Chuvas na Sul do ES impactam o agronegócio do estado
Mortes, comunidades rurais isoladas, estradas bloqueadas e prejuízos ainda incontáveis no agronegócio. Estes são alguns dos impactos das fortes chuvas que atingiram a Região Sul do Espírito Santo nos dias 22 e 23 de março. Além das perdas na produção de leite e da destruição de diversas lavouras de cafés conilon e arábica, agricultores e familiares de produtores rurais estão entre os 20 os mortos causados pela tragédia.
De acordo com a Prefeitura de Mimoso do Sul, um dos municípios mais atingidos pelas chuvas e que tem ao menos 18 óbitos, 90% das estradas do interior estão sem acesso e várias pontes da cidade foram danificadas pela enchente.
De acordo com o secretário de Agricultura do município, José Felipe Soares Matieli, as principais produções do município, como leite, banana e gado de corte estão com algum tipo de problema.
"Não conseguimos nem mensurar o tamanho do problema na produção de café. Isso porque a região, que é mais cafeeira e de montanha, ainda não tivemos acesso físicos a comunidades. O que nós sabemos que é [as chuvas] causaram muitos desmoronamento que levaram as lavouras todas abaixo", disse o secretário.
Já em relação às outras produções, como banana e leite, o secretário destacou ainda que a maior dificuldade é o escoamento. Algumas plantações até resistiram à enchente, mas o problema agora é levar tudo até os consumidores, como Ceasa e supermercados.
"Os produtores não estão conseguindo realizar o transporte desses produtos", comentou.
No caso das estradas que foram bloqueadas por deslizamentos de terra e desabamento de árvores, os próprios moradores das comunidades começaram a trabalhar para que o tráfego fosse normalizado ou tentam usar outras alternativas, como veículos menores ou com tração nas quatro rodas.
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O caminhoneiro Reginaldo dos Santos enfrentou essa dificuldade. Para tentar escoar a produção de mais de 300 quilos de banana, o profissional utilizou um carro de passeio porque caminhões ainda não conseguem transitar na região rural de Mimoso do Sul.
"Tudo tem a ver com a chuva. Muitos problemas com barreira na estrada. Estamos escoando a produção da maneira que pode para não perder a produção. Não passa caminhão, muitos lugares foram detonados pelas enchentes", disse o caminhoneiro.
Prejuízo de mais de R$ 72 milhões
O secretário de Agricultura Enio Bergoli afirmou que, segundo levantamento prévio do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), o prejuízo interno dos agricultores nas cidades mais atingidas pela chuva devem passar de R$ 72 milhões.
"Temos perdas que são no setor de produção rural, nos sistemas de cultivo dos produtos, de R$ 72 milhões nesses 13 municípios. Um levantamento prévio porque algumas regiões ainda são de difícil acesso. E em 3 ou 4 municípios, como Mimoso do Sul e Muniz Freire, os prejuízos são ainda maiores", pontuou o secretário.
Perdas na produção no Sul do estado afetado pela chuva podem ultrapassar R$72 milhões
Ainda segundo o secretário, a cafeicultura foi a mais atingida.
"Cerca de 80% desse prejuízo estão na cafeicultura pelos deslizamentos de terra que levaram os cafezais e também danificando estrutura internas da propriedade. Nós estimamos outros R$ 70 milhões só de prejuízo de infraestrutura interna, que são casas danificadas, equipamentos. Com isso, são mais de R$ 140 milhões", disse Enio.
Para poder apoiar o produtor rural, o estado está com linhas de crédito emergenciais. Enquanto isso, máquinas e equipamentos cedidos pelo estado para as prefeituras ainda estão trabalhando para recuperar as vias públicas que também afetam a comercialização dos produtos agrícolas.
Produção de leite afetada
A produção de leite em Mimoso do Sul também foi afetada pela tragédia. Isso porque, além da dificuldade de escoamento, os alimentos e os medicamentos do gado foram perdidos na enxurrada.
De acordo com o presidente da Cooperativa de Laticínios de Mimoso do Sul (Colamisul), José Antônio, dos 252 cooperados associados, apenas 50 estão conseguindo levar leite à cooperativa, que, no caso, é destinado à doação.
"Os produtores perdem hoje, em média, R$ 80 mil por dia devido a essa ausência de captação. O município perde cerca de R$ 1 milhão por mês por falta de giro desse produto no mercado", comentou o presidente.
O produtor José Carlos Resente é um dos cooperados que está com o leite armazenado desde o dia 24 de março, quando aconteceu a enchente, mas se preocupa com os próximos armazenamentos.
"Os tanques de resfriamento já estão lotados ou quase lotados e não tem mais onde guardar. O leite, se não tiver um refrigeração severa, próximo a 2ºC, ele estraga. Nós não temos como tirar do nosso curral e levar para a cooperativa porque não há estradas", lamentou José Carlos.
Chuva prejudica produção de leite em Mimoso do Sul, no Sul do ES
Já o produtor rural Luiz Gonzaga tem uma propriedade na localidade de Patronato, a 4km de distância da sede de Mimoso do Sul, e tem 25 vacas em período de lactação. Ele é um dos únicos que ainda estão conseguindo escoar a produção, mas já prevê problemas para os próximos dias.
"A nossa dificuldade vai ser quando acabar os insumos, a ração, algum medicamento, quando precisar. Isso porque Mimoso do Sul não tem ninguém para fornecer", disse.
Outro motivo da perda de leite é a destruição de parte do milho para silagem, que é justamente utilizado na alimentação dos animais (veja foto abaixo).
"A produção deve cair cerca de 50%. As vacas vão sentir falta de uma alimentação mais concentrada", destacou.
Um dos produtores que está completamente ilhado é Luciano Beloti, que teve cinco vacas levadas pela enxurrada e está doando o leite que tem na propriedade por não conseguir escoar o produto.
"Estragou o nosso caminho de modo geral, fiquei sem a alimentação do meu gado, a capineira foi toda embora e hoje não consegue tirar o leite que tem e nem tem como produzir mais. O leite que temos, estamos doando e, mesmo assim, não tá tendo saída. Tem muito leite estragando", comentou o produtor.
Outro município que também enfrenta dificuldade na produção de leite é Rio Novo do Sul. Após visitar as pastagens alagadas, o secretário de Agricultura do município, André Santos de Barros, disse que a região entre Santa Rita e Cachoeirinha teve prejuízo imensurável.
"O gado está isolado entre as águas, com dificuldade de alimentação e também de tirar esse animal e levar para regiões mais afastadas", comentou.
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Lavouras devastadas em Muqui
Em Muqui, a produção mais impactada foi a de café. De acordo com o presidente da Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Espírito Santo (Cafesul), Renato Theodoro, ainda não é possível mensurar o tamanho do prejuízo dos 180 produtores rurais cooperados porque pelo menos dez comunidades ainda estão isoladas.
"A gente não sabe, em alguns lugares, se as estruturas utilizadas para a produção de café, como estufas, entre outros equipamentos, foram danificadas. Se isso aconteceu, vai ser necessário que o produtor tenha um cuidado ainda maior", comentou Renato.
A agricultora Luciana Franzone tem uma propriedade localizada no assentamento de Monte Alegre, na região rural do município. De acordo com a profissional, cerca de 400 pés de cafés foram perdidos após um deslizamento de terra.
"É muito triste. O deslizamento acabou com as estradas lá debaixo. A nossa lavoura desceu e levou a do nosso vizinho também", comentou a agricultora.
Com a colheita de café prevista para o mês de maio, a produtora e a família começaram a tentar desbloquear as estradas que dão acesso à propriedade para tentar escoar a produção que sobrou.
De acordo com o secretário de Agricultura de Muqui, Carlos Elias Mendonça, a prefeitura está trabalhando para que as estradas sejam liberadas.
"Quando a gente chegou, os nossos equipamentos não puderam trabalhar. Hoje, eles ainda conseguem, mas com muita dificuldade", comentou o secretário.
Vidas que não voltam
Chuvas na Sul do ES impactam o agronegócio do estado
Entre os mortos pela tragédia das chuvas no Sul do Espírito Santo, algumas pessoas têm relação direta com a agricultura no município onde moravam. É o caso da professora de Português e Inglês Adair Antônia Fernandes Medeiros, e o filho mais velho dela. A família morava no bairro da Reserva, um distrito de Mimoso do Sul, uma das cidades mais atingidas e destruídas pela força da água.
Adair e o menino são nora e neto do agricultor aposentado José Maria de Sousa. Na noite da tragédia, a professora estava em casa com o marido Josélio (filho de José Maria) e os dois filhos, um de 6 anos e outro de 2, quando a chuva começou. Logo depois, eles foram surpreendidos com o volume de água e uma enxurrada que invadiu a residência.
Avô relata desespero ao achar corpo de neto e salvar o outro após enchente
Segundo o avô, ele e vizinhos ajudaram a encontrar o filho Josélio, de 33 anos, e o neto Breno, 2 anos, em meio à lama e aos destroços da casa destruída. Os resgates aconteceram ainda na madrugada de sábado. Mas a nora e o neto de seis anos não foram localizados naquele momento. José Maria, então, permaneceu na região, fazendo buscas, até encontrar os dois, infelizmente sem vida (veja o relato emocionado acima).
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Também no interior de Mimoso do Sul, os irmãos Lorena Moraes Miguel, 17 anos, e Rodrigo Moraes Miguel, 23 anos, que trabalhavam em uma lavoura de café da família, perderam a vida na tragédia. Já Heloiza Cornélio Pastor, de 8 anos, que era filha de agricultores, também não resistiu.
Outra duas vítimas são Regina Montella Vançato e Denise Ramos Vançato, tia e sobrinha, respectivamente. As duas tinham uma lavoura de café na região.
O lavrador Ronaldo Pastor disse que conhecia as vítimas das chuvas no Sul do Espírito Santo. "Era gente boa, tudo lavrador aqui do lado, vizinhos que a gente conhecia desde pequeno. É muito triste", disse.
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O temporal
O temporal na Região Sul do Espírito Santo aconteceu na noite do dia 22 de março e na madrugada do dia 23, deixando ao menos 20 pessoas mortas, duas desaparecidas e, inicialmente, mais de 20 mil pessoas fora de casa, entre desalojados (que foram para residências de familiares e amigos) e desabrigados (foram para abrigos oferecidos pelo poder público, como escolas, creches e igrejas).
Os óbitos foram registrados em Mimoso do Sul (18 mortos) e Apiacá (2 mortos). Essas duas cidades, aliás, foram as mais atingidas pelo temporal.
O governo do Espírito Santo decretou estado de emergência para as cidades mais. Foram elas: Alegre, Alfredo Chaves, Apiacá, Atílio Vivacqua, Bom Jesus do Norte, Guaçuí, Jerônimo Monteiro, Mimoso do Sul, Muniz Freire, Muqui, Rio Novo do Sul, São José do Calçado e Vargem Alta.