Saiba como a água é fundamental na exploração do lítio

No Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, a água vale ouro. São meses sem cair do céu no semiárido brasileiro. E a água que corre pela terra tem que dar conta da população e das empresas que exploram o subsolo atrás de lítio.

Por Jornal Nacional


Saiba como a água é fundamental na exploração do lítio

Uma das riquezas mais cobiçadas do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, brota do chão sem a ajuda das máquinas das mineradoras. Água, por lá, vale ouro. São meses sem cair do céu no semiárido brasileiro. E a água que corre pela terra tem que dar conta da população e das empresas que exploram o subsolo atrás de lítio.

Estudos apontam a área do Jequitinhonha com o maior potencial de reservas do país. Em mais de 40 anos, de 1973 até 2020, foram 108 processos pedindo autorização para pesquisar e explorar com exclusividade uma parcela do subsolo. De 2021 a 2023, foram abertos mais 450 processos.

De 2021 a 2023, foram abertos mais 450 processos minerários na região. — Foto: TV Globo/Reprodução

Aline Weber, pesquisadora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, diz que a tendência é de aumento dos conflitos pelo uso do solo.

“O Vale do Jequitinhonha ali não é o vale da miséria. Ele é um vale marcado pela diversidade, pela agro biodiversidade em função dos povos e comunidades tradicionais que ocupam historicamente essa região há gerações”, diz.

O rio que dá nome ao vale recebe as águas de outros rios com cursos d'água menores, que na época da seca chegam a sumir. Mas os pesquisadores que estudam essa área dizem que não desaparecem só por isso. É que a força das nascentes vem diminuindo ao longo dos anos e, com isso, o volume de água que chega ao Jequitinhonha é cada vez menor. Ao mesmo tempo, a mineração é uma atividade que usa muita água retirada desse sistema natural. Uma equação que precisa de solução.

Região do Vale do Jequitinhonha. — Foto: TV Globo/Reprodução

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Essa não é uma flor brasileira, mas o nome, rosa do deserto, já explica por que a planta se deu bem no clima do Vale do Jequitinhonha. E tem também a mão boa do produtor de rosa do deserto e suculentas José Jurandir Alves Esteves, que aprendeu sozinho todos os truques para produzir as rosas que vende. Um desafio sempre foi a irrigação.

“Eu tendo uma reserva de água, eu posso pensar em aumentar minha produção, porque eu vou estar seguro que eu tenho a água, pode irrigar o ano todo”, conta.

A rosa do deserto é cultivada na região do Vale do Jequitinhonha. — Foto: TV Globo/Reprodução

A água que faz a produção do Jurandir florescer vem de uma barragem. Ela foi construída em um projeto da multinacional canadense que começou a minerar o lítio em 2023. A companhia tem uma outorga que permite a retirada de 45 mil litros de água por hora do Jequitinhonha.

“Essa água é uma água que prove de qualidade de esgoto a céu aberto, não é uma água plausível para uso nem sequer industrial. Então, nós temos que tratar essa água na entrada com uma estação de tratamento de esgoto de entrada para fazer com que essa água seja plausível para uso nessa planta industrial. Então, água de esgoto, tratada para uso industrial e, mesmo assim, 100% reutilizada”, explica Ana Cabral, presidente da Sigma.

A água não é um recurso distribuído por igual. Nas estradas, caminhões-pipa seguem a caminho de comunidades quilombolas. É só desse jeito que a água chega até a casa da de Catilene Pereira Rodrigues. Mas ela só pode pedir abastecimento para a prefeitura a cada 60 dias e recebe 10 mil litros contados para atravessar com a família esses dois meses.

“Pode ser que acaba antes, e aí a gente tem que se virar com o que tem. Água, não pode ficar sem água. Essa água só para beber e cozinhar... Não pode lavar roupa. ”, diz a presidente da Associação Quilombola Córrego do Narciso do meio.

“Nosso território quilombola é um território sagrado”, afirma Catilene.

Catilene está falando da Chapada do Lagoão, uma área de proteção ambiental que também é a caixa d'água de Araçuaí. Lugar de nascentes e onde comunidades aprenderam a lidar com a falta de chuva.

O espaço por exemplo é um reservatório para armazenar água da chuva. Depois vai para uma cisterna. Como a gente está no período de seca, está assim vazio. E fica desse jeito quatro, cinco meses do ano.

Há poucos meses, essa área esteve na mira de uma das mineradoras que queria estudar o potencial de lítio no subsolo. A pesquisa chegou a ser autorizada pelo conselho gestor da área de proteção, mas voltou atrás da decisão por recomendação do Ministério Público de Minas Gerais.

“É todo um território que precisa ser protegido e garantido os direitos, porque não estão levando só lítio, estão levando água. Nós estamos falando de uma região de caixa d'água. Estão levando terra. O que é disso que nós estamos falando, nós estamos falando de território. Estão levando biodiversidade. Essa transição energética tinha que colocar o ser humano daqui no centro”, afirma Aline Gomes Ruas, da coordenação estadual do Movimento de Atingidos por Barragens.

O diretor regional de uma ONG global que defende o fim da extração de combustíveis fósseis diz que a exploração do lítio vai além da mudança da matriz energética.

“Essa transição, para ser justa e ser inclusiva, ela precisa envolver todos esses atores de uma maneira que a gente tenha uma exploração com o menor impacto possível, e que priorize o desenvolvimento da região, que priorize o desenvolvimento do país e que não seja apenas para exportação tudo o que vai ser extraído”, diz o ambientalista Ilan Zugman, diretor regional da 350 Org. América Latina.

“Os elementos químicos estratégicos é que vão determinar o nosso futuro, e não só pela disponibilidade do elemento, mas pelas consequências da exploração deles no ambiente e na sociedade”, explica Henrique Eisi Toma, professor titular do Departamento de Química da USP.