Copom endurece discurso, e deixa a dúvida: a Selic pode subir? Entenda

Comitê anunciou uma nova manutenção da taxa básica na quarta-feira, em 10,50% ao ano.

Por Isabela Bolzani, André Catto, g1


Roberto Campos Neto, presidente do BC — Foto: Reuters

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC) decidiu, mais uma vez, manter a taxa básica de juros inalterada. Como esperado por economistas e agentes do mercado financeiro, a Selic permanece em 10,50% ao ano.

A novidade que sai da reunião desta quarta-feira (30), no entanto, foi o tom mais duro do comunicado.

Economistas destacam que, desde a última reunião do Copom, houve uma importante desvalorização do câmbio e nova piora das expectativas de inflação, que obrigaram o Comitê a ser mais "hawkish", jargão do mercado para a postura mais agressiva com a condução dos juros.

O comunicado desta quarta reforçou a perspectiva de que o colegiado pode voltar a subir a taxa Selic se julgar necessário. O Comitê afirmou que “segue vigilante” e que eventuais ajustes na taxa básica seguirão o “firme compromisso” da instituição em convergir a inflação à meta.

"A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento, ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e um cenário global desafiador, demanda serenidade e moderação na condução da política monetária", diz trecho do documento.

Nesta reportagem, o g1 explora os motivos pelos quais o Copom decidiu endurecer o discurso, e quais as chances de uma elevação das taxas nos próximos meses.

Veja as perguntas e respostas abaixo.

Pela segunda vez seguida, Copom decide manter selic em 10,5% ao ano

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Por que o Copom endureceu o discurso?

A função primordial do BC, quando decide alterar a taxa básica de juros, é manter a inflação do país sob controle. Para dar um norte à missão, o Conselho Monetário Nacional (CMN) define uma meta para a inflação, que hoje é de 3%.

A meta é considerada cumprida se estiver no intervalo de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Assim, uma inflação dentro da meta pode variar de 1,5% a 4,5%.

O indicador mais recente de preços ao consumidor é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15), chamado também de prévia da inflação oficial do país. Em julho, o IPCA-15 registrou um avanço de 0,30%, acima das expectativas dos analistas (0,23%).

Na janela de 12 meses, o indicador acumulou uma alta de 4,45%, já bastante próximo ao teto da meta do BC. O cenário acendeu um alerta entre os economistas de que talvez os juros do país não estejam conseguindo segurar a inflação.

Se no começo do ano os economistas do mercado financeiro previam que o Brasil fecharia o ano de 2024 com inflação de 3,90%, o último boletim Focus — relatório do BC que reúne as análises de mais de 100 instituições financeiras — mostra que as expectativas subiram para 4,10% nesta semana.

Para 2025, a estimativa de inflação do boletim Focus também avançou de 3,90% para 3,96% nesta semana. Ambas estão, portanto, acima do centro da meta. É o que economistas chamam de “desancoragem das expectativas de inflação”.

Com as apostas do mercado se afastando dos 3%, o Copom tenta reforçar o compromisso de que pode até subir os juros para redirecionar as expectativas para a meta de inflação.

O que mudou nas expectativas de inflação?

Para os críticos da condução da política monetária por parte do BC, não é ideal que o Copom se baseie tanto nas metas de inflação para ajustar o patamar de juros. Mas a interpretação da diretoria é de que as expectativas de inflação costumam contaminar a economia real, impulsionando os preços.

E economistas ouvidos pelo g1 apontam que o balanço de riscos que influenciam as expectativas de inflação piorou bastante desde a última reunião do Copom, em junho.

O dólar teve valorização expressiva, o mercado de trabalho brasileiro pode gerar pressão nos preços, cresceram as dúvidas sobre o controle das contas públicas por parte do governo federal e persistem as dúvidas sobre como será a forma de agir da próxima diretoria do BC.

Entenda cada um desses pontos abaixo.

  • ▶️ Forte alta do dólar

Do começo de junho para cá, o dólar acumula uma alta de cerca de 8%. Há uma junção de fatores internos e externos que levaram o câmbio a esse cenário.

Por aqui, pesou bastante a série de críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a condução de política monetária do BC, além dos episódios em que relativizou a necessidade de reavaliação dos gastos públicos.

Quando Lula decide atacar o BC, o mercado se preocupa com quem será o sucessor de Roberto Campos Neto. O mandato do atual presidente da instituição acaba em dezembro, e há receio de que o indicado possa ceder às pressões do governo.

Mas outros fatores importantes também têm entrado na conta do dólar, como a expectativa pelos cortes nas taxas de juros dos Estados Unidos, a incerteza sobre as eleições presidenciais americanas e a situação das contas públicas brasileiras, em meio ao desafio do governo de buscar o déficit zero em 2024. (saiba mais adiante)

Segundo o sócio-fundador e gerente de portfólio da Novus Capital, Luiz Eduardo Portella, o dólar registrou um grau de volatilidade muito acima do normal nos últimos 45 dias, desde a última reunião do Copom.

“O mundo está mudando bastante. Nos últimos 45 dias tivemos a desistência do Biden [atual presidente dos EUA, na corrida eleitoral norte-americana], uma nova candidata à presidência dos Estados Unidos, números bons de inflação por lá [...] e commodities caindo bastante”, disse o executivo durante live da Warren Investimentos.

Um dólar mais alto tende a impulsionar os preços domésticos, pode acabar pressionando os índices de inflação do país e forçar o BC a ser mais duro na condução da política monetária.

  • ▶️ Situação das contas públicas

As dúvidas do mercado financeiro sobre a capacidade de o governo federal controlar as contas públicas se acentuaram desde a última reunião do Copom.

Para Ivo Chermont, sócio e economista-chefe da Quantitas, as incertezas ganharam corpo após o governo ter sugerido uma medida provisória para compensar a perda de arrecadação decorrente da desoneração da folha de pagamento dos 17 setores que mais empregam na economia, aprovada no final de 2023.

Isso porque, de acordo com os especialistas, o governo vinha apostanto apenas em formas de melhorar o resultado das contas públicas por meio da receita — ou seja, recolhendo mais impostos —, mas sem mostrar um projeto concreto de redução de gastos.

“O Parlamento refletiu essa rejeição a mais uma medida do lado da receita, e o mercado chamou o governo a apresentar qual era a agenda também do lado da despesa. Pelo menos até junho, o governo não tinha planos muito concretos para trabalhar esse lado dos gastos”, afirmou em live da Warren.

Nesse intervalo entre reuniões, o Ministério da Fazenda apresentou sua primeira medida voltada, de fato, para o controle dos gastos públicos. Em julho, o ministro Fernando Haddad anunciou um congelamento de R$ 15 bilhões no Orçamento de 2024 como uma tentativa de cumprir o arcabouço fiscal.

O ministro disse que, mesmo com o congelamento, pode haver déficit das contas neste ano. Mas que o valor deve ficar próximo do teto da banda (intervalo) previsto no arcabouço fiscal. O teto da banda é de 0,25% do PIB. Isso seria um déficit fiscal de cerca de R$ 28 bilhões em 2024.

A iniciativa foi vista por analistas como insuficiente para dar conforto ao mercado financeiro.

“O fato é que precisamos de uma sinalização mais forte. Quando olhamos os números fiscais, tem muito dado em relação à receita que está superestimado, e [dados] das despesas que está subestimado também. [...] O governo precisa tentar pegar um pouco mais do fiscal”, disse Portella, da Novus Capital.

Segundo Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, a política fiscal ainda expansionista — ou seja, que ainda tem dificuldade de conter os gastos públicos — trabalha contra os juros mais altos.

Isso porque o aumento de gastos costuma incentivar a atividade econômica, como é o caso do reajuste real do salário mínimo e ampliação do benefício do Bolsa Família. Já juros mais altos servem para conter o consumo, e assim reduzir a inflação.

“O mundo também está voltando a ser um pouco mais inflacionário com custos de produção e temos uma taxa de câmbio que se desvalorizou. Tudo isso ajuda a segurar a inflação em um patamar um pouco mais alto”, explicou Megale.

É por isso, portanto, que os especialistas reiteram a dificuldade que o BC tem de ancorar a expectativa de inflação. Em consequência, a curva de juros futuros — que indica o que o mercado projeta da taxa Selic no futuro — já mostra um eventual aumento por parte do BC.

  • ▶️ Início dos cortes de juros por parte do Fed

Por fim, outro fator que corroborou para o discurso mais duro do BC é a espera pelo início do ciclo de cortes de juros por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano). No início do ano, o cenário era otimista para que o BC dos EUA promovesse vários cortes ao longo de 2024.

O cenário mudou ao longo do ano e, desde a reunião passada do Copom, houve um compasso de espera por sinais do Fed. Em meados de junho, o dólar ganhou força à medida que dados econômicos dos EUA vieram mais fortes que o esperado.

Na reunião de junho, o Fed chegou a indicar que pretendia cortar a taxa de juros apenas uma vez até o final 2024. Com isso, ficou a estimativa de apenas um corte de 0,25 p.p (ponto percentual) este ano. E juros mais altos favorecem a força do dólar.

Nesta quarta-feira (31), a instituição voltou a manter os juros da maior economia do mundo inalterados, mas abriu a porta para um possível corte das taxas em setembro, conforme os preços dos EUA continuam caminhando em direção à meta de 2% do Fed.

Para os especialistas ouvidos pelo g1, o alívio com o Fed nesta última reunião foi fator determinante para que o Copom mantivesse o balanço de riscos e os juros inalterados, apesar de adotar um tom mais duro.

“A decisão do Fed é até mais relevante do que tem acontecido aqui dentro para definir os próximos passos do BC. [Se o BC dos EUA cortar os juros em setembro] as coisas podem melhorar bastante, pelo menos nas restrições externas, o que deve facilitar a vida do BC aqui”, disse Chermont, da Quantitas.

Chermont diz ainda que a questão é tão importante que o Copom pode esperar a reunião do Fed de setembro antes de tomar qualquer decisão sobre um eventual aumento de juros.

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Qual a chance de o BC elevar os juros à frente?

De acordo com os especialistas, os fatores que poderiam pesar em um eventual aperto monetário pelo Copom são:

  • O Fed atrasar o corte de juros, levando uma pressão adicional para o câmbio;
  • Um agravamento dos riscos fiscais;
  • A continuidade de um mercado de trabalho pujante, indicando pressão nos preços;
  • A piora da inflação; e
  • Uma desancoragem ainda maior das expectativas de inflação.

Assim, apesar de o Comitê ter indicado que está confortável em manter os juros em patamares elevados por mais tempo, parte importante desse comunicado está na possibilidade de mudar de estratégia caso o cenário continue piorando.

“A manutenção dos juros em 10,50% ainda deve ser o 'plano de voo' do BC, mas se ele continuar vendo a taxa de câmbio se desvalorizar, a inflação rodando acima da meta e as projeções de inflação subindo para o ano que vem, talvez ele tenha que repensar essa estratégia e subir os juros”, disse Megale, da XP.

Além disso, os especialistas reforçam a importância de um corte de juros nos Estados Unidos para diminuir a pressão por aqui. “Se o Fed atrasar o corte, as coisas vão ficar muito difíceis e será quase inevitável [o BC brasileiro subir juros], pela consequência que isso vai ter no câmbio”, afirmou Chermont.

Por fim, do lado do fiscal, a leitura dos economistas é que será necessária uma postura mais dura do governo federal sobre o controle dos gastos públicos para evitar um novo aumento dos juros por aqui.

“O governo vai ter mais uma chance, quando entregar o Orçamento de 2025, de mostrar que realmente está comprometido com o arcabouço fiscal. E então vamos ter mais uma tentativa de reancorar as expectativas de inflação. É isso o que vai fazer com que o modelo do BC piore de vez ou volte a acalmar”, conclui Portella, da Novus.

O que disseram analistas sobre o comunicado?

Para Adriana Dupita, economista de mercados emergentes da Bloomberg Economics, o tom geral do comunicado do Copom foi realmente mais duro do que o da reunião de junho – e em linha com a piora na perspectiva para a inflação.

“Mas ainda não foi dessa vez que o BC sinalizou que contempla dar a alta de juros que o mercado precifica”, diz.

A especialista afirma que, até a próxima reunião do Copom, em setembro, novas informações relevantes vão ser divulgadas e consideradas pelo Comitê.

Entre elas, o Orçamento de 2025, a possível indicação de novos membros para a autoridade monetária e o possível início dos cortes de juros pelo Federal Reserve.

“Nesse sentido, o comunicado desta quarta deixa ainda alguma flexibilidade para o BC reagir aos novos dados.”

O economista Danilo Passos, da WHG, ressalta que o comunicado desta quarta mostra um Copom ainda um pouco indeciso sobre se realmente precisa ser mais hawkish (no sentido de elevação dos juros).

“O comunicado tem vários marcadores hawkish [tom mais duro]. Em diversos trechos, o BC fala em um acompanhamento diligente, em uma cautela na política monetária. Por outro lado, há sinalizações que o mercado esperava, mas não vieram”, diz.

Passos destaca, por exemplo, que o texto não mencionou uma “assimetria no balanço de riscos pela inflação”.

"Esse poderia ser um marcador mais claro de que o cenário estaria, na visão do próprio BC, se deteriorando muito – e que o próximo passo poderia ser uma alta nos juros.”

Marcos Moreira, CFA e sócio da WMS Capital, destaca que o tom mais duro do Copom é justificado, entre outros pontos, pela elevação das incertezas no cenário doméstico, incluindo a depreciação do câmbio e as expectativas em relação à inflação.

“Nós não vemos com clareza um aumento na taxa de juros. Mas, em linha com o comunicado, os juros devem permanecer em patamares mais restritivos e por mais tempo”, diz.

O economista lembra que, caso haja uma manutenção de juros no Brasil e o início de corte nas taxas dos Estados Unidos nas próximas decisões, o chamado "prêmio Brasil" (diferença entre os juros brasileiros e norte-americanos) tende a aumentar.

"Isso pode aliviar um pouco a pressão por aqui", conclui.