Disparada do dólar mostra diminuição da confiança na economia brasileira
Os gastos dos governos e as dívidas que eles acumulam afetam a confiança que as pessoas e as empresas precisam ter na saúde da economia. E o aumento da cotação do dólar mostra que essa confiança diminuiu.
Onde os operadores do mercado financeiro veem dólar, podemos ler inflação. A moeda americana abriu o dia testando o limite dos R$ 6,15. Pelo quarto pregão seguido, o Banco Central do Brasil entrou no mercado.
O primeiro leilão às 9h36, e a moeda desacelerou, mas por pouco tempo. Ao meio-dia, passava de R$ 6,20 quando veio o segundo leilão. No total, mais de R$ 3 bilhões vendidos nesta terça-feira (17). Mas o dólar só passou a cair às 15h, com a fala do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, de que iria começar a votação do pacote de corte de gastos do governo. A moeda americana fechou a R$ 6,09 - novo recorde.
Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, afirma que poderia ter sido pior sem o sinal de que o pacote fiscal e a reforma tributária podem, agora, sair mais depressa.
"Eu acho que a reação do mercado é eloquente quanto a isso. Você acena com alguma coisa no sentido de controlar gastos. O mercado reage positivamente, porque o diagnóstico é que o problema está no lado dos gastos", diz Alexandre Schwartsman, consultor da Pinote Schwartsman Associados e ex-diretor do Banco Central.
Outro reflexo é que a projeção das taxas de juros não para de subir desde a última reunião do Comitê de Política Monetária, na semana passada. Na ata, divulgada nesta terça-feira (17), o Banco Central explicou por que decidiu elevar a taxa básica de juros de 11,25% para 12,25% ao ano. Entre os motivos, a noção de que o mercado acredita que as últimas medidas anunciadas pelo governo têm sido insuficientes para controlar seus gastos, o que gera efeitos bem negativos. Diz a ata:
"A percepção sobre o recente anúncio fiscal afetou de forma relevante os preços de ativos, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio".
O Comitê de Política Monetária explicou, ainda, que decidiu, de forma unânime, comunicar a previsão de mais duas altas, de mesmo tamanho, nas próximas duas reuniões.
A discussão sobre os gastos do governo trouxe à tona um capítulo dos livros de macroeconomia. O que fala do risco de uma anomalia chamada de dominância fiscal, um cenário em que a dívida pública chega ao ponto de gerar um círculo perverso em que as ações de política monetária do Banco Central não surtem efeito e perdem a capacidade de manter o equilíbrio da economia.
Na teoria, é assim: a dívida do governo continua subindo. Isso gera uma crise de confiança, a desvalorização cambial e a inflação. Para conter a alta de preços, o Banco Central sobe juros. Uma ferramenta geralmente eficaz no combate à inflação. Só que, neste cenário, como acontece com qualquer empréstimo, a alta dos juros eleva muito o custo da dívida do governo - e isso gera ainda mais inflação.
Economistas concordam que não é o que vivemos hoje e destacam alguns dos bons indicadores. Por exemplo: o desempenho do PIB, desemprego em baixa e a elevação da nota de crédito do Brasil, desde 2023, por agências internacionais de classificação de risco. A professora de economia da USP Laura Carvalho esclarece.
"A situação de dominância fiscal é uma situação bastante atípica, inclusive rara de se encontrar. Esse não é o primeiro momento em que se debate essa possibilidade. Mas, a meu ver, não há razões para achar que essa elevação de taxa de juros que o Banco Central está realizando agora vai ter um efeito de acelerar a inflação. Me parece que a taxa de juros vai aumentar e a inflação vai, sim, voltar a convergir para o centro da meta no ano que vem. Os cenários de dominância fiscal ocorrem muito mais frequentemente em países que têm sua dívida em dólares, em que o governo se endivida com o FMI, se endivida com bancos estrangeiros, porque aí quando o dólar sobe essa dívida fica mais cara também e a possibilidade de não pagamento é muito mais concreta. No caso brasileiro, acho que não há, inclusive há pouco tempo foi elevada a nota do Brasil, não me parece que alguém espere que o governo brasileiro vai dar calote na dívidas Esse não é quadro que estamos vendo", afirma Laura Carvalho, professora de Economia da USP.
Mas é consenso, também, que não dá para descansar.
"Teria que sinalizar medidas que interrompessem o processo de elevação de gastos. Por exemplo: desvinculação de benefícios previdenciários do salário mínimo. Isso seria um sinal poderoso. Por exemplo, eliminar a vinculação de gasto de saúde e educação com a receita, para fazer com que isso daí só fique indexado à inflação ou à inflação mais uma porcentagem pequenininha. Isso também mudaria. Também é custoso. Então, o que o mercado olha de maneira geral são sinais de coisas que politicamente são custosas para o governo porque são um sinal de que eles são sérios", diz Alexandre Schwartsman.