveis resultados da colaboração do investigado. Além disso, é necessário também que sejam avaliadas as condições nas quais a colaboração foi firmada.
“É extremamente necessário que sejam voluntárias, partam das defesas e não tenham sido feitas em ambientes de pressão. O passado das colaborações recentes da Lava Jato nos mostram que tudo isso tem que ser observado”, explica.
Há previsão legal para que o acordo homologado seja rescindido. Isso pode ocorrer em caso de omissão dolosa sobre os fatos objeto da colaboração e nos casos em que o colaborador retomar a conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração.