O sol se põe em Roma, fora das muralhas da cidade. A luz dourada é filtrada pelos pinheiros-mansos e projeta seu brilho sobre uma reta de pedras de basalto lisas que mudaram o curso da história.
É a Via Ápia, a primeira estrada construída em Roma, por onde há mais de 2 mil anos soldados partiram para conquistar terras distantes e voltaram triunfantes.
A estrada é o coração do Parque Arqueológico Appia Antica de Roma, uma extensa área verde que se estende da extremidade do centro histórico da cidade até os vilarejos nas encostas dos Castelos Romanos.
Este oásis de 4.700 hectares é o segundo maior parque urbano da Europa — repleto de aquedutos, reservas naturais, sítios arqueológicos, vinhedos, pastagens e mansões pertencentes a celebridades, como o estilista Valentino e a atriz Gina Lollobrigida.
A menos de 3 km das multidões do Coliseu, o parque oferece aos turistas um lugar para desacelerar e desfrutar da paisagem romana, acompanhada do canto dos pássaros e da vista de pastores conduzindo seus rebanhos.
As ruínas dispersas acrescentam um certo memento mori que encantou os pintores e poetas do Grand Tour, à medida que você sente o ciclo da vida pairando nesta velha estrada: a brisa suave trazendo o cheiro de grama fresca, enquanto as pedras em ruínas carregam histórias do passado.
Como se trata da Itália, a boa comida deve completar o cenário idílico. Entra em cena Paolo Magnanimi, da Hostaria Antica Roma da Via Ápia.
O restaurante está localizado próximo ao icônico túmulo de Cecilia Metella e em frente a uma horta administrada pelo pai de Magnanimi, Massimo.
No interior, o cardápio oferece pratos que não podem ser encontrados em nenhum outro restaurante da cidade, ou talvez no mundo.
Por trás dessas criações, está Magnanimi, um cozinheiro apaixonado por criar e servir refeições que estão profundamente enraizadas na história deste parque, desde os tempos da Roma Antiga.
Para a maioria das pessoas, a comida da Roma Antiga não parece atraente.
O que primeiro vem à mente são cenas bizarras como o banquete de Trimalquião em Satyricon, obra do século 1 d.C., na qual um anfitrião novo rico oferece um banquete pomposo que inclui "iguarias" como testículos de touro, úberes de porcas e uma lebre decorada com asas para lembrar Pégaso.
Mas Magnanimi mantém os pés no chão, recriando pratos deliciosos que os romanos comuns comiam, não a comida exótica que era reservada à elite.
Chef e historiador que passou mais de 25 anos estudando receitas antigas, Magnanimi diz que os romanos eram amantes da natureza e caçadores de prazeres sensoriais que apreciavam bastante a boa comida, embora a indulgência excessiva fosse muito "não romana".
Grãos, legumes, verduras, ovos e queijos eram a base da alimentação deles, com frutas e mel para adoçar.
A carne (principalmente de porco) e o peixe eram consumidos com moderação e, à medida que o império se expandia no início do século 3 a.C., os romanos deram as boas-vindas a novos sabores — da pimenta da Índia aos limões da Pérsia.
O garum, semelhante a um molho de peixe asiático, era amplamente usado para adicionar um rico sabor umami aos pratos romanos.
Tudo isso era desfrutado acompanhado de vinho com mel em jantares chamados convivium — encontros para celebrar a vida e as estações do ano.
Magnanimi incorpora esse espírito de celebração, seja contando histórias aos convidados ou mexendo algo delicioso em sua cozinha.
Agora, com 54 anos, ele ri me contando como, quando era mais jovem, teve dificuldade em convencer o pai de que os clientes iriam gostar das recriações dele de pratos antigos.
"Comecei a trabalhar na Hostaria quando tinha 14 anos, e fiz uma pausa para ter meus anos de 'Jack Kerouac' nos EUA", diz ele.
"Quando voltei, comecei a me interessar pela grande história de Roma e estava ansioso para aprender mais sobre ela."
A inspiração de Magnanimi aumentou quando um amigo deu a ele A cena da Lucullo, um livro cheio de histórias e receitas do tempo da Roma Antiga.
O personagem que dá nome à obra era um militar do século 1 a.C. que era tão famoso por seus banquetes que os romanos ainda elogiam um bom jantar dizendo: "foi uma refeição digna de Lucullo".
Magnanimi começou a testar as receitas e teve seu primeiro êxito com o pullum oxizomum, uma entrada de frango.
É feita com alho-poró e colatura di alici di Cetara, um condimento da Costa Amalfitana feito de anchovas fermentadas, que é o substituto perfeito do garum.
Alguns clientes japoneses gostaram especialmente, e isso o levou a aparecer em documentários no Japão.
"Meus groupies romanos vieram depois disso; foram mais difíceis de convencer a experimentar algo novo", diz Magnanimi.
"E depois o pollo oxizomum foi elogiado no jornal The New York Times, por isso ainda é um de nossos pratos mais populares."
Hoje em dia, o cardápio da Hostaria apresenta os clássicos da Cidade Eterna (como massa à matriciana e carbonara), junto com os antigos pratos romanos que garantiram a Magnanimi repercussão internacional — e deixaram seu pai, outrora cético, orgulhoso.
Conheci Magnanimi em 2008, quando estive na Hostaria e, por recomendação de um amigo gourmet, pedi patina cotidiana, uma precursora sem tomate da lasanha.
A receita original usava lagana, um pão achatado, que era coberto com carnes, peixe e queijos. A versão de Magnanimi era mais simples, recheada com carne de porco moída, erva-doce e queijo pecorino.
Para recriar este prato de 2 mil anos, Magnanimi começou com uma receita do livro romano do século 1 d.C. De Re Coquinaria, o único livro de receitas sobrevivente da Roma antiga, que é atribuído a Apício, um gourmand rico uma vez descrito por Plínio, o Velho como "o devorador mais glutão de todos os esbanjadores".
Como as receitas antigas não especificavam quantidades ou detalhes para a preparação, ele consultou a famosa arqueóloga italiana Eugenia Salza Prina Ricotti para recriar os pratos estimando suas medidas com ingredientes que eram fiéis à época.
"Eu não poderia colocar tomate", conta Magnanimi, "porque não havia tomates na Itália até os anos 1500, quando Cortes os trouxe voltando das Américas."
A patina cotidiana, que significa "prato do dia" em latim, é hoje uma das assinaturas do restaurante.
Minha primeira experiência me fez voltar para provar mais sabores da Roma antiga, incluindo doces como a tiropatina, um creme temperado com pimenta, que os romanos acreditavam ser afrodisíaco.
Magnanimi me disse que sua criação mais recente é la cassata di Oplontis, inspirada em um afresco encontrado em uma vila perto de Pompeia.
O bolo feito com farinha de amêndoa, ricota, frutas cristalizadas e mel esgota todas as noites.
"O meu queijo, eu faço com pilão e almofariz, exatamente como uma receita de Virgílio, do século 1 d.C.", revela Magnanimi.
É o moretum, uma pasta de queijo inspirada no poema de Virgílio sobre um agricultor que prepara seu humilde almoço, moendo coentro, semente de aipo, alho e pecorino. Você pode passar a pasta no libum, um pão redondo que era sagrado para os romanos.
Eu tinha visto libum carbonizado em um Museu de Pompeia, onde um guia me disse que suas migalhas eram colocadas nos altares como uma oferenda aos deuses locais — um precursor da eucaristia cristã.
Magnanimi sentiu falta de interagir com os clientes durante o lockdown imposto pela pandemia de covid-19 na Itália.
Como todo o tempo livre, ele fazia várias caminhadas pela Via Ápia, onde trilhas arborizadas e ciclovias serviam como um refúgio ao ar livre para os italianos que enfrentaram um dos confinamentos mais rígidos da Europa.
"Passei uma longa manhã com um pastor, alguns dias via muitos romanos vindo aqui para correr porque não podiam ir à academia, e nos fins de semana, havia famílias fazendo piqueniques perto dos aquedutos, provavelmente vindo aqui pela primeira vez. Eu poderia dizer que todos nós estávamos sentindo um apreço maior por onde moramos, por Roma."
"Paolo é uma parte importante deste lugar. Ele o mantém vivo", diz Simone Quilici, diretor do Parque Arqueológico Appia Antica.
Quilici dá continuidade a uma missão iniciada no início do século 19, quando a ideia de preservar essa área começou a tomar forma.
Foi quando o arqueólogo e arquiteto Luigi Canina decidiu plantar os pinheiros-mansos ao longo da Via Ápia.
Infelizmente, os planos para o parque nunca foram finalizados e, no século 20, com o tráfego descontrolado e a turbulência dos anos de Guerra Mundial, havia o perigo de que este precioso trecho da Via Ápia fosse destruído.
A região foi vandalizada e acabou repleta de atividades criminosas. Finalmente, em 1988, graças em grande parte a décadas de protestos, a área foi oficialmente designada como parque.
"Lembro de vir aqui quando era uma garotinha", conta Eleonora Fanelli, arqueóloga romana e guia turística.
"Não conseguia acreditar que isso era na minha cidade, um lugar saído de um conto de fadas, onde eu poderia imaginar um príncipe a cavalo galopando pela estrada."
Agora, Fanelli adora trazer turistas aqui.
"Mesmo que esteja chovendo, eles querem sair e andar na estrada, pisar nas pedras que têm marcas de rodas de carruagem, de 312 a.C.!"
Ela gosta de contar a história do censor romano Appius Claudius Caecus, que quase levou à falência o tesouro romano para construir esta estrada.
Reza a lenda que, embora tenha ficado cego, ele ainda mantinha o controle de qualidade da obra, andando descalço na estrada para garantir que as pedras fossem colocadas perfeitamente.
A Via Ápia acabou se estendendo 563 km ao sul até Brindisi, na costa do Adriático, e foi essencial para a criação do Império Romano.
Magnanimi mora no parque há duas décadas e elogia muito a gestão de Quilici.
"Desde que ele assumiu em 2017, tornou o parque muito melhor para os romanos e para os turistas. Novas coisas foram abertas, como as termas de Capo di Bove, do século 2 d.C., onde há belos mosaicos e um jardim."
Há também um novo aplicativo, ItinerAppia, em que os visitantes podem escanear um código QR e aprender sobre cada monumento.
"Me sinto muito sortudo por viver aqui e por receber os turistas para vivenciar Roma, La Grande Bellezza, de verdade!", afirma Magnanimi.
"Aqui eles podem voltar milhares de anos por essas pedras e saber como era saboroso."
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