Sobre informação e a capacidade de nos indignar diante da violência

Projeto Monitor da Violência chega ao seu sétimo ano agora em 2024 com o sentimento de dever cumprido: contribuiu para qualificar o debate sobre mortes violentas no país e induzir que o Poder Público investisse na qualificação e integração dos sistemas de informação.

Por Renato Sérgio de Lima, Samira bueno, Fórum Brasileiro de Segurança Pública


Em março deste ano, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública completa 18 anos. Nesse período, a entidade tem se destacado por ser uma rede de conhecimento aplicado à segurança pública que conecta profissionais da área, políticas públicas, estatísticas, dados e a produção acadêmica e científica sobre os temas associados a uma das principais preocupações da sociedade brasileira na atualidade.

Desde sua fundação, edita o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a mais longeva publicação que sistematiza dados sobre crime e violência no Brasil a partir dos registros policiais.

Em 2006, quando fomos criados, se um cidadão qualquer quisesse saber quantos assassinatos tinham ocorrido no Brasil, precisava recorrer às informações do sistema de saúde, já que os números das polícias não constavam de nenhuma fonte pública. Enquanto entidade da sociedade civil organizada, partimos do pressuposto de que os dados são bens públicos e, enquanto tal, é necessário sempre fomentar que eles sejam produzidos, dotando-os de máxima transparência, fidedignidade e robustez teórico-metodológica.

E foi com esse pano de fundo que, em 2017, o g1, em parceria com o FBSP e com o Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, idealizou o Monitor da Violência, que chega ao seu sétimo ano agora em 2024 com o sentimento de dever cumprido; com a certeza de que contribuiu para qualificar o debate sobre mortes violentas no país e induzir que o Poder Público investisse na qualificação e integração dos sistemas de informação até então disponíveis.

Assassinatos caem 4% no Brasil

O projeto do Monitor da Violência começou em 2017, quando cerca de 230 jornalistas do g1 apuraram e escreveram as histórias de todas as 1.195 pessoas que morreram de forma violenta no país em uma semana de setembro de 2017. De lá para cá, o Monitor foi se consolidando como uma importante fonte complementar de dados e análises sobre registros policiais dos vários tipos de crimes que compõem os crimes contra a vida, muitas vezes antecipando tendências que seriam depois consolidadas no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do FBSP.

O Monitor da Violência teve e tem um papel estratégico para a discussão de vários temas sensíveis da agenda da segurança pública, a exemplo dos dados sobre redução e esclarecimento de homicídios, letalidade e vitimização policial, sistema prisional, violência contra mulheres, entre outros. Afinal, a experiência internacional revela que é a partir da ação intensa de disseminação de informações fidedignas e qualificadas que políticas públicas são provocadas e gestores se mobilizam.

O maior exemplo, no caso, é o Sistema Nacional de Informações em Segurança Pública – SINESP, gerenciado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública -SENASP. O SINESP foi criado por lei em 2012, muito em função da pressão exercida pela divulgação regular de dados por parte do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mas foi só agora, doze anos depois, que o sistema avançou e começou a publicar sistematicamente dados nacionais, ainda que suscetíveis a aprimoramentos e ajustes.

Significa dizer que, enfim, muitos dos dilemas federativos e problemas metodológicos e conceituais que inviabilizavam a padronização e comparação nacional dos dados de todas as Unidades da Federação, começaram a ser sanados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e a perspectiva é que o país finalmente tenha uma fonte oficial de dados nacionais, a exemplo do que ocorre com dados da saúde, cujo sistema existe desde o início dos anos 1980.

Por isso, é necessário destacar que não há um dado melhor do que o outro. Um dado produzido por um órgão do Poder Público cumpre uma função. Um dado por outro órgão público e/ou compilado pela sociedade civil, pela Universidade ou pela Mídia Profissional, cumpre outra função.

Assim, é preciso realçar que há diferenças metodológicas, momentos distintos de coleta dos dados ou de compilação da informação. E, ao fazer isso, estamos, em realidade, investindo no debate baseado em evidências e nas melhores práticas nacionais e internacionais de redução da violência letal. Estamos pressionando o poder público na ideia de fomento de mecanismos de indução da transparência e de prestação de contas como vetores de modernização da ação do Estado.

Todo esse trajeto nos mostra como a existência de fontes complementares de informação se beneficiam mutuamente e, sobretudo, permitem que a sociedade coloque à prova os dados disponíveis e que, mais do que eles, as realidades por trás dos números ganhem a dramaticidade que merecem diante da epidemia de violência e indiferença que assola o Brasil quando falamos dos absurdos e obscenos números de mortes violentas intencionais e de quem são suas vítimas usuais. Se agora não é preciso que a imprensa produza necessariamente os dados nacionais e possa utilizar fontes oficiais de informações em novas abordagens e análises, é porque iniciativas como o Monitor da Violência e várias outras trouxeram para o primeiro plano do debate a força da informação de qualidade e a importância da transparência das instituições públicas.

Afinal, informação e transparência mantêm viva a nossa capacidade de nos indignar diante de injustiças, da violência e da indiferença; são elas que nos engajam na luta pela cidadania e por um país menos violento e mais equânime, princípios básicos para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

*Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima são diretores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública